Como o terceiro setor tem ajudado os mais vulneráveis na pandemia
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e a pandemia de Covid-19 tem agravado ainda mais essa desigualdade. Diante deste cenário, o terceiro setor vem se mobilizando desde o início para ajudar os grupos mais vulneráveis a sobreviverem à crise

Por: Isabela Alves
O primeiro caso de coronavírus foi confirmado no Brasil em 26 de fevereiro. Sendo o Brasil um dos países mais desiguais do mundo, era esperado que a pandemia acentuaria ainda mais as desigualdades sociais no país e causaria danos irremediáveis.
Com isso, o terceiro setor precisou apresentar uma resposta imediata. Já no dia 8 de abril, as doações para enfrentar a pandemia ultraaram a marca histórica de R$ 1 bilhão. O recorde foi registrado pelo Monitor das Doações da Covid-19, ferramenta criada pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). O setor da saúde foi o que recebeu o maior volume de doações.
“A pandemia proporcionou uma mobilização que se deu pela população de diversas formas, desde doações de empresas até campanhas de financiamento. Grande parte das doações foram destinadas aos hospitais, pesquisas científicas, compra de equipamentos e também para a assistência social de famílias de baixa renda”, conta Márcia Woods, presidente do conselho da ABCR.
De acordo com Woods, as doações tomaram diferentes arranjos. No entanto, apesar da grande mobilização, nem todas as causas sociais foram favorecidas. A causa da educação, por exemplo, sofreu impactos, pois todas as escolas tiveram que fechar as portas. Outra área muito afetada foi a da cultura, já que as pessoas não poderiam assistir aos espetáculos pessoalmente.
Por outro lado, a especialista aponta que outras causas ganharam mais visibilidade ao longo do ano, como o meio ambiente, já que incêndios atingiram a Amazônia e o Pantanal, e o racismo, com o caso de João Alberto de Freitas, que foi espancado até a morte em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre (RS). “Causas que antes eram despercebidas tiveram a faísca acesa durante a pandemia e chamaram a atenção de todo o Brasil neste ano”, afirma.
Como o terceiro setor ficará no pós-pandemia?
Uma pesquisa promovida pelo Datafolha junto com a Ambev indicou que metade das organizações sem fins lucrativos brasileiras enfrentarão dificuldades para se manter no pós-pandemia.
De acordo com os dados, os desafios já enfrentados pelas organizações do terceiro setor foram acentuados com o cenário atual e traçam um futuro incerto para as ONGs.
Entre as principais dificuldades estão a falta de apoiadores financeiros (41%), doações de materiais e equipamentos (13%) e voluntários para ajudarem a organização a se reerguer (11%).
Apesar desta situação alarmante, Márcia Woods pontua que a pandemia mostrou que o Brasil é solidário e fez com que o terceiro setor assumisse seu papel de liderança. “A pandemia mostrou que o terceiro setor tem o valor impressionante de mobilizar a sociedade e de chegar em quem precisa”, diz.
A pesquisa também apontou que o interesse dos brasileiros pelo terceiro setor aumentou durante a pandemia. Antes, 23% das organizações relatavam problemas para conseguir doações recorrentes, mas o cenário mudou nos últimos meses.
“Ainda estamos tentando entender o que estamos vivendo. Olhando pelo lado positivo, a forma da relação entre doador e organização mudou. O doador criou o processo de confiança, já que houve uma reavaliação para que o doador visse onde chegava o recurso”.
As desigualdades se acentuaram na pandemia
A pandemia expôs ainda mais as desigualdades sociais no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, 80% das famílias que moram em favelas estão vivendo com menos da metade da renda que tinham antes da pandemia.
O terceiro setor foi fundamental para muitas dessas famílias, auxiliando com cestas básicas e com projetos de geração de emprego. Também é válido ressaltar que a criação da Renda Básica Emergencial está muito ligada à pressão de movimentos sociais, organizações da sociedade civil e da população sobre o Governo.
Muitos brasileiros, no entanto, vivem em uma situação de vulnerabilidade tão severa que não tiveram nem mesmo uma casa para se isolar ou a renda do auxílio.
Priscilla Rodrigues é a presidente da ONG Bem da Madrugada, instituição que ajuda pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. Segundo ela, as ações tiveram que se reestruturar durante a pandemia, mas nunca pararam.
No antigo modelo, a equipe se encontrava na estação da Sé para receber as doações. De início, as ações reduziram, mas depois continuaram respeitando os protocolos do distanciamento social.
Agora, a ONG distribui kits completos com alimentação e higiene em cinco regiões da cidade. “Mudou também a forma de recolher as doações, pois criamos um site para pessoas que não conseguiam doar pessoalmente. O boom de doações foi grande nos meses de frio e no início da pandemia”, conta Rodrigues.
Agora são 20 voluntários por ação, sendo que são realizadas de 15 a 20 rotas de entrega. Todos utilizam álcool em gel, luva e viseira.
Rodrigues ainda complementa que muitas pessoas em situação de rua sofreram principalmente com a falta de informação sobre o que estava acontecendo. Por isso os voluntários aram a levar informativos para os informar sobre o distanciamento social.
“Eles não sabiam de nada e estavam perdidos. Só notaram porque acabou a movimentação. Durante um atendimento na Avenida Paulista, um senhor me disse: ‘eu vim dormir rezando para que alguém me encontrasse e me desse comida’, pois os restaurantes estavam fechados e ele não estava conseguindo pegar a comida do lixo”, relata.
Outra mudança que ocorreu na instituição foi que todas as ações agora levam atendimento médico, barbeiros e veterinários para os pets das pessoas em situação de rua. A ONG Bem da Madrugada também está com o projeto dos Consultores do Bem, em que eles doam uma caixa de halls para que os moradores consigam vender e tirar um sustento.
Neste ano, mais de 48 mil pessoas foram beneficiadas pelo projeto social, que contou com a ajuda de 200 voluntários. É válido ressaltar que no Brasil, mais de 220 mil pessoas estão em situação de rua.
A solidariedade cresce no Brasil
Uma pesquisa do Datafolha apontou que 96% dos brasileiros têm o desejo de ser mais solidários e buscam realizar ações para fazer o bem, mas muitas vezes não sabem como colocar essa solidariedade em prática.
Apenas 27% efetivamente se envolvem hoje em ações coletivas organizadas. “Pessoas que nunca doaram fizeram a ação durante a pandemia. Para o futuro, é importante criar uma cultura de doação. Ela deve se tornar assunto no almoço de família, no trabalho e onde for”, afirma Paula Fabiani, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS).
Fabiani ressalta que é por isso que datas como o Dia de Doar são fundamentais para criar uma conscientização na população. No último 1º de dezembro, por exemplo, a campanha alcançou seu recorde de R$ 2 milhões mobilizados.
O valor é quase 80% maior do que o registrado no ano ado, quando as doações totais realizadas através do evento chegaram em R$ 1,1 milhão. Neste ano, quase 28 milhões de pessoas se mobilizaram por meio das redes sociais.
“As pessoas precisam assumir que são doadoras e descobrir qual é a sua causa. Para ajudar os usuários com essas questões, o IDIS possui uma plataforma que aponta o perfil de cada pessoa”, destaca. Para ar o teste, clique aqui.
06/04/2021 @ 10:59
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