“Sucesso é o quanto cresce a possibilidade de eu contribuir para melhorar a vida das pessoas”, diz Alok
Cultura de Doação
Ele nasceu bem no meio do Brasil, em Goiânia, ganhou um nome indiano e cresceu entre Amsterdã, na Holanda, e Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Sua vida profissional está recheada de palavras e tendências muito inovadoras, tais como psy transe, slap house e brazilian bass. E seu instrumento musical é uma mesa de mixagem.
Foi com essa bagagem que ele se tornou uma personalidade global, considerado um dos melhores DJs do mundo, que é aclamado por multidões aonde quer que vá, desde o interior do Brasil até Estados Unidos, Europa e Ásia. Mas em seu peito bate um coração com raízes profundas na natureza, nas culturas ancestrais e no elemento humano. É esse coração que conduz Alok pelos caminhos da filantropia, da solidariedade e da doação. E foi sobre esses temas que ele conversou com o Observatório do Terceiro Setor.
Obrigada, Alok, por aceitar o convite para ser o primeiro personagem da nova seção Observatório Entrevista.
As fotos utilizadas neste texto são de Mila Petrillo e Alisson Demétrio.
Confira a entrevista a seguir:
1. Alok, você já relatou, em entrevistas, que seu envolvimento com doação chegou por meio de uma experiência espiritual. É isso mesmo? Conta como surgiu seu interesse pela filantropia.
Em 2016, fui levado à África pela primeira vez, e em 2019 à região de Canudos (Bahia), pela organização humanitária Fraternidade sem Fronteiras, e estas viagens tocaram profundamente meu coração. O contato com a ferida profunda da exclusão, da fome e da falta de o à educação e água, por exemplo, me conectou com um profundo sentimento de compaixão – sentir o outro se transformou em urgência de fazer algo para ajudar a amenizar a dor e transformar realidades.
À medida que minha carreira musical foi crescendo, percebi que, para mim, sucesso é o quanto cresce a possibilidade de eu contribuir para melhorar a vida das pessoas, além, claro, da quantidade de pessoas que gostam e ouvem minhas músicas e comparecem aos shows – Alok
Vi também o quanto era importante me juntar a outros (artistas, empresários, voluntários, empreendedores sociais) para fazer mais e melhor, para organizar uma atuação filantrópica mais consistente. ei então a sonhar em fundar meu próprio instituto, o que aconteceu em 2020. Nesse mesmo ano nasceram meus dois filhos…o Instituto é o terceiro filho!
Antes disso, comecei a doar cachês ou parte de meus cachês a entidades sociais do Brasil, a reunir parceiros para algumas ações naquelas regiões da África (para onde voltei três vezes mais) e da Bahia, uma jornada que está bem registrada no site do Instituto Alok, mas que aconteceu antes do Instituto existir.
2. O Instituto Alok atua em diversas causas, mas se você tivesse que escolher uma causa do coração, qual seria?
Amo todos os projetos que apoiamos ou co-criamos com entidades sociais e parceiros.
Ações emergenciais de mobilização de solidariedade (vontades e recursos) como as que fizemos ou nas quais participamos pelo Rio Grande do Sul (com a Ação da Cidadania e a CUFA) ou de combate à seca na Amazônia (com a Fundação Amazônia Sustentável) me são muito importantes. De forma mais estrutural, temos um projeto de oferta de microcrédito na Zona da Mata de Pernambuco, que realiza com muito profissionalismo o incentivo ao empreendedorismo, sendo que, em parceria com a ONG local Acreditar, já apoiamos mais de 400 pequenos negócios. É ação que apoiamos desde o início do Instituto, porque é importante que as pessoas sintam que acreditam em seus potenciais. Outra de nossas primeiras parcerias foi com a Gastromotiva, uma das grandes iniciativas do país em segurança alimentar.
Não tenho mesmo como comparar umas ações com outras. Por exemplo, trazem muita alegria, para mim e para Romana, minha esposa, as edições do projeto Luz na Saúde, de atendimento médico para centenas de mulheres das periferias do Rio e de São Paulo. É uma parceria muito efetiva articulada pelo Instituto Alok com coordenação técnica da SAS Brasil, participação fundamental da Clínica Romana e da Laser Fotona, com e da Gaslive (com a gente também em outras ações) e apoio da Igreja de Jesus dos Santos dos Últimos Dias. Veja, são sempre uma união entre parceiros.
Escolher um dos projetos como a “causa do coração”… não espere que eu consiga responder!
Agora mesmo acabamos de estabelecer uma nova área de atuação no Instituto – Natureza e Comunidades – com projetos de restauração de biodiversidades já acontecendo no Acre (com a SOS Amazônia e o líder Mapu Huni Kuin) e no Arquipélago do Marajó, no Pará (com o IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil) através de apoio do Fundo Comunitário da Airbnb. Logo estaremos começando uma ação incrível com a SOS Mata Atlântica e vamos a outros biomas: estou muito empenhado em contribuir por um planeta mais verde, com ações no terreno e esforços de conscientização. Estou feliz que patrocinadores de meus shows estão se unindo a este desejo, como o Banco do Brasil, Estrella Galícia e Vivo. Logo divulgaremos sobre esta ação.

3. Seu trabalho com os povos indígenas une música e causa. É um projeto especial para você?
Minha aliança com os povos originários — que começou com uma viagem de imersão espiritual às aldeias do povo Yawanawa, no Acre, em 2015 – é sim um dos mais importantes projetos que já realizei. Na Amazônia profunda, com os Yawanawa, despertei para a força de cura das melodias e dos cantos. Poucos anos depois pude convidar 50 artistas indígenas de 8 etnias para fazemos juntos o álbum O Futuro é Ancestral. Foram 500 horas de gravação, 40 dias juntos.
Na verdade, muitos deles pediam este trabalho, porque julgavam que posso ser uma plataforma para ampliar suas vozes através da música. Acho que sim, porque apenas um ano depois do lançamento já nos apresentamos duas vezes na ONU, ao vivo no festival Global Citizen no Central Park em Nova York e, transmitido desde a Amazônia, na edição do Global Citizen para uma rede global de televisões e outras plataformas. Performamos juntos na festa de premiação do Grammy Latino em Miami (prêmio para o qual foi indicada uma das faixas do álbum – Pedju Kunumigwe, dos Nhandewa, um fato histórico), e antes já havíamos feito um show lindo no Museu do Grammy em Los Angeles. No Brasil, fizemos uma apresentação muito festiva no Centro Cultura Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro e dois shows de grande dimensão — no aniversário de Brasília e em Belém como início da contagem regressiva para a COP-30.
Muitos fãs me dizem que pela primeira vez se colocaram atentos à questão indígena, e isso é um impacto que celebro! – Alok
Outro elemento desse projeto com os povos originários é que lançaremos este ano a Coleção Som Nativo com mais 7 álbuns com músicas tradicionais e contemporâneas das mesmas etnias, mas sem minha participação como produtor: suas músicas trazem mensagens de pura reconexão com a natureza, de resistência cultural e de luta. A Coleção é uma contribuição do Instituto Alok à Década Internacional das Línguas Indígenas, em cooperação com a UNESCO. Nosso desejo é fazer outros álbuns e construir um legado, um acervo da música indígena gravada com boa qualidade. Mas, além da música, apoiamos 33 projetos em aldeias.

Na relação com nossa ancestralidade, tenho muita satisfação, ainda, com o fato de que a maior parte dos projetos de Educação, Saúde e Empreendedorismo que o Instituto Alok apoia tem na população negra, especialmente mulheres e crianças, uma abordagem transversal. Com o Instituto ViniJr, por exemplo, estamos trabalhando em duas escolas quilombolas (no Rio e na Bahia), Outra de nossas primeiras ações foi a parceria com o Instituto Feira Preta, um grande projeto de economia circular e criativa, com apoios às casas Preta Hub em São Paulo e na Bahia e na ação Pretas Potências com a qual apoiamos 20 empreendedoras, mulheres, em várias regiões do país.
4. Você estava certo ao criar seu Instituto?
A filantropia é uma jornada de certa satisfação pessoal – me faz bem por exemplo que em 22 cidades do interior do Nordeste milhares de famílias tenham o à água potável. Nosso projeto Água de Beber tem parcerias com o UNICEF e a startup Água Camelo, com apoio da Waaw (minha empresa de equipamentos de som em sociedade com a Wap, e que está em vários projetos nossos). Mas, esta é também uma caminhada de contato com a indignação, neste caso por esta realidade persistir e crianças ainda adoecerem e até morrerem por falta de água própria para consumo.
Por isso não há meios de dizer quais dessas causam me tocam mais o coração, são uma mesma causa: a vida.

5. De toda maneira, qual o projeto ou doação que você mais gostou de fazer?
Tenho especial carinho pelo projeto em Canudos, na Bahia. Com a ong Retratos de Esperança e outros aliados (Água Ama, Avina e Fraternidade) transformamos a vida de muita gente construindo casas, escola e criando estrutura de o à água. Tem um lugar especial em meu coração, porque foi a primeira iniciativa com a qual me envolvi fortemente: a realidade no local era de muita pobreza, mas nasceu ali a Vila Esperança… hoje uma nova realidade.
6. E qual você faria diferente se tivesse que repetir hoje?
Eu não faria diferente, mas quero fazer mais e melhor. Apoiamos milhares de pessoas através de ações em três países na África (com a Fraternidade sem Fronteiras) e na Índia (com a fundação do Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz; com a Ashoka; e, com a Lokaa Foundation — entidade criada por uma jovem quando ainda tinha 16 anos e que faz grandes transformações em vilas antes paupérrimas). Essa cooperação com outros territórios do chamado Sul Global me agrada muito, apesar de que o Brasil é sempre uma prioridade.

7. Qual o seu maior sonho de realização como filantropo?
Ressignificar cada vez mais a noção de “sucesso” — que, como disse, para mim representa poder ajudar mais pessoas; e também inspirar atitudes positivas, sendo uma delas a de empoderar uma “cultura de doação” e um sentimento real de compaixão, no sentido da ação concreta pela vida digna e sustentável para todos.
8. Se você pudesse converter alguém em filantropo, quem seria?
Acho que tem muito mais gente fazendo coisas positivas do que imaginamos. Muitos não divulgam suas ações, o que compreendo perfeitamente, embora eu ache importante tornar público para incentivar outras pessoas.
Creio que a indústria do entretenimento, na qual trabalho, pode contribuir ainda mais e de muitas maneiras – Alok
9. Que mensagem você deixaria para seus colegas artistas, para levá-los a serem mais doadores e ativistas de causas?
Eu apenas diria que o investimento social é também uma arte que, assim como a música, o cinema e todas as expressões estéticas, igualmente aquece muitos corações e amplia consciências. Todo gesto neste sentido vale a pena.