Utilização dos mecanismos de incentivo: aliada ou inimiga da cultura de doação?
Cultura de Doação
Nesse nosso espaço do Vozes, já teve artigo defendendo a diferenciação, enquanto tivemos colegas apontando o potencial do mais recente mecanismo de incentivo federal, a lei de incentivo à reciclagem, de alavancar a cultura de doação.
Fato é que a gente concorda em discordar e que bom que podemos ter nossas vozes ecoando. Aqui, não tenho nenhuma pretensão de unir as tribos, convencer lados, pacificar a questão, que é complexa, ou qualquer coisa que o valha. Mas faço um convite a quem defende (na maioria das vezes com bons argumentos, diga-se de agem) que a utilização de leis de incentivo para destinação de recursos a projetos socioculturais não pode ser considerada doação que se permita refletir sobre como essa prática pode se relacionar e contribuir para uma cultura de doação.
Uma das coisas que me intrigam é o enorme potencial brasileiro de destinação de recursos via leis de incentivo que é desperdiçado anualmente. Nossa colega Daiany França Saldanha já lançou luz a essa questão num artigo aqui no Vozes explicitando o pouco aproveitamento desse potencial não só em leis de incentivo, mas também em doações diretas. Se pensarmos que os mecanismos de incentivo não podem ser considerados doação, pois são destinação de impostos, me parece que o desafio de estabelecer e ampliar uma cultura de doação se torna ainda mais árduo, já que o que possui um incentivo prático (benefício fiscal) é grandemente subaproveitado. Talvez isso não seja novidade para colegas que estão há muito mais tempo do que eu trabalhando no movimento, mas será que a utilização dos mecanismos, ainda que diferenciada da doação direta, não pode ser uma aliada nessa luta árdua?
Há quem defenda que a destinação de recursos via mecanismos de incentivo pode fazer com que empresas ou mesmo pessoas físicas se acomodem neste formato de contribuição a projetos e causas socioculturais – e isso pode realmente acontecer. Mas agora me perdoe a visão Pollyanna da coisa: nesses anos trabalhando com investimento social privado, acredito que possa ser uma “porta de entrada” ou uma maneira de qualificar a cultura de doação. A utilização dos mecanismos pode fazer com que empresas se aproximem de causas e projetos, dos territórios em que atuam, das práticas de avaliação e monitoramento de seus impactos socioambientais e a compensação dos negativos. Muitas vezes as áreas que cuidam do “social” são compostas de figuras solitárias batalhando por recursos ou atenção, que me lembram muito as áreas de captação de organizações sociais ou mesmo esse movimento aqui que vai sendo construído com muito suor. Já acompanhei casos em que esses bravos colegas dentro das empresas conseguiram aprovar recursos junto à alta cúpula para doações diretas após o valor demonstrado da destinação de recursos a causas e projetos socioculturais, feitos inicialmente por meio de mecanismos de incentivo.
Acho que não preciso fazer nenhuma ressalva de que obviamente temos casos de má utilização, certo? Tratar dos problemas na execução e das maneiras de minimizá-los daria outro artigo, que talvez nem caiba aqui no Vozes.
Mas problema à parte, é preciso tratar de problemas reais. Digo isso, pois percebo que muitas vezes a visão sobre a destinação via mecanismos de incentivo se apoia sobre o desconhecimento das vastas possibilidades que cabem nessas práticas. Poderia listar por muitos parágrafos exemplos de projetos, aprovados e financiados via mecanismos de incentivo, que possuem como foco principal gerar um legado permanente para organizações e territórios. Projetos que trabalham aperfeiçoando o desenvolvimento institucional, potencializando OSCs e seu pessoal e criando novas possibilidades de captação de recursos. Relembro aqui o artigo do meu colega de temporada do Vozes, Fernando do Amaral Nogueira , que defende a cultura de captação como um pilar para a cultura de doação. Como ele disse, parafraseando o Joao Paulo Vergueiro : “precisamos lembrar que um dos principais motivos para alguém doar
continua…
Utilização dos mecanismos de incentivo: aliada ou inimiga da cultura de doação?