Um líder desumano e a profissionalização do terceiro setor no Brasil

Direitos Humanos
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Imagem: Divulgação INCAvoluntário

 

Por Fernanda Vieira

 

O líder do dito país mais poderoso do mundo assumiu o poder com o firme propósito de suspender ou retirar direitos individuais e coletivos, especialmente dos mais vulneráveis, entre eles populações LGBTQIA+, refugiados e migrantes, povos originários, mulheres. Pobres e racializados, já castigados por uma série de fatores estruturais, políticos e sociais, e até então atendidos por muitas organizações idôneas em vários países, agora seguem ainda mais à deriva.

A Secretaria de Estado dos Estados Unidos cancelou mais de cinco mil contratos da agência americana para o desenvolvimento internacional, a USAID, ou 80% dos programas de ajuda externa do país. Lembro que, apesar de ser o principal financiador de ajuda humanitária no mundo, os Estados Unidos gastam menos de 1% do orçamento federal com essa frente.

Até mesmo iniciativas de emergência, como alimentos para crianças famintas e água potável para famílias refugiadas da guerra em países africanos, tiveram contratos encerrados. A OMS informou que as decisões de Trump interromperam o fornecimento de medicamentos para o HIV em oito países, o que pode levar a mais de 10 milhões de casos de Aids e três milhões de mortes relacionadas ao vírus. No Brasil, ONGs e programas humanitários em atividade há vários anos, na área ambiental e de apoio a refugiados, foram afetados pela decisão. Como dirigente de uma organização social, me solidarizo com as milhares de pessoas impactadas. Em se tratando dos projetos apoiados pela USAID, é impossível reverter, em curto prazo, os danos já provocados.

Diante dessa crise sem precedentes, como também sou captadora de recursos, reforço o que todos sabemos (mas que, em meio a demandas sempre urgentes, deixamos de lado quando contamos com grandes doadores de recursos de forma continuada): é urgente diversificar as fontes de financiamento com parcerias públicas e privadas. Podemos e devemos aproveitar esse momento mundial como aviso, uma chance para retomar ou construir uma posição mais assertiva na busca por recursos. A filantropia, por exemplo, ainda é embrionária no Brasil. O potencial é imenso.

O caminho de base para botar o bloco na rua continua sendo o investimento permanente em profissionalização dos gestores e colaboradores das ONGs. Perdoem o óbvio, mas o amadorismo ainda bastante presente no terceiro setor, em nosso país, prejudica a imagem das organizações e, por conseguinte, a captação. Apenas com as ferramentas certas e o conhecimento necessário é possível aferir resultados e indicadores que comunicam impactos e comprovam competência e transparência. Apenas com uma equipe capacitada é possível prospectar com segurança e gerar confiança.

Precisamos dominar informações sobre os incentivos fiscais para doações de pessoas físicas e jurídicas, que movem uma grande corrente do bem. Precisamos saber contar nossas histórias nas redes sociais e na imprensa, mostrar nossos rostos e dados. Devemos saber explorar as tecnologias de informação disponíveis, modernizar e operar sistemas de gestão que nos auxiliem na tarefa de ajudar mais e mais pessoas em situação de vulnerabilidade. A solidariedade, o altruísmo e o desejo de justiça social nos faz humanos. Ao que parece, há grandes líderes que não pertencem mais a essa espécie.

 

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor

 

Sobre a autora: Fernanda Vieira é gerente-geral do INCAvoluntário, área de ações sociais do Instituto Nacional de Câncer.


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