Trabalho infantil: a realidade de 3,2 milhões de brasileiros
Nos campos e nas cidades, crianças e adolescentes ainda são obrigados a abandonar os estudos e as brincadeiras para exercerem funções que colocam em risco seu desenvolvimento físico e psicológico

Quase 3,2 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2013 e divulgada no ano ado. O número corresponde a 7,5% do total da população com essa faixa etária. São crianças e adolescentes que na maioria das vezes têm seus direitos mais básicos, como proteção e educação, negados e que assumem desde cedo responsabilidades que só deveriam vir na fase adulta. Por isso a importância de lembrar que hoje, 12 de junho, é o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
A data comemorativa foi instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002, quando foi apresentado o primeiro relatório global sobre o trabalho infantil na Conferência Anual do Trabalho, e visa sensibilizar e mobilizar a população em geral para a seriedade do problema.
No Brasil, a meta é erradicar esse tipo de trabalho até 2020, mas especialistas acreditam que dificilmente a meta será cumprida. De acordo com a socióloga e gerente executiva da Fundação Abrinq Denise Cesario, houve uma redução de 59% no trabalho infantil entre 1992 e 2013 e, seguindo essa tendência de queda, em 2020 o país ainda deve ter em torno de dois milhões de crianças e adolescentes trabalhando.
O que é trabalho infantil

É todo tipo de trabalho, remunerado ou não, realizado por pessoas que tenham menos do que a idade mínima permitida por lei para trabalhar. No Brasil, o trabalho não é legal sob nenhuma condição até que a pessoa tenha 14 anos completos; entre os 14 e os 16 só é permitido trabalhar como aprendiz; e dos 16 aos 18 as atividades laborais são permitidas, contanto que não aconteçam das 22h às 5h, não sejam insalubres ou perigosas e não façam parte da lista das piores formas de trabalho infantil. Assim, quando se vê pesquisas como a PNAD que falam em números que abrangem pessoas até os 17 anos é porque elas estão desempenhando funções permitidas somente para adultos com 18 anos completos e que, portanto, quando exercidas antes disso são uma forma de trabalho infantil.
Onde ele acontece
Ele está presente nas cidades e nas áreas rurais, sob diferentes formas, muitas vezes ando despercebido. Das crianças que fazem malabarismo nos semáforos das grandes regiões metropolitanas, ando pelas que atendem a clientes de lojas até as que precisam ficar o dia todo em casa cuidando dos irmãos menores, tudo é trabalho infantil. Da mesma forma que as crianças e adolescentes que trabalham em plantações também estão tendo seus direitos violados.
O que é considerado trabalho infantil doméstico
É comum que as pessoas tenham dúvidas quanto à diferença entre trabalho infantil doméstico e uma divisão saudável de tarefas em casa. A socióloga e gerente executiva da Fundação Abrinq Denise Cesario esclarece onde está a tênue linha que separa os dois casos: “Só se configura em trabalho infantil quando a atividade é obrigatória e contínua. Por exemplo, se a mãe sai para trabalhar todos os dias e deixa a criança encarregada de lavar a louça, varrer a casa e cuidar dos irmãos menores, isso é trabalho infantil.” Por outro lado, se a criança só tem que desempenhar algumas tarefas de casa, como arrumar o próprio quarto, e continua com boa parte de seu tempo livre para brincar e estudar, isso é não só normal, como positivo para o desenvolvimento do senso de responsabilidade da criança. O importante é saber não sobrecarregá-la, nem física nem psicologicamente.
As piores formas de trabalho infantil
Embora toda forma de trabalho infantil seja prejudicial, já que pode atrapalhar o desenvolvimento pleno da criança, por tirar um tempo que deveria ser dedicado aos estudos e às brincadeiras, e por lhes oferecer em algum grau riscos físicos e psicológicos, existem cerca de 90 atividades classificadas como “as piores formas de trabalho infantil”, por serem as que mais oferecem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à moral das crianças e dos adolescentes.
As atividades classificadas dessa forma englobam, por exemplo, todos os tipos de escravidão, a exploração sexual e as atividades ilícitas como produção e tráfico de drogas.
Como uma ONG está combatendo o problema em SP

No interior de São Paulo, é comum encontrar crianças e adolescentes trabalhando em lavouras de café e cana de açúcar, para colaborarem com a renda familiar. Com o intuito de combater o problema na região, principalmente nas cidades de Aramina, Guará, Igarapava e Jeriquara, a Fundação Sinhá Junqueira oferece atividades como aulas de dança e de kung fu para pessoas com até 18 anos. “Através da educação, do esporte e da cultura, a Fundação Sinhá Junqueira se propõe a transformar a realidade na qual o público-alvo está inserido”, explica a presidente da instituição, Maria Luiza Rocco.
De acordo com ela, vários projetos da entidade visam combater o trabalho infantil: “Ao disponibilizar atividades em horários alternativos aos das escolas da região, estamos possibilitando que essas crianças tenham uma rede de proteção fora do horário escolar quando, provavelmente, estariam sozinhas em casa, com os pais nas lavouras, ou nas ruas, correndo riscos de se envolverem com violência e tráfico de drogas”.
Apesar do esforço para manter crianças e adolescentes longe de obrigações que só deveriam vir na idade adulta, a Sinhá Junqueira já teve evasão de diversos alunos, que foram obrigados por diversas circunstâncias a retomarem o trabalho. “Já houve casos de evasão dos projetos e ao investigar as causas detectamos que a criança estava cuidando dos afazeres domésticos, como almoço para irmãos enquanto pais trabalhavam nas lavouras, ou ainda cuidando de seus irmãos menores, ou cuidando de filhos de terceiros, sendo remunerados por esse trabalho”, conta Maria Luiza. Em outros casos, eles presenciaram também crianças trabalhando como auxiliares de pedreiros com seus pais, em oficinas de manutenção de automóveis, no corte de cana de açúcar, como caseiros em fazendas ou com reciclagem.
O combate em nível nacional
Outra entidade sem fins lucrativos que luta contra o trabalho infantil no país é a Fundação Abrinq. Para isso, ela mantém três programas específicos, todos de alcance nacional.
O primeiro é o ‘Empresa amiga da criança’, que mobiliza empresas para que elas façam a prevenção do trabalho infantil em toda a sua cadeia produtiva e ofereçam qualificação profissionalizante para adolescentes.
O segundo é o ‘Nossas Crianças’, que faz o ree financeiro e dá apoio técnico a organizações sociais com foco no atendimento de crianças e adolescentes. A cada dois anos, ele tem um novo edital para selecionar as organizações. O último convênio foi feito em março deste ano, quando foram escolhidas 31 entidades, de estados como Bahia, Ceará, Paraíba, São Paulo e Minas Gerais.
Por fim, a Abrinq mantém o programa ‘Prefeito amigo da criança’, que visa ajudar os municípios a diagnosticarem a situação de suas crianças e elaborarem planos de ação para melhorar os indicadores mais urgentes.
Como cada um pode ajudar
Combater o trabalho infantil é um dever de toda a sociedade e a por questões mais simples do que muitos imaginam. Ao saber de qualquer caso de trabalho infantil, é preciso denunciar. Para isso, basta ligar no Disque 100, que é gratuito e anônimo; fazer a denúncia pela internet, através do site do Ministério Público do Trabalho; ou procurar pessoalmente um Conselho Tutelar, a Secretaria de Assistência Social, a Delegacia Regional do Trabalho ou o Ministério Público do Trabalho.
Atitudes como não comprar produtos feitos ou vendidos com exploração de trabalho infantil e não contratar crianças e adolescentes menores de 16 anos para atividades informais também podem fazer toda a diferença.