Testemunhas de Jeová já podem recusar a transfusão de sangue
LegislaçãoSTF garante a Testemunhas de Jeová o direito de recusar transfusão de sangue por motivos religiosos, assegurando alternativas disponíveis pelo SUS para pacientes maiores de idade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 25/09, que, por questões religiosas, testemunhas de Jeová têm o direito de recusar tratamentos médicos que envolvam transfusão de sangue. Os fiéis dessa denominação cristã seguem o preceito de não receber sangue de outras pessoas.
Os ministros também decidiram que que as pessoas que recusam determinado procedimento médico por causa da religião têm o direito a tratamentos alternativos que já estejam disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive fora da sua cidade de residência, se necessário.
Daniella Torres, especialista em Direito Médico e professora do Centro Universitário de Brasília (CEUB), analisa a decisão e comenta a relevância do julgamento para a atuação dos profissionais de saúde do Brasil.
De acordo com a especialista, a ausência de um posicionamento claro do STF deixava os médicos em uma situação delicada, quando era necessário escolher entre respeitar a liberdade religiosa do paciente ou seguir o Código de Ética Médica, que obriga o profissional a preservar a vida a todo custo. “Essa falta de clareza jurídica colocava o médico em uma posição de vulnerabilidade em seu exercício, sujeito a responder tanto por respeitar quanto por desconsiderar a liberdade religiosa do paciente”, ressalta Daniella.
Com a decisão do STF, fica evidente que a liberdade religiosa da pessoa adulta e mentalmente capaz deve prevalecer, permitindo que recuse a transfusão de sangue. No entanto, a docente do CEUB alerta que há ressalvas:
“É importante destacar que esta decisão não se aplica a menores de idade, nos quais a responsabilidade pela autorização de procedimentos médicos permanece com o profissional de saúde, que deverá agir de acordo com o melhor interesse da criança ou adolescente”.
De acordo com os ministros do STF, a decisão segue princípios constitucionais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, que assegura direitos e garantias fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade religiosa. “O Supremo entendeu que o direito à vida e à saúde deve coexistir com a liberdade religiosa, mas que a vontade do paciente deve ser respeitada, desde que ele seja maior de idade e esteja mentalmente capaz”, esclarece.
Mesmo com as diretrizes na condução de casos envolvendo a recusa de procedimentos médicos por motivos religiosos, a docente do CEUB alerta para a necessidade de mais discussões sobre a aplicação prática dessa decisão no dia a dia dos profissionais de saúde. “Isso representa um avanço na proteção dos direitos individuais, mas também exige uma atualização nos protocolos e treinamentos dos profissionais de saúde para lidar com essas situações de maneira adequada e humanizada”, conclui a especialista.
Conforme a decisão do STF, existem algumas condições para que uma pessoa recuse determinado tratamento por motivo religioso:
- O paciente deve ser maior de idade e a escolha deve ser livre, informada e expressa;
- A opção deve ser feita antes do ato médico. A pessoa pode deixar previamente estabelecida a sua decisão;
- A escolha só vale para o próprio paciente e não se estende a terceiros.
Este último ponto vale também para filhos menores de idade de pais que sigam a religião. Nesses casos, os pais só poderão optar pelo tratamento alternativo para os filhos se ele for eficaz, conforme avaliação médica.
Por que as testemunhas de Jeová não aceitam transfusão de sangue?
A religião das testemunhas de Jeová é uma denominação cristã que afirma ter cerca de 8,8 milhões de adeptos no mundo, com pregação em 239 países.
Conforme mostrou a CNN, o Departamento de Informações ao Público das Testemunhas de Jeová defende o chamado “gerenciamento do sangue do paciente” (PBM, na sigla em inglês), estratégia da medicina que reúne, desde o pré-operatório, medidas para evitar a necessidade de transfusão.
A explicação para a recusa à transfusão, segundo a religião, está amparada tanto no Novo quanto no Velho Testamento. A fundamentação mais importante é que “Deus manda abstenção de sangue porque ele representa a vida, que é algo sagrado”.
A justificativa dos religiosos sobre os tratamentos com transfusão de sangue está respaldada por um posicionamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda preferencialmente a abordagem centrada no desejo do paciente, o PBM.
Durante o manuseio do sangue, alguns elementos incluem a prevenção de condições para que a transfusão de sangue seja evitável, através da promoção da saúde e identificação precoce das condições que resultem a necessidade de transfusão. Isso inclui boas práticas cirúrgicas, técnicas anestésicas que minimizem a perda sanguínea e o uso de métodos de conservação do sangue.
Processos
Os dois casos em análise pelo STF têm origem em disputas judiciais de testemunhas de Jeová. Após terem o custeio de tratamentos alternativos rejeitado, elas buscaram na Justiça formas de realizar cirurgias sem a transfusão de sangue, alegando o direito de proteção à liberdade religiosa.
O processo relatado por Gilmar Mendes é o de uma paciente que foi encaminhada para a Santa Casa de Maceió para a realização de uma cirurgia de substituição de válvula aórtica (localizada no coração). A mulher se negou a um termo de consentimento que previa a possibilidade de realização de eventuais transfusões de sangue durante o procedimento. Ela acionou a Justiça dizendo estar ciente dos riscos da cirurgia sem transfusão de sangue, e que optou por rejeitar esse procedimento em respeito a sua religião.
Nas instâncias inferiores, a Justiça rejeitou o pedido da paciente. O argumento principal é que, embora haja declarações de médicos apontando ser possível realizar o procedimento sem a transfusão, não há garantias de que tal método seria isento de riscos para a paciente.
Já o outro processo, que está com Barroso, é um recurso da União contra decisão que a condenou, junto com o estado do Amazonas e o município de Manaus, a arcar com uma cirurgia sem transfusão de sangue em outro estado.
A condenação envolveu a ordem para pagar toda a cobertura médico-assistencial de um procedimento de artroplastia total (substituição de articulação por prótese). O Amazonas não ofertava esse tipo de cirurgia sem transfusão de sangue.
Fonte: CNN Brasil