Setor social precisa trabalhar colaborativamente para potencializar uso de dados

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Evento online explica a Lei Geral de Proteção de Dados
Foto: rawpixel.com via Freepik

Por Edmond Sakai 

Uma das frases que definem o nosso tempo atual é a de que “os dados são o novo petróleo”. A frase foi cunhada pelo matemático e cientista de dados britânico Clive Humby em 2006, e repetida em 2017 pelo CEO da Mastercard Ajay Banga para o público de um evento realizado na Arábia Saudita – maior produtor de petróleo do planeta.

A ideia é que os dados podem ser uma fonte tão importante de riqueza no século 21 quanto o petróleo foi no século 20. Mas, assim como o petróleo, os dados não têm um valor de utilidade em sua forma “crua”.

Precisam ser refinados para terem aplicação prática. Há uma diferença crucial entre eles: enquanto o petróleo é um recurso finito, os dados são, para todo efeito prático, ilimitados.

O mundo corporativo, o mercado financeiro e os governos entenderam essa mensagem e o século 21 está sendo marcado por uma disputa sobre quem terá o controle dessa infinidade de dados e quais são as melhores maneiras de gerenciá-los e analisá-los.

Mas e o terceiro setor? Será que as organizações da sociedade civil já se conscientizaram sobre a importância dos dados e de sua correta manipulação para desenvolver ações de impacto social mais efetivas?

Se não havia essa preocupação, ela ficou clara no enfrentamento à pandemia da COVID-19 e de suas graves consequências sociais. No contexto da pandemia, surgiram iniciativas muito importantes para levantar e analisar dados, como o Monitor das Doações, criado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).

Por meio dele, sabemos que mais de R$ 7 bilhões foram doados para ações emergenciais de combate aos efeitos da COVID. Outras iniciativas relevantes com o uso de dados foram o mapeamento de iniciativas de enfrentamento da COVID-19, um dos eixos do projeto Emergência COVID-19, do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE); e a pesquisa Impacto da COVID-19 nas OSCs Brasileiras, organizada por Mobiliza e Reos Partners.

O GIFE organizou ainda a série Estudos Emergência COVID, publicações concebidas para fomentar pesquisas, análises avaliativas e reflexões sobre as ações da filantropia, do investimento social privado e da sociedade civil face à pandemia do coronavírus no Brasil.

Entre os estudos publicados, está justamente um sobre “Uso de dados no setor social: aprendizados na pandemia e caminhos para a interoperabilidade”.

De autoria de Bruno Barroso, cofundador do Nexo Investimento Social, da plataforma Prosas e membro do Grupo de Conhecimento do GIFE, o texto analisa características, desafios e legados da coleta, tratamento e disponibilização de dados para a sociedade no contexto da pandemia.

O estudo abordou iniciativas no âmbito do enfrentamento à COVID que, apesar de terem objetivos diferentes, foram pautados pela coleta e análise de dados.

Além do Monitor das Doações da ABCR, do mapeamento de iniciativas do GIFE e da pesquisa de impacto nas OSCs, foi analisado o relatório Os primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil em 60 fatos, reflexões e tendências em filantropia, investimento social e no campo de impacto social, da ponteAponte.

Iniciativas ainda são feitas “à mão” e integração é o maior desafio

O artigo demonstra algo que nós que atuamos no setor já imaginávamos: as iniciativas foram criadas de forma orgânica, diante da necessidade urgente de se levantar dados sobre a pandemia para oferecer uma melhor resposta.

O padrão foi de coletas manuais de dados contabilizados em planilhas, sem qualquer tipo de automação na etapa de pesquisa, coleta e sistematização das informações.

A falta de transparência dos doadores e investidores sociais e as limitações para entender o real destino, uso e impacto dos recursos também foram identificadas como desafios a serem enfrentados pelo campo.

Um grande desafio foi a ausência de bases de dados públicas, que poderiam contribuir com novos estudos e, assim, tornar a produção de conhecimento mais barata e fácil, considerando que o levantamento de dados primários é oneroso e retrata apenas um recorte de todas as ações desenvolvidas.

Além disso, o estudo conclui que, em muitos casos, as iniciativas buscavam dados iguais ou bastante semelhantes, replicando esforços para um mesmo objetivo.

Esse é um cenário que era comum no terceiro setor antes da pandemia, e reforça a necessidade urgente do setor de unir esforços, compartilhar suas informações e assim gerar uma sinergia que trará resultados muito mais efetivos no futuro. É a chamada interoperabilidade de bases de dados.

Para o autor, a interoperabilidade de dados “é uma maneira de fazer com que as diversas ilhas de dados troquem informações”. Para que ela funcione, segundo Bruno, é necessário observar três aspectos.

“Do ponto de vista organizacional, é importante que as organizações que vão trocar informações contem com políticas de cooperação e conheçam os processos de trabalho uma da outra. Já o ponto de vista semântico diz respeito à forma como serão abordados conceitos e terminologias, que devem ser padronizados e compartilhados entre todos os envolvidos. Por fim, na questão da interoperabilidade técnica, estão contidos aspectos relacionados aos dispositivos, interfaces de sistema, formatos dos dados, protocolos, plataformas e outras questões tecnológicas”.

Considerando o aumento constante do investimento social no Brasil e a robustez das principais organizações sociais, Bruno acha esse objetivo factível, e eu concordo.

Já somos referência em muitas áreas do terceiro setor, e temos feito um excelente trabalho na pandemia, ajudando a aplacar o sofrimento de milhões de famílias. Mas nesse campo dos dados ainda temos muito a evoluir. O artigo é um excelente primeiro o nesse sentido e recomendo fortemente a leitura!

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Sobre o autor:

Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.


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