Setembro Amarelo: onde estamos falhando?

Compartilhar

prevencao do suicidio
Foto: Adobe Stock | Licenciado

Por Rodrigo Fonseca Martins Leite

O contexto de crise social e econômica pós pandemia da COVID-19 sugere que temos, além de um aumento já quantificado de quadros de depressão e ansiedade em todo o mundo, uma tendência de aumento nos casos de suicídio em todo o mundo.

Nos anos anteriores a pandemia, o Brasil já observava um aumento continuado das mortes por suicídio, com aproximadamente 14 mil vidas perdidas anualmente, levando-se em conta que, por conta da subnotificação, estes números podem ter sido ainda maiores. Entre 2011 e 2020, os casos aumentaram em 35%.

Desta forma, seria imprescindível que o poder público e setores da sociedade civil encarassem o suicídio como uma prioridade já há um bom tempo. Entretanto, não é o caso.

Devido a complexidade multifatorial do suicídio existe uma dificuldade natural de construir e implementar políticas efetivas de prevenção do suicídio. Infelizmente, toda a mobilização gerada em torno do “setembro amarelo” não se traduz em redução das mortes por suicídio. Evidentemente é positivo o fato de estarmos falando mais abertamente sobre um tema tão estigmatizado e até reprovável em algumas culturas como a judaico-cristã.

Atualmente, os temas sobre saúde mental são onipresentes na vida social. Muitos de nós conseguem “confessar” idas ao psiquiatra ou ao psicoterapeuta com menos receio de serem rotuladas como “loucas”,”anormais” ou “fracas”. Depressão, transtorno do pânico e bipolaridade se tornaram temas corriqueiros na mídia, cultura e no convívio social. A grande questão é que desmistificamos o transtorno mental enquanto problema de saúde aceitável, mas o indivíduo que padece de um transtorno mental – ou pior, apresenta risco de suicídio – ainda sofre com estigma, exclusão e privação de direitos. Como exemplo, é só observar como as pessoas com dependência do crack – um transtorno mental descrito nos manuais diagnósticos da psiquiatria – são vistas pela sociedade Brasileira.

No entanto, ainda estamos muito distantes de uma real mudança cultural, principalmente em relação as pessoas que tentam suicídio e sobrevivem. Elas geralmente são maltratadas até nos próprios serviços de saúde. Uma série de expressões infelizes, consagradas pelo senso comum como “Quer chamar a atenção” ou “ Se quisesse morrer, usava um jeito mais efetivo” ainda estão presentes. Ao sobrevivente da tentativa de suicídio resta o preconceito, a desmoralização e o desrespeito. Ao adotarmos essas concepções como acertadas, nos escapa que tentar suicídio significa um ato de desespero profundo, que ainda, em pleno 2022, interpretamos como fraqueza moral ou de caráter.

Outro lugar-comum: O suicídio é prevenível desde que as pessoas tenham amplo o a consultas psiquiátricas e psicológicas. Isto é uma verdade até certo ponto – pessoas com transtornos de humor e dependência de substâncias têm um risco maior de suicídio e precisam inegavelmente de tratamento farmacológico e psicossocial para evitar consequências trágicas. Entretanto, se pensarmos no nível de desigualdade e iniquidade na saúde tanto pública e privada existente no Brasil, concluímos que a quase totalidade da população não teria condições financeiras de sustentar um tratamento num consultório particular de psiquiatria. Entre as pessoas que contam exclusivamente com o SUS – cronicamente abalado pelo subfinanciamento e gestão ineficiente – o o a tratamentos em saúde mental ainda é bastante aquém das necessidades da população.

No entanto, o suicídio não é apenas um fenômeno a saúde mental, sendo também um fenômeno determinado por circunstâncias sociais geradoras de estresse. Problemas financeiros, isolamento, solidão, exclusão, abandono, perdas de relacionamentos afetivos, etc.n A lista de situações que predispõem as pessoas ao suicídio é enorme e cada vez mais corriqueira num cenário de crise que vivemos. Nos EUA, até foi cunhada a expressão “death by despair” ou morte por desespero. Aí podemos situar o suicídio como um problema majoritariamente de populações pobres e excluídas, cujas mortes são invisibilizadas.

Além disso, morrer por suicídio tem sido um problema frequentemente masculino, claro que as mulheres também morrem por suicídio, mas numa taxa pelo menos 4 vezes inferior aos homens. Que bom seria se, no “Novembro Azul” não pensássemos somente no câncer de próstata mas também no suicídio e outras questões de saúde mental mais frequentes nos homens como dependência de álcool e drogas.

Desta forma, para construir prevenção do suicídio, precisamos de fato realizar um diagnóstico situacional de todo o país e que Estados e municípios se dediquem a compreender o que leva nosso povo à desesperança total. Antidepressivos nunca serão suficientes para sanar as dores da população brasileira. e social, empregabilidade, condições de subsistência e perspectivas de futuro são um ótimo caminho para prevenir o suicídio no Brasil. Em setembro e sempre.

*

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.


Compartilhar