Segurança na Copa

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O Brasil está preparado para garantir a segurança durante a Copa? Esta é uma das maiores preocupações de autoridades, organizadores e torcedores. A pouco dias da realização do evento que tem sido usado como razão para os inúmeros protestos pelo país, o Observatório do Terceiro Setor conversa com o autor do livro “Gerenciamento de Riscos Baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança”. Leia a seguir a entrevista:

Observatório do Terceiro Setor – O Brasil possui infraestrutura necessária para sediar a Copa do Mundo?

Gerardo Portela Jr. – Analisando a questão de forma pragmática, o Brasil não possui a infraestrutura ideal para sediar a Copa do Mundo, mas irá sediar esse grande evento com a estrutura que o país tiver. Com as perceptíveis limitações de infraestrutura, o Brasil realizará uma Copa compatível com essa condição. Lembramos que a última Copa foi realizada na África e problemas, como por exemplo, a dificuldade de o aos estádios, fizeram parte da rotina do público e dos participantes. O mundo deve estar preparado para um Copa em um país com limitações de infraestrutura. Mas a responsabilidade maior é das autoridades do Brasil, que se não conhecem deveriam conhecer muito bem os aspectos técnicos de suas deficiências de infraestrutura e por isso deveriam adotar uma postura de humildade balanceada com rigor técnico para manter disponível o mínimo de funcionalidades imprescindíveis para que o evento ocorra.

É muito difícil, até mesmo para os países da Europa e América do Norte, estabelecer as condições perfeitas de infraestrutura para realização de uma Copa do Mundo. A diferença é que nestes países já existe uma sólida política de atenção e antecipação das demandas de infraestrutura frente ao crescimento e desenvolvimento. A infraestrutura é construída ao longo de décadas, independentemente de eventos grandiosos como uma Copa do Mundo ou Jogos Olímpicos. O assunto é conduzido com autoridade e conhecimento técnicos. Numa sociedade onde a infraestrutura não seja um tema movido por “grandes eventos”, quando estes acontecem fica mais fácil acomodá-los. Infelizmente esse não é o caso do Brasil. Pelo contrário, os “grandes eventos” tem gerado uma expectativa de que finalmente a infraestrutura do país vai andar. A população espera que problemas como o transporte público venham a ser resolvidos. Possivelmente algumas obras de infraestrutura iniciadas para atender às necessidades da Copa do Mundo estarão concluídas. Outras estarão incompletas no início do evento e muitas outras ficarão apenas na retórica, provocando uma já conhecida sucessão de justificativas para justificar o injustificável.

Observatório – O país está preparado para lidar com possíveis manifestações durante a Copa? Quais as medidas cabíveis nessas situações?

Gerardo – Sob o ponto de vista técnico de engenharia de gerenciamento de riscos, as manifestações ou uma ação conjunta de torcida fanática podem ser quase equivalentes. Ambos podem perturbar o deslocamento de grandes massas humanas para grandes eventos e criar confrontos, correrias, pânico e vítimas. Com todas as limitações de uma polícia que ainda carece de uma melhor estrutura, durante a Copa das Confederações as manifestações ocorreram, criaram perturbações, mas não chegaram a inviabilizar jogos. A Copa das Confederações é também um evento de teste e sobre este aspecto foi um teste duro. Desconsiderando os aspectos políticos, de forma prática, as medidas cabíveis para tratar os manifestantes são as mesmas já conhecidas para tratar torcedores exaltados, o que também tem sido outro problema em nossos estádios. Um destaque especial está na prevenção através do estabelecimento de um ambiente ao redor dos estádios que intimide ações de torcidas ou manifestantes além dos limites, gerando violência. A ideia é criar um ambiente nas rotas de o aos estádios em que cada pessoa se sinta recebendo uma advertência do tipo “nem tente”. Se as forças responsáveis pela segurança ostentarem que “não vale a pena tentar”, isso será a melhor ação técnica para evitar confrontos.

Observatório – No Brasil, seria uma situação pouco provável, mas quais seriam as medidas em caso de suspeita de terrorismo nos estádios?

Gerardo – A princípio estádios de futebol não são projetados para resistir de forma direta a ataques terroristas, mas sim para evitá-los. Isso significa que estruturalmente não faz parte de um projeto regular de estádio de futebol superdimensionar a estrutura para resistir a uma explosão terrorista. Por outro lado, o projeto deve ser provido de sistemas de monitoração e controle que impeçam a ação de pessoas com essa intenção, bem como a entrada no estádio de artefatos e armas terroristas, tudo associado a uma ação de inteligência mais ampla. Usinas nucleares e aeroportos são exemplos de projetos que consideram de forma direta estes cenários de sabotagem e terrorismo denominados tecnicamente de “acidentes de origem externa” e por isso possuem elementos estruturais superdimensionados e até mesmo instalações subterrâneas para controle de emergência. No caso dos estádios, a proteção deve ser preventiva. Sobre o que fazer no caso de um torcedor perceber alguma ação suspeita em relação a terrorismo, o mais importante é que a atitude do torcedor não saia apenas da sua própria cabeça, mas seja influenciada por uma orientação prévia conduzida pelas autoridades. Deve ser incentivada a participação do público e explicada a forma de como transmitir essa informação de suspeita para os responsáveis, evitando o caos. Em termos de terrorismo, a participação da população é importantíssima porque uma das características dos atentados é a infiltração do terrorista aproveitando lacunas nos meios de vigilância. Nessas horas um cidadão bem instruído pode contribuir e muito.

Observatório – Caso ocorram “guerras” entre traficantes em cidades sede durante o mundial, como as autoridades devem reagir?

Gerardo – As cidades devem estar preparadas para responder a ações do tipo “guerra” entre traficantes independentemente da Copa do Mundo. Da mesma forma que a infraestrutura eficiente é fruto de décadas de trabalho técnico consistente, a segurança de uma metrópole também é decorrência de décadas de cuidado e atenção para com as questões sociais e de violência urbana. Portanto, em caso de “guerras” entre traficantes, as autoridades deveriam reagir dentro da melhor técnica policial para eliminação do conflito, não se deixando intimidar por uma possível intenção política de “esconder” o conflito. O Brasil tem problemas sociais e de segurança urbana. Este não é um problema apenas de nosso país. Infelizmente nossa situação, em termos de segurança pública, está abaixo da média e por isso as autoridades devem estar preparadas para ter que gerir um conflito entre traficantes em qualquer circunstância, com ou sem Copa do Mundo.

Observatório – O Brasil tem estrutura necessária para garantir a segurança de seleções mais suscetíveis a diversos riscos, como por exemplo, os Estados Unidos? Como lidar com essa “superproteção” aos americanos?

Gerardo – O efeito “superproteção” implica sim em muitas ações de inteligência e de ostentação de poderio de resposta a um eventual atentado. Porém, sabe-se que sempre há mais lacunas na segurança de autoridades do que o público pode perceber. E é bom que esse efeito de intimidação ocorra para desmotivar aqueles que possam estar interessados em tentar alguma ação de ataque. Como exemplo de que a segurança de ninguém é absoluta e inabalável, durante a cerimônia fúnebre de Nelson Mandela o presidente dos Estados Unidos Barack Obama esteve lado a lado durante o seu discurso com uma pessoa fingindo ser um tradutor para deficientes auditivos. Como este homem conseguiu ficar tanto tempo tão próximo da pessoa protegida pelo mais forte sistema de segurança do planeta? Esse fato demonstra como as lacunas estão sempre presentes e eles próprios, responsáveis pela segurança das autoridades e atletas norte-americanos, sabem disso. As autoridades brasileiras devem procurar oferecer aquilo que a delegação norte-americana sinalizar ser necessário e deixar claro quando isso não for possível. Jamais gerar a expectativa sobre um recurso de segurança que não seja verdadeiro.

Observatório – Quanto à violência aos turistas, o que as autoridades brasileiras podem fazer no quesito infraestrutura para evitar roubos e sequestros?

Gerardo – Como já dissemos, soluções para problemas de infraestrutura e segurança são construídas ao longo de décadas. Isso permite que um evento como a Copa do Mundo seja acomodado numa metrópole por um período limitado de tempo. Cabe lembrar que, ao contrário dos Jogos Olímpicos, a Copa do Mundo será disputada em várias cidades com milhares de quilômetros de distância. Portanto, para cada cidade serão apenas alguns jogos em alguns dias. Temos outros eventos, esportivos ou não, como é o caso do Carnaval, que também poderiam gerar expectativas preocupantes. Evidentemente a atenção do mundo em relação à Copa do Mundo é muito maior, mas com uma boa orientação ao turista e com uma polícia treinada e especialmente reforçada em cada cidade sede nestes dias especiais, o evento pode ser viabilizado.

Observatório – O jornal O Estado de S.Paulo publicou uma entrevista em que um seguidor da tática black bloc afirma que atuará em parceria com o PCC para “causar o caos durante a Copa”. Deve-se adotar uma estratégia diferente para lidar com este caso específico?

Gerardo – Em termos de Engenharia de gerenciamento de riscos, não faz muita diferença se a hostilidade de um determinado grupo provém de motivação política, social, criminosa, ou mesmo de torcedores violentos drogados por álcool ou outro tipo de droga. O importante é o reconhecimento de que se trata de um grupo hostil. Se grupos hostis podem criar problemas durante a Copa, os possíveis cenários decorrentes destes problemas devem ser estudados. Observamos que mesmo no caso de torcedores violentos, agressivos e alcoolizados, o assunto envolve as forças policiais e militares. Portanto, a entrada do PCC como possível aliado de grupos hostis só eleva o número de cenários e a probabilidade de ocorrência dos mesmos. Ou seja, devido à multiplicação de ameaças de hostilidades, além dos próprios cenários de ameaça, teremos que considerar a complexidade das operações de resposta como uma ameaça adicional, talvez a mais importante. Pois, se as forças policiais e militares estão preparadas para enfrentar cada cenário separadamente, talvez estas não consigam oferecer respostas a vários cenários simultâneos. Essa multiplicidade de grupos e interesses diversos direcionados para ações hostis pode ser o maior inimigo das forças policiais e militares que, embora preparadas, talvez não consigam prover resposta adequada se num mesmo momento houver torcedores argentinos violentos, black blocs, professores em greve, possíveis terroristas, alunos do movimento e livre, população assustada e simples torcedores, todos juntos num mesmo cenário. Muitas vezes as ameaças não se concretizam, porém, quando o evento é mundial, como a Copa, nenhuma possibilidade pode ser descartada pelos organizadores.

Observatório – Em relação às Olimpíadas, o senhor acredita que o Rio de Janeiro terá infraestrtura para o evento?

Gerardo – Para os Jogos Olímpicos o cenário é bastante diferente. Apesar de também ser um evento esportivo, as semelhanças terminam por aí. Haverá uma grande concentração de visitantes numa única cidade. Uma circulação de pessoas completamente atípica. Se a concentração em uma só cidade ajuda a agregar esforços de melhoria também sobrecarrega demais o Rio de Janeiro. Ainda temos pouco mais de dois anos para os jogos e muitas obras para construir. Certamente, como está acontecendo com a Copa do Mundo, não teremos a infraestrutura ideal no Rio de Janeiro em 2016, mas talvez uma disparidade menor entre a infraestrutura disponível e a ideal, só o tempo dirá. As dificuldades de um país carente de infraestrutura básica como o Brasil em realizar eventos de tanta magnitude pode gerar uma comparação pelo menos provocativa. Enfrentaremos nos próximos anos três grandes “guerras” – a guerra da Copa, a guerra das eleições e a guerra das Olimpíadas. Ampliando o tema e contextualizando-o com os elementos básicos de nossa cultura, poderemos dizer que depois destas três guerras teremos alguns “mortos e feridos” como atletas, técnicos, engenheiros e políticos. Alguns monumentos resistirão como vias e estádios. E com certeza teremos alguns heróis como policiais, pedreiros, operários e ageiros de ônibus que estão de fato se sacrificando nesta guerra. Para não dizer que não esqueci, talvez tenhamos também algumas alegrias como um hexacampeonato ou algumas medalhas olímpicas, mas sobre esse aspecto, garantidos mesmo estão apenas os salários milionários de alguns atletas, empresários e políticos, sempre justificados pela responsabilidade que estes têm por estas tão desejadas conquistas.

Para conhecer o livro “Gerenciamento de Riscos Baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança”, e
http://www.gerardoportela.com.br/2013/11/adquira-o-livro-partir-de-dezembro-de.html .