Relatório da ONU mostra desafios para financiar o desenvolvimento sustentável e salvar a Agenda 2030

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Imagem: Shutterstock

Por Edmond Sakai

No final de março, a Força Tarefa para o Financiamento do Desenvolvimento Sustentável, que reúne 60 agências ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou seu relatório de 2021.

O estudo, muito detalhado e aprofundado, merece ser lido por todos que atuam com impacto social e desenvolvimento sustentável.

Afinal, o grande nó para implementarmos as ações necessárias para construir um mundo melhor e mais justo, em que o desenvolvimento seja mais igualitário e ambientalmente sustentável, está em encontrar um modelo viável de financiamento para essas ações.

Recomendo a leitura integral, mas decidi resumir aqui alguns dos pontos que mais me chamaram a atenção.

Impacto da COVID pode levar a “década perdida”

O foco principal do relatório deste ano, o sexto produzido pela Força Tarefa – que reúne, além das agências, programas e escritórios da ONU, alguns dos principais stakeholders quando se trata de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – é o impacto da pandemia na COVID-19 no financiamento a longo prazo para o desenvolvimento sustentável.

O capítulo 1 é dedicado exclusivamente aos estudos e análises do impacto da pandemia no contexto macroeconômico global, incluindo uma discussão sobre as interligações entre riscos econômicos, sociais (como desigualdade e saúde) e ambientais, e as implicações para a formulação de políticas econômicas.

O principal risco do pós-pandemia é a criação de um mundo ainda mais dividido entre os ricos e os pobres. Estamos vendo isso com a vacinação acelerada nos países desenvolvidos, que certamente vai levar a uma recuperação econômica mais rápida e robusta, enquanto nos países pobres as vacinas demoram a chegar.

A pandemia gerou a maior recessão em 90 anos, desde a Grande Depressão causada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. 120 milhões de pessoas aram para a extrema pobreza e 114 milhões de empregos foram perdidos.

Houve uma histórica injeção de recursos dos governos via estímulos fiscais, da ordem de US$ 16 trilhões. Mas esse investimento foi bastante desigual, com 80% dos estímulos concentrados nos países desenvolvidos. Nos países mais pobres, a restrição fiscal dificulta a implementação das medidas necessárias para estimular a economia.

Medidas para “salvar” a Agenda 2030

O trabalho elenca ações imediatas que devem ser tomadas para evitar uma “década perdida” para o desenvolvimento, que pode inviabilizar a concretização da Agenda 2030 da ONU e dos ODSs (Objetivos de desenvolvimento sustentável). São elas:

  • Garantir os recursos da Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os auxílios que os governos de países desenvolvidos destinam para auxiliar o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos.
  • Reestabelecer a liquidez e as facilidades para a concessão de auxílios financeiros aos países subdesenvolvidos.
  • Oferecer a anistia de dívidas para os países em maior necessidade.

No segundo capítulo, o relatório discorre sobre o impacto do risco global sistêmico para a agenda de financiamento para o desenvolvimento. O olhar é para a identificação de opções de política econômica que sejam sustentáveis e resilientes a longo prazo.

O texto lembra que os riscos globais, como a COVID e outras pandemias, as mudanças climáticas e a crescente automatização do trabalho geram um “efeito cascata”, que traz novos desafios imprevisíveis para os modelos econômicos e de financiamento atuais.

Mas a resposta à crise atual mostrou como é possível direcionar capital para atender às necessidades mais prementes e criou uma janela de oportunidade valiosa para transformar essa transferência de recursos em algo sustentável a longo prazo.

O investimento em capital humano, proteção social, infraestrutura resiliente e tecnologia para reduzir riscos, criar bons empregos e estimular o desenvolvimento, traz retornos palpáveis para a economia. Todos vimos o quanto a COVID trouxe um impacto econômico devastador. Se pudermos evitar a próxima pandemia, a economia agradece.

Mais ricos precisam fazer sua parte

O relatório recomenda a criação de novas linhas de crédito a ultralongo prazo (até 50 anos) e taxas de juros fixadas, além da anistia de antigas dívidas dos países em desenvolvimento, para que eles possam investir em políticas sociais sem prejudicar sua situação fiscal.

Também estimula a criação de um novo modelo de negócios em que os mercados de capitais sejam reorientados para a sustentabilidade socioambiental, em que as externalidades sejam precificadas. Já estamos vendo isso acontecendo com a tendência do ESG, mas é preciso que isso se sustente e se expanda muito na próxima década.

A Força-Tarefa também recomenda ações que estamos vendo ser tomadas pelo governo de Joe Biden nos EUA, como a proposta de uma reforma tributária global que consiga taxar os ganhos principalmente das empresas de tecnologia da nova economia digital, como a criação de um imposto corporativo global.

Sabemos que, enquanto centenas de milhões de pessoas estão sofrendo com o desemprego, deterioração de sua situação financeira e até com o fantasma da fome, a renda dos bilionários se expandiu muito desde o início da pandemia.

Segundo dados da OXFAM, as mil pessoas mais ricas do mundo recuperaram todas as perdas que tiveram durante a pandemia em apenas nove meses, e os 10 maiores bilionários, incluindo Jeff Bezos, Elon Musk, Bill Gates e Warren Buffett, acumularam US$ 540 bilhões nesse período. Enquanto isso, os mais pobres levarão até 14 anos para recuperar a renda que tinham em fevereiro da 2020, segundo o relatório O Vírus da Desigualdade. Como Biden disse recentemente em seu discurso ao Congresso dos EUA, é apenas justo que os mais ricos paguem sua “fair share” para ajudar os mais necessitados a saírem dessa crise e, assim, criar oportunidade para um desenvolvimento menos desigual e mais sustentável.

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Sobre o autor:

Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da ONG humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.