Reforma Tributária e Sociedade Civil: o que está em jogo e por que precisamos estar atentas
LegislaçãoPor Kika Saez
No dia 19 de março de 2025, o Conselho Nacional de Fomento e Colaboração com as Organizações da Sociedade Civil (CONFOCO) recebeu, em sua reunião ordinária, a presença do Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, responsável por coordenar as mudanças no sistema de arrecadação de tributos sobre o consumo no país.
A apresentação trouxe os principais eixos da Reforma Tributária sobre o Consumo, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023 e atualmente em processo de regulamentação. A proposta prevê a substituição de diversos tributos (como PIS, Cofins, ICMS, ISS, IPI e IOF-Seguros) por dois novos impostos: um federal (CBS) e outro subnacional (IBS, voltado para estados e municípios). Também será criado um Imposto Seletivo, com a função de desincentivar o consumo de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
O que está garantido – e o que precisa ser garantido
Apesar de não serem protagonistas da reforma, as organizações da sociedade civil (OSCs) também serão afetadas pelas mudanças – e, por isso, precisamos participar ativamente da discussão sobre sua regulamentação.
Entre os pontos positivos apresentados na reunião:
– Isenção do ITCMD para doações: A reforma reforça que doações feitas a entidades sem fins lucrativos de relevância pública e social não pagarão ITCMD, imposto estadual sobre heranças e doações, conforme regulamentação em curso no PLP 108/2024.
– Não incidência de tributos sobre parcerias com o poder público: Os recursos transferidos via termos de fomento, termos de colaboração, convênios e instrumentos similares não serão tributados pelos novos impostos sobre consumo.
– Imunidades constitucionais mantidas e ampliadas: Foram mantidas as imunidades fiscais previstas para instituições religiosas, de assistência social e de educação sem fins lucrativos – com ampliação específica para entidades religiosas em suas atividades beneficentes.
Esses são avanços importantes, mas outros pontos ainda precisam ser analisados e debatidos, diante da complexidade do campo da sociedade civil.
Pontos de atenção: o que ainda não está resolvido
Um grupo de trabalho do CONFOCO apontou diversos temas que permanecem sem solução clara no novo arranjo tributário. Entre eles, destacam-se:
– A necessidade de segurança jurídica para atividades típicas das OSCs, como bazares, campanhas de arrecadação e outras ações de sustentabilidade;
– A fragilidade do tratamento aos fundos patrimoniais, que, apesar de reconhecidos em lei, foram impactados por vetos que ameaçam sua efetividade;
– A indefinição sobre os programas de cidadania fiscal, que poderiam permitir a destinação voluntária de parte da arrecadação a causas públicas, por meio das OSCs;
– E um ponto crítico: o fim das possibilidades de uso de leis de incentivo fiscal municipais e estaduais, o que pode provocar uma retração severa nos recursos disponíveis para iniciativas culturais, esportivas, sociais e ambientais financiadas via dedução tributária nesses âmbitos.
Seguiremos atentos e mobilizados
Diante desses desafios, o secretário Bernard Appy se comprometeu com a construção de um diálogo contínuo com o CONFOCO, especialmente por meio do Grupo de Trabalho de Atos Normativos, para discutir os detalhes da regulamentação e buscar alternativas para os pontos ainda em aberto.
Esse compromisso é relevante, mas precisa ser acompanhado de mobilização ampla do campo das OSCs, articulação política nos estados e municípios, e formulação de propostas concretas.
A Reforma Tributária pode ser uma oportunidade histórica de corrigir injustiças e simplificar o sistema. Mas, para isso, ela precisa reconhecer, proteger e fortalecer quem já atua todos os dias na linha de frente da promoção do interesse público.
As organizações da sociedade civil não podem ser tratadas como empresas, nem deixadas à margem do novo sistema tributário. É fundamental que seus papéis, especificidades e contribuições ao interesse público sejam plenamente reconhecidos e considerados.
O CONFOCO segue como um espaço legítimo de diálogo e construção coletiva, e será, nos próximos meses, um canal estratégico para garantir que a voz da sociedade civil esteja presente e influencie de forma qualificada a implementação do novo modelo tributário brasileiro.
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor
Sobre a autora: Kika Saez é diretora executiva do Instituto A, membro do comitê coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação, cofundadora da Plataforma Conjunta e coapresentadora do Programa Perspectiva do Observatório do Terceiro Setor.