Reflexões sobre o investimento em lideranças negras
O aumento da diversidade na composição das instituições possibilita um enorme ganho coletivo: para os empregadores e para os talentos pretos e pardos

Por: Viviane Soranso dos Santos
A baixa presença da população negra em posições de liderança e influência revela um abismo social e econômico em relação à população branca. Para se ter uma ideia, um levantamento recente da Gupy, empresa de tecnologia para RH, mostra que, entre agosto e setembro de 2021, a contratação de pessoas negras para cargos de liderança não ultraou a porcentagem de 4,45%, chegando, em alguns cargos, a apenas 2,44%, embora as contratações gerais de pessoas negras tenham aumentado no período em relação ao ano anterior.
Antes disso, pesquisa do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, lançada em 2016, já apontava que somente 4,7% dos cargos executivos eram ocupados por profissionais negros, contra 94,2% de brancos. Isso significa que as decisões mais estratégicas e importantes não estavam — e ainda não estão — nas mãos da população preta e parda. Essa realidade precisa ser transformada.
A adoção de uma política de diversidade e inclusão nas instituições públicas e privadas constitui não só uma posição ética, de compromisso por responsabilidade social, de contribuição para uma necessária reparação histórica, mas também permite um ambiente de trabalho sinérgico e diverso, por meio da adição de diferentes olhares, vivências e visões de mundo, com reflexos positivos no desempenho das equipes, com um melhor desempenho nos resultados alcançados, com mais motivação entre os colaboradores e menor rotatividade. Por isso, apresento aqui pontos de reflexão para as instituições investirem em lideranças negras no Brasil, aumentando assim sua diversidade interna.
O investimento em diversidade racial proporciona uma maior riqueza nos processos seletivos, pois pode trazer novos talentos negros e potencializar os que já existem na instituição e que antes não haviam tido a oportunidade de se mostrar e se desenvolver. Hoje, segundo dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o país soma 56% de homens e das mulheres negras, mas, embora sendo a maioria da população, ainda sofrem preconceitos na hora da contratação, segundo estudo Oldiversity, realizado pelo Grupo Croma, em 2020, e de acordo com os relatos de vários jovens brasileiros selecionados na primeira edição do edital Traços da Fundação Tide Setubal em 2020, de apoio a lideranças negras.
Diante disso, a área de recursos humanos das organizações pode desempenhar o relevante papel de ir na contramão dessa realidade de exclusão e implementar uma política interna clara para a contratação e a inclusão de talentos negros, com uma formação contínua de toda a equipe para o tema.
Uma outra reflexão reside no fato de que o investimento em lideranças negras diminui a rotatividade nas empresas, pois, se a política for bem implementada, indo da pauta para a prática, ela desencadeia um senso de pertencimento e de identificação, aumentando o desejo dos colaboradores em seguirem atuando ali. Ao mesmo tempo, a organização é beneficiada por criar relações mais harmônicas e igualitárias no ambiente de trabalho, fortalecendo sua cultura e imagem pela exemplaridade e despertando também o interesse de outros candidatos de fazerem parte dela.
Além disso, graças à promoção da diversidade e da equidade racial na instituição, os colaboradores tendem a se tornar mais motivados e a elevar a sua performance. Conforme a pesquisa já citada da consultoria McKinsey & Company, 17% dos funcionários que trabalham em um ambiente diverso são mais engajados e dispostos a ir além de suas responsabilidades formais do que nas empresas em que esse ambiente não é incentivado.
Há ainda outra constatação interessante: a diversidade tende a melhorar o faturamento das empresas. Isso porque, quanto maior a diversidade nas equipes, mais chances as organizações têm de atingir melhor o seu consumidor. Essa constatação está na pesquisa da consultoria McKinsey & Company, lançada em 2018, que revela que as empresas com equipes executivas de maior diversidade têm probabilidade 33% maior de superar as outras empresas na lucratividade.
Outros estudos mundiais também atestam o ganho das empresas com a diversidade, que gera riqueza de olhares e, desse modo, aperfeiçoa o trabalho. Sabe-se, é claro, que não basta apenas abrir as portas da empresa para a diversidade, é necessário também proporcionar aos colaboradores os recursos adequados para que se entrosem, se desenvolvam e ampliem seus potenciais, chegando a ocupar os postos de tomada de decisão.
Por tudo isso, no atual contexto do país, não basta uma instituição não ser racista, é preciso que seja antirracista e que concretize ações efetivas da porta para dentro. Faz-se necessário formar uma cultura organizacional equitativa e diversa com execução de ações como a implementação de um comitê para provocar o RH para que esse tema esteja nos processos seletivos e como o desenvolvimento profissional e acadêmico perene dos colaboradores. Desse modo, será possível transformar um cenário monocromático branco em uma representação da real diversidade racial da sociedade brasileira, com ganhos para todos.
*
Sobre a autora:
Viviane Soranso dos Santos é psicóloga e ativista social com foco na inclusão de raça e gênero. Mestranda no Programa Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, atua na Fundação Tide Setubal como coordenadora do Programa Raça e Gênero e na implementação do Comitê de Diversidade e Inclusão da instituição. Trabalhou na temática das juventudes em São Miguel Paulista. É coautora do livro Mundo Jovem.