Quem tem medo de conceitos?

Legislação
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Imagem: Adobe Stock

Por Mariana K. Kruchin

Inauguro esta coluna no Observatório em Movimento, projeto do portal Observatório do Terceiro Setor, levantando dúvidas que parecem resolvidas, mas não necessariamente o são. O que é terceiro setor? Quem faz parte do terceiro setor?

Apesar de as respostas estarem na ponta da língua de muitos, especialistas ainda divergem sobre essas questões. Recentemente, acalorada discussão em um grupo de WhatsApp de advogados, gestores, contadores, entre outros profissionais atuantes no campo, mostrou que o conceito de terceiro setor não está totalmente pacificado.

As divergências fazem sentido: “a própria ideia de terceiro setor surgiu com o objetivo de romper com divisões e simplificações da realidade social”[1], ou seja, Estado x Mercado. Trata-se de um conjunto multifacetado de organizações e atividades que têm características dos outros setores e próprias.

E quais seriam as principais divergências em torno do tema? Inicialmente, se é um conceito econômico ou jurídico, ou ainda sociológico ou filosófico. Podemos pensar que o terceiro setor é sim um segmento econômico, especialmente o contrapondo aos demais setores, primeiro (Estado) e segundo (mercado). Mas a definição de quem o compõe requer que sejam acionadas categorias do mundo do Direito, tais como personalidade jurídica, finalidade institucional- lucrativa ou sem fins lucrativos, etc.

A discussão no campo jurídico segue caminhos bastante técnicos: uns acreditam que as figuras jurídicas estabelecidas no Código Civil brasileiro, excluindo-se o que é Estado e o Mercado (as sociedades), compõem o terceiro setor. Aí entram, além das associações e fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos – todas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos.

Entretanto, englobar todas as associações, assim como as organizações religiosas e os partidos contraria o que grande parte da doutrina considera como sendo organizações do terceiro setor. Isso porque associações de direito privado que servem exclusivamente aos interesses de seus associados – como os clubes e as associações de classe, não se enquadrariam no conceito. A diferença está em serem organizações de interesse mútuo ou de interesse público – conceito também discutido e rediscutido largamente.

Além do Código Civil, há outros institutos jurídicos e leis em debate. A própria lei de parcerias sociais[2], que estabelece, conforme diz o seu preâmbulo, “o regime jurídico das parcerias entre a istração pública e as organizações da sociedade civil (OSC)”, expressamente diz que são consideradas OSC cooperativas sociais (que aufere lucros) e algumas organizações religiosas. De todo modo, é necessário dizer que essa lei não inaugura nova categoria de pessoa jurídica ao conceituar, para fins de sua aplicação, o que seriam as OSC.

Há ainda discussões em torno do que define uma entidade beneficente, o que é uma organização filantrópica, o que é um sindicato – se é de interesse público ou não, entre outras tantas. Esses debates não acontecem somente por amor à causa, há implicações importantes no mundo jurídico, sejam de ordem tributária, da forma de atuação da organização, do o à recursos públicos e formas de prestação de contas, entre muitas outras.

Não obstante todas essas divergências – saudáveis, diga-se de agem, alguns pontos parecem comuns à grande parte dos especialistas envolvidos com o chamado terceiro setor. Cito algumas conceituações que têm grande alcance no Brasil:

o nome Terceiro Setor indica os entes situados entre os setores estatal e empresarial. Os entes que o integram são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da istração Pública, mas que não almejam, entretanto, entre os seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público”[3];

conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e istração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando seu aperfeiçoamento” [4];

“universo das pessoas jurídicas sem fins lucrativos de direito privado, voluntárias e autônomas e que desenvolvem atividades de interesse público”[5].

A questão de o que é o terceiro setor não se encerrará aqui. Talvez mais importante do que conceituar o que é ou o que não é, seja a reflexão sobre quais valores e mecanismos institucionais, legais e sociais precisam ser desenvolvidos para potencializar e aperfeiçoar as organizações e os projetos do setor. E sobre esses temas que pretendo tratar no Observatório em Movimento, em sua nova edição.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre a autora: Mariana K. Kruchin assessora organizações no campo do Direito do Terceiro Setor como sócia da consultoria jurídica Kruchin e Vilella advogadas; é consultora sênior em monitoramento e avaliação de projetos e membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-SP.


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