Professora cria projeto que promove inclusão e diversidade na escola
Em uma escola de Manaus, a professora Lúcia Cristina Santos uniu pais, comunidade e docentes para criar um ambiente escolar inclusivo para estudantes refugiados e em situação de vulnerabilidade social

Por: Mariana Lima
Em 2020, a professora Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos recebeu o Prêmio Educador Nota 10, uma espécie de “Oscar da Educação”. Funcionária pública desde a década de 1980, o reconhecimento veio a partir de uma ousadia de Lúcia: pensar um ambiente educacional voltado para incluir e respeitar a diversidade dos alunos.
“Os educadores do Brasil precisam dessa valorização porque nós estamos fazendo uma diferença muito grande com muito pouco”, afirma Lúcia.
O prêmio é resultado de uma trajetória longa na educação. A atual diretora da Escola Municipal Professor Valdir Garcia, localizada em Manaus (AM), vem atuando em prol do o à educação desde pequena.
Uma pequena professora
Na época em que ocupava a cadeira de estudante, Lúcia precisou driblar diversas dificuldades para conseguir se dedicar aos estudos. Nascida e criada em uma família de baixa renda no Rio Grande do Norte, a jovem recortava papéis de embrulho para utilizar como caderno durante as aulas.
Apesar de ser desencorajada pela família a seguir com os estudos e de não ter os materiais adequados, Lúcia se empenhava nas aulas. Além disso, Lúcia compartilhava o que aprendia com outras crianças e adultos da vizinhança, ajudando tanto com as lições como os ensinando a ler.
Mas o desejo em trilhar o caminho da magistratura se consolidou quando Lúcia encontrou uma professora que realmente a olhou. Estava ali o papel que ela também queria exercer na vida de outras pessoas.
“Foi no Dia do Estudante. Eu tinha sido reeleita a melhor aluna da sala e como forma de me parabenizar essa professora me deu um caderno. Era meu sonho ter um caderno e ela sabia disso”, relembra.
Lúcia cresceu e alcançou o magistério. Quando chegou à primeira escola que a contratou, sabia que iria fazer diferente. “Sempre quis que os alunos aprendessem e não que apenas decorassem”, pontua.
A proposta era exercer uma pedagogia do cuidado, buscando atender as necessidades não só educacionais, mas emocionais e sociais dos alunos ao construir uma relação também com os pais.
A diretoria precisa ar pela docência
Tornar a sala de aula acolhedora se tornou a missão de Lúcia. Assim, em 1994, ela aceitou um novo desafio: assumir a direção de uma escola em Manaus (AM).
Como diretora, sua proposta era transformar a visão sobre a figura do diretor para que no lugar de uma hierarquia houvesse um trabalho colaborativo no espaço escolar.
“Todo diretor tinha que ar pela sala de aula, ter essa experiência pra valorizar os seus pares. O diretor escolar precisa ser um colaborador, um facilitador do processo. Eu sei as dificuldades em dar aula, do isolamento pedagógico e quando assumi a direção tive exatamente esse cuidado ao democratizar as relações”, conta.
Ao deixar a escola privada que possibilitou sua primeira experiência na direção, Lúcia seguiu para a Escola Municipal Professor Valdir Garcia, onde conseguiu desenvolver um trabalho maior levando esses princípios como base.
Um projeto de escola
Com o e da Secretaria de Educação, a Valdir Garcia conseguiu reformular sua proposta pedagógica a partir de 2016. Para construir a nova metodologia da escola, que recebe estudantes em situação de vulnerabilidade, com algum tipo de deficiência e refugiados, formou-se um Grupo de Trabalho com a comunidade, a Secretaria e o corpo docente da instituição de ensino.
Assim, a Valdir Garcia se tornou uma escola de tempo integral e sem um sistema de reprovação do aluno, focando em seu desenvolvimento educacional e social. A base escolar ou a ser o respeito e a valorização das diferenças que formam a comunidade em que está inserida.

“Construímos uma escola inclusiva, equitativa e com ensino de qualidade ao trabalhar com metodologias ativas. O nosso aluno não estuda para ar numa prova, mas para a vida. É a escola conectada com os interesses dos estudantes, que aprendem com as diferenças”, argumenta.
Aos poucos, Lúcia conseguiu trabalhar de forma colaborativa com os professores e a comunidade para inserir essa nova proposta metodologia em um projeto educacional, o ‘Acolher Para Todos‘.
Desta forma, a escola trocou as cadeiras individuais por mesas redondas e abriu mão das fileiras para ter uma estrutura mais cíclica. Com uma metodologia focada na aprendizagem, a escola mapeia seus resultados por meio de avaliações internas e externas que direcionam o processo de ensino.
Além disso, a escola ou a focar no ensino do espanhol, tanto para os estudantes como educadores, uma vez que recebe alunos de países vizinhos, de forma a garantir a inclusão. Todas as decisões são tomadas em assembleia com os docentes, os pais e a comunidade, pois todos são responsáveis pela educação dos alunos.
“Precisamos focar nesse desenvolvimento interpessoal para que a escola deixe de ser um espaço solitário e hierarquizado. Aqui, nós buscamos romper com essa metodologia tradicional que alimenta tantas desigualdades”, conta Lúcia.
Para garantir que nenhum estudante fique para trás, o projeto trabalha com um sistema de tutores – que podem ser tanto educadores como membros da comunidade – que acompanha o aluno até o 5º ano do Ensino Fundamental.
“Os estudantes já enfrentam tantas vulnerabilidades. Eles precisam chegar na escola e encontrar um local de afeto. É como disse Paulo Freire: ‘escola tem que ser feita de gente, não de tijolos’”, argumenta.
O papel da colaboração na pandemia
Em 2020, o projeto levou Lúcia a ser reconhecida como um dos educares Nota 10. Apesar da felicidade de receber o prêmio, ela não esquece os obstáculos que cercam os educadores brasileiros.
“Nós, educadores, recebemos muito pouco e mal para estar em salas de aula superlotadas e com uma demanda muito grande. O professor sofre com esse desgaste. A falta de apoio e incentivo torna as coisas ainda mais difíceis”, afirma.
Com a pandemia, essa precariedade se ampliou em diversos estados e na escola Valdir Garcia não foi diferente. Tanto professores como alunos não tinham o constante à internet ou aos equipamentos adequados.
Para conseguir alcançar os alunos durante o isolamento, a escola teve que se reinventar. Por meio de uma campanha de arrecadação, a instituição conseguiu mobilizar a verba necessária para comprar equipamentos, como celulares, e garantir o o à internet entre os alunos.
Além disso, como muitos estudantes faziam todas as refeições na escola, a verba da arrecadação também foi usada para a compra de cestas básicas. Ainda em 2020, a instituição reabriu para acolher os alunos enquanto os pais trabalhavam, muitos em empregos informais. Neste ano, a instituição retornou 100% ao presencial.
“Conseguimos retornar sem nenhuma criança evadir devido a esse trabalho colaborativo. Agora, no processo de aprendizagem, estávamos vendo algumas lacunas, mas a gente vem a cada dia lutando para ir diminuindo e recuperar esse tempo perdido”, conclui.
08/05/2022 @ 20:31
Desenvolver um Projeto que envolvam os alunos é muito importante e primordial para que todos participem com empenho