Políticas de Estado pavimentam caminho para a equidade de gênero

Direitos Humanos
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Imagem: Adobe Stock.

Por Rebecca Tavares

Em dezembro de 2023 o Brasil assumiu a presidência do G20, que reúne as maiores economias do mundo, com o propósito de selar acordos de cooperação econômica e de promover iniciativas voltadas a questões como meio ambiente, trabalho, saúde e mudanças climáticas. Sob o slogan “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”, o governo brasileiro definiu como ponto central de seu mandato o combate à fome, à pobreza e à desigualdade. No entanto, para que esses objetivos sejam alcançados, as resoluções da cúpula do G20 sobre os temas em pauta devem, necessariamente, considerar e compreender o contexto das pessoas mais afetadas por esses problemas e que representam mais da metade da população do planeta, incluindo-as no debate.

Podemos falar, por exemplo, sobre o último Relatório Global de Desigualdade de Gênero, lançado em junho de 2023 pelo Fórum Econômico Mundial, que aponta que a disparidade entre homens e mulheres está estagnada, diminuindo 0,03% em comparação com a edição do ano anterior. A se manter esse ritmo, o mundo alcançará a equidade de gênero somente em 2154, ou seja, daqui a 130 anos. O relatório também revela que, no ranking de 146 países com maior paridade entre gêneros, o Brasil pulou da 94ª posição para a 57ª.

Mesmo com o avanço, em um país onde as mulheres representam 51% da população, ainda há um longo caminho a ser percorrido, como mostra o mais recente estudo Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil, do IBGE. De acordo com o levantamento, a participação das mulheres no mercado de trabalho em 2022 correspondia a 53,3%, versus 73,2% de participação dos homens. No mesmo período, a remuneração das mulheres correspondia a 78,9% do valor recebido pelos homens.

Para além dos números, a desigualdade de gênero se reflete nas disparidades socioeconômicas e faz das mulheres e seus dependentes as principais vítimas da pobreza, da fome e também da violência. O relatório Elas Vivem, produzido pela Rede de Observatórios da Segurança, revela que, em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência a cada dia, e 586 feminicídios foram registrados no período – isso tudo somente nos estados participantes do levantamento: Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

O Brasil, como líder do G20, tem a oportunidade de conduzir as discussões que podem levar ao início de uma verdadeira transformação deste cenário em nível global, possibilitando às mulheres e às meninas serem protagonistas de suas próprias histórias. Por isso, o W20 Brasil desempenha um papel mobilizador de extrema importância para a proposição de políticas de estado voltadas aos direitos das mulheres.

Criado em 2014, o Women 20 (W20) é um dos grupos de engajamento independentes do G20, focado na igualdade de gênero e no empoderamento econômico das mulheres. As delegações do W20 reúnem mulheres especialistas de diversas áreas e atuam por meio de grupos temáticos de trabalho, além de participarem de debates com setores de estado e da sociedade civil. Ao fim de cada jornada, o W20 organiza um documento, chamado Communique, que traz um conjunto de recomendações a serem incluídas na declaração final do G20, cuja cúpula sediada no Brasil acontecerá em novembro, no Rio de Janeiro.

O setor social pode contribuir significativamente para os trabalhos do W20. Temos uma série de exemplos de iniciativas bem-sucedidas de organizações da sociedade civil (OSCs) voltadas às principais temáticas do G20 Brasil, realizadas por e para mulheres, e que podem servir de modelo para a elaboração de algumas das propostas que integrarão o Communique.

Mulheres, principalmente negras e indígenas, são as mais afetadas pela pobreza extrema. Porém, são elas que também se articulam, por meio de OSCs, cooperativas e grupos de apoio, para a promoção do direito à educação, saúde – inclusive sexual e reprodutiva -, trabalho e outras demandas urgentes, com iniciativas e soluções inovadoras centradas na emancipação feminina e no combate à violência de gênero.

As mudanças climáticas também impactam de maneira mais acentuada as mulheres que vivem em áreas rurais, como documenta o relatório Clima Injusto, produzido pela FAO. Em países de média e baixa renda, os lares chefiados por mulheres perdem, em média, 8% a mais de sua renda quando enfrentam estresse térmico e 3% a mais em virtude de inundações, em comparação com os lares chefiados por homens.

Como uma das prioridades da agenda do G20 Brasil, a questão climática e ambiental também pode encontrar voz na iniciativa de mulheres para mitigar os efeitos do aquecimento global a partir da criação de modelos alternativos de produção sustentável, políticas para transição energética e práticas de economia regenerativa e circular.

Para que mais vozes femininas sejam amplificadas, em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 – “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” -, é fundamental uma reestruturação dos organismos internacionais, e o W20 é uma plataforma promissora para iniciar esse processo, exercendo seu papel de influência junto aos estados membros do G20 para que a plena participação de mulheres nas esferas decisórias estabeleça um sistema de governança global mais justo e eficaz.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre a autora: Rebecca Tavares, presidenta e CEO da BrazilFoundation, integrante do conselho consultivo do W20 Brazil