Pesquisa Doação Brasil 2020 traz insights valiosos sobre os doadores

Compartilhar
Imagem: Shutterstock

Por Edmond Sakai

O ano de 2020 foi realmente bastante atípico quanto a, por um lado, a importância das atividades das organizações sociais, e por outro, a dificuldade que as mesmas organizações tiveram para manter sua arrecadação de recursos e continuidade das suas atividades. A pandemia da COVID-19, como já falei em artigo anterior, trouxe um impacto duplo para as OSCs.

Agora, uma nova pesquisa traz um retrato da filantropia no Brasil em 2020, com os efeitos da pandemia, desta vez pelo prisma das doações.

A Pesquisa Doação Brasil 2020, coordenada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, e realizada pela Ipsos, contou também com a participação de profissionais e ativistas da Cultura de Doação no Brasil. Mais abrangente estudo sobre os hábitos de doação dos indivíduos no Brasil, foi feito pela primeira vez em 2015 e a expectativa é que seja repetido a cada cinco anos, para acompanhar a evolução da cultura de doação no País.

A pesquisa, que combina metodologias quantitativas e qualitativas para fazer uma verdadeira radiografia da Cultura de Doação no Brasil, traz muitos resultados interessantes e valiosos para todos que atuam na área da filantropia, terceiro setor e impacto social. Vale a pena analisar com calma o relatório completo, mas citarei aqui o que mais me chamou a atenção.

Crise teve forte impacto nas doações

A crise socioeconômica acentuada pela pandemia se traduziu em queda das doações de todos os tipos: dinheiro, bens e trabalho voluntário. Enquanto, em 2015, 77% da população havia feito algum tipo de doação, em 2020, o percentual ficou em 66%. Quando se trata de doação em dinheiro, a proporção caiu de 52% para 41%. O percentual de doadores para organizações e iniciativas socioambientais encolheu de 46% da população, em 2015, para 37% em 2020.

A redução se deu majoritariamente entre as classes menos favorecidas, que se viram transformadas de doadores em 2015, para dependentes de doações, em 2020. A doação de dinheiro caiu de 32% para 25% entre 2015 e 2020, na faixa com renda familiar até 2 salários mínimos. Apesar disso, metade das pessoas de classes C2/D/E, mesmo diante de vulnerabilidade e incerteza, doaram bens e materiais.

Já as classes mais favorecidas aumentaram significativamente seu volume de doações, de 51% para 58%, nas classes com renda familiar entre 6 e 8 salários mínimos, e de 55% para 59% entre as classes com renda familiar acima de 8 salários mínimos. Isto mostra, que apesar das dificuldades, e talvez justamente por elas, os brasileiros aumentaram seu senso de solidariedade e empatia.

População confia no trabalho das OSCs

Outros dados da pesquisa confirmam essa percepção, que reflete a valorização e confiança no trabalho realizado pelas OSCs.

A relevância dessas organizações é reconhecida por 74% da população, que as vê como necessárias para ajudar a solucionar os problemas sociais e ambientais, e 60% dos brasileiros concordam que as OSCs realizam um trabalho competente, números superiores aos encontrados na edição anterior.

De 2015 para 2020, também caiu a proporção de pessoas que acham que o governo é o principal responsável por enfrentar os problemas sociais, enquanto a percepção da responsabilidade de empresas, OSCs e a população em geral cresceu.

Motivações para doar e percepções sobre o gesto

Quanto à motivação para doar, os brasileiros acreditam que doar faz bem a quem doa (91%) e têm certeza que doar faz alguma diferença (83%).

Se manteve estável o aspecto mais importante associado à prática de doar: que ela deve ser feita sem esperar nada em troca, por autêntica generosidade, desinteressadamente. 91% achavam isso em 2015 e 94% em 2020, ou seja, quase unanimidade.

Ainda é forte a percepção de que quem doa não deve falar que faz doações, mas ela caiu de 84% em 2015 para 69% em 2020. Esse dado é importante pois falar sobre a doação estimula sua prática, traz inspiração, esclarece temores e desperta o interesse de outras pessoas.

Os autores da pesquisa analisam que essa cultura está lentamente mudando, de uma percepção na chave “cristã” de que “a mão direita não deve saber o que a mão esquerda faz” para um registro calcado na cidadania, em que divulgar o ato de doar promove o bem coletivo ao incentivar os outros a repetir o gesto. Por meio de campanhas que explorem essa chave, é possível acelerar essa mudança.

Cada vez mais os brasileiros têm clareza sobre o benefício da doação e toma a decisão de doar com base em fatores objetivos, ligados a causas que valorizam e entidades em que confiam. Segundo a pesquisa, “é uma decisão ponderada, planejada e demonstra uma visão de mundo que valoriza cidadania, reciprocidade e empatia, além do próprio desenvolvimento pessoal”.

Há muitos outros insights interessantes na pesquisa, mas para não me alongar por aqui, reitero que vale a pena ler o relatório completo. Principalmente a dimensão qualitativa da pesquisa traz muitos insumos para basear campanhas de doação. Quanto mais informação, melhor!

*

Edmond Sakai é diretor de RI, Marketing & Comunicação da organização humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.