Perseguido na ditadura, ele colocou a luta antirracista na Constituição
Carlos Alberto Caó incluiu na Constituição de 1988 o racismo como crime inafiançável e imprescritível e aprovou a lei que criminaliza essa ação

Por: Mariana Lima
O advogado e jornalista Carlos Alberto Caó fez história como político brasileiro. Ele foi um dos poucos parlamentares negros a participarem da Constituição Federal de 1988, sendo o responsável por incluir o racismo como crime inafiançável e imprescritível no artigo 5º do documento.
Em seu discurso, no dia da aprovação da emenda, Caó convocou os parlamentares para construírem uma democracia em que a população negra estivesse representada após três séculos de escravidão.
Como deputado federal pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), ele conseguiu que a lei nº 7.716, de sua autoria, fosse aprovada. Assinada no dia 5 de janeiro de 1989 pelo então presidente José Sarney, a Lei Caó, como ou a ser reconhecida, estipulava a pena de reclusão de até 5 anos por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedimento nacional.
As conquistas alcançadas a partir da Constituição revelam uma trajetória de militância e engajamento político que Caó apresentava desde a adolescência. Caó nasceu em Salvador (BA) em 1941, e aos 15 anos já exercia o cargo de secretário da associação de moradores do bairro Federação.
Em 1960, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em pouco tempo, acabou se envolvendo com os movimentos estudantis, entre eles a UNE (União Nacional dos Estudantes), tendo chegando a ocupar o cargo de presidente da União Estadual dos Estudantes da Bahia, em 1963. Ficou no cargo, e na instituição, até o golpe militar em 31 de março de 1964.
Como integrava o Partido Comunista, tendo ‘Betinho’ como nome de guerra, tornou-se alvo do regime militar (1964-1985). Perseguido pela ditadura, o baiano acabou buscando refúgio no Rio de Janeiro.
Foi em terras cariocas que Caó iniciou sua carreira como jornalista em política e economia, atuando em grandes veículos de comunicação, como na extinta TV Tupi e no Jornal do Brasil. Foi um dos fundadores e o primeiro secretário-geral do Clube dos Repórteres Políticos, entidade criada para enfrentar a censura imposta pelo regime militar.
Chegou a ocupar o cargo de presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio, espaço em que aproveitava para levantar e debater sobre a discriminação no mercado de trabalho.
Em consequência das suas atividades no movimento estudantil, respondeu a inquéritos policiais militares. Em 1970, foi julgado na 6ª Região Militar, em Salvador, sendo condenado a dois anos de prisão. Foram seis meses e 15 dias preso até ter a pena comutada pelo Superior Tribunal Militar (STM) devido à prescrição dos seus crimes.
Retornou ao Rio de Janeiro, mas teve que deixar a política no jornalismo para atuar somente na área econômica. Neste espaço, reuniu um grupo de jornalistas para criar a Associação dos Jornalistas de Economia e Finanças (AJEF) para escapar do controle rígido dos censores da ditadura. Presidiou a associação entre 1975 e 1976.
Contudo, sua carreira política só iria começar oficialmente em 1981, aos 40 anos, quando se filiou ao PDT. Em 1982, venceu como suplente pelo PDT na Câmara dos Deputados, mas já no ano seguinte se licenciou para ocupar o cargo de secretário do Trabalho e Habitação do Rio de Janeiro, durante a gestão de Lionel Brizola.
No comando da pasta, foi responsável pela criação do programa ‘Cada Família, um lote’, uma política habitacional alternativa à do Banco Nacional de Habitação (BNH) voltada às classes menos favorecidas, além de promover a instalação de um plano inclinado nas favelas do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo (RJ).
Em 1986, venceu como suplente do deputado federal Giulio Caruso, o qual substituiu no ano seguinte em virtude da morte do titular. Assim foi instituído pelo parlamento e integrado à Constituinte da Assembleia Nacional.
Além da criminalização do racismo, Caó conseguiu incorporar na constituição aproximadamente 60 emendas. Entre os seus projetos de leis homologados estão a democratização dos meios de comunicação, a definição da ruptura da legalidade democrática como crime imprescritível e o amplo exercício de greve.
Com o fim do seu mandato em 1990, Caó voltou a atuar com Brizola. O baiano continuou filiado ao PDT até o final de sua vida. Carlos Alberto Caó morreu no dia 4 de fevereiro de 2018, aos 76 anos, deixando um legado de luta contra a discriminação racial.
Referências:
CABRERA, Rômulo. Carlos Alberto Caó, o homem por trás da lei que virou crime de racismo no Brasil. Publicado no ECOA UOL.
LIMA, Eneida. Verbete: Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos. Publicado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (DOC-FGV).
SCHWARCZ, Lilia. Carlos Alberto Caó ainda vai entrar nos nossos livros didáticos e escolares. Publicado no NEXO Jornal em 2018.
VIEIRA, Isabela. Morto aos 76 anos, ex-deputado Caó marcou na Constituição sua luta antirracista. Publicado na Agência Brasil em 2018.
02/07/2021 @ 16:02
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