Por que é importante falar sobre transparência para o Terceiro Setor?

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Foto: Adobe Stock | Licenciado

 

Por Tatiana Bastos

Desde o texto originário da Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, o direito de o à informação pública de interesse particular ou coletivo está garantido no inciso XXXIII do seu art. 5º. Emendas constitucionais posteriores inseriam outras garantias de transparência, como as previstas no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 CF/88. 

Entretanto, a mudança do paradigma de sigilo ao dado público em face da obrigação de transparência é uma batalha que se trava nas trincheiras da rotina istrativa. 

Segundo estudo do IPEA, atualmente, existem 781.921 Organizações da Sociedade Civil (OSC) em atividade no Brasil, sendo que 1.114 possuem título de Organização Social (OS) e 7.046 possuem título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). 

Outro estudo do IPEA apresenta que, das entidades do Terceiro Setor, apenas 17% (dezessete por cento) possuem ao menos um funcionário contratado, sendo que 7% (sete por cento) delas possuem até dois funcionários formais. Isso demonstra uma grande informalidade nas relações trabalhistas das entidades. Outro ponto importante a ser destacado é que 66% (sessenta e seis por cento) dos vínculos de empregos formais em organizações da sociedade civil (OSCs) não detinham nível superior completo, entretanto, o estudo demonstra que há grande diferença de escolaridade, conforme a finalidade da OSC. 

No que se refere ao o a recursos públicos federais, estudo do IPEA identificou 291.289 empenhos realizados para 22.214 OSCs [2,7%(dois virgula sete por cento) do total de OSCs existentes no Brasil] para execução de serviços e ações de naturezas diversas. No que tange a valores, se considerarmos aqueles previstos anualmente no Orçamento Geral da União, o montante de R$ 118 bilhões reado às OSCs corresponde a 0,5% (zero virgula cinco por cento) do total de R$ 25 trilhões previsto para o mesmo ano. 

Conforme conclui o referido estudo do IPEA, as instâncias de participação formal das OSCs apresentaram crescimento considerável até 2015, assim como houve melhoria do arcabouço jurídico-formal voltado para a regularização da atuação das OSCs com a aprovação da Lei nº 13.019/14. Observou-se, também, a dispersão temática dos rees públicos, indicando a diversidade que “caracteriza a participação das OSCs na execução de políticas públicas sob a responsabilidade de diferentes áreas governamentais”. 

A partir desse quadro apresentado, temos o seguinte cenário: grande diversidade entre as entidades do Terceiro Setor; uma parcela ínfima de OSCs que efetivamente recebe recursos públicos federais; alta precarização do vínculo trabalhista nas OSCs; difusa participação das OScs nas diversas políticas públicas; e o estabelecimento de um novo regime jurídico das parcerias entre a istração pública e as OSCs. Como visto, o foco na gestão eficiente e transparente de entidades tão complexas e heterogêneas é um grande desafio. 

A mudança legal trazida pelo Marco Regulatório da Organizações da Sociedade Civil – MROSC priorizou o controle de resultados das parcerias estabelecidas com as OSCs. Entretanto, para a efetiva aplicabilidade do proposto normativo, é necessário estabelecer um processo de mudança para a cultura da transparência. A prática cotidiana estabelecida na relação entre o poder público e as OSCs deve ser o verdadeiro foco para a transformação do proposto no instrumento normativo. 

Considerando apenas a parcela de OSCs com parceria com os entes públicos, temos uma janela de oportunidade nos instrumentos de chamamento público dessas entidades. É dever do “ente/órgão público” o fomento à cultura da transparência da istração. Nesse sentido, deve-se estabelecer, expressamente, as obrigações de transparência estabelecidas no Marco do Terceiro Setor, na Lei de o à Informação e nas demais normativas, auxiliando na construção do ambiente de transparência. 

Nas parcerias estabelecidas com as OSCs sem chamamento público, os requisitos de transparência podem estar previstos, expressamente, nos termos padronizados pelo ente público, uma vez que a obrigação legal de transparência independe da fundamentação para a ausência de chamamento. 

Um ponto fulcral para a implantação dos requisitos de transparência para as OSCs é a definição da responsabilidade pelo custo dessa transparência. Além do desenvolvimento, manutenção e atualização do sítio eletrônico, há o ônus de organização da OSC para o cumprimento das obrigações. No que tange ao custo da disponibilização das informações em sítio eletrônico, somos do entendimento de que este deve ser arcado, quando houver, pelo ente público contratante. No que se refere ao ônus de organização da OSC para o cumprimento das obrigações de transparência, este pode e deve ser um requisito objetivo de avaliação estabelecido no chamamento público e também na fundamentação do gestor na contratação direta. 

Não se trata de intervir na gestão da OSCs em relação ao caminho como serão atendidas as obrigações de transparência, mas sim no estabelecimento dos requisitos esperados desse cumprimento. Ressalta-se, entretanto, o art. 6º, I da Lei nº 13.019/14, que estabelece como diretriz fundamental do regime jurídico de parceria, a promoção, o fortalecimento institucional, a capacitação e o incentivo à organização da sociedade civil para a cooperação com o poder público. Sendo assim, é obrigação do poder público, quando houver necessidade, auxiliar as OSCs sem?expertise?na gestão de processos de transparência no cumprimento dos requisitos. 

Em proposta inovadora de ampliação do cumprimento das obrigações de transparência estabelecidas no MROSC, o Instituto de Direito Coletivo – IDC iniciou, em julho de 2019, o projeto etransparente.org. O projeto visa centralizar os dados de transparência de todas as OSCs sujeitas às obrigações do MROSC e da LAI, inicialmente no estado do Rio de Janeiro, abrangendo os termos vigentes nos 92 municípios e no governo estadual. 

A partir da centralização das informações de transparência em uma mesma plataforma e da inclusão de dados das OSCs com ou sem sítio eletrônico, é possível estimular o controle social dos gastos públicos e ampliar os mecanismos de gestão de informação, transparência e publicidade. 

O processo de mudança envolve múltiplas dimensões, entre elas, a mudança da normativa, da estrutura, dos processos, da tecnologia, de sistemas, de pessoas e da cultura. Iniciativas tais como o e.transparente.org não excluem a responsabilidade do poder público e das OSCs de investir na mudança para a cultura da transparência, mas oferecem uma excelente oportunidade de sinergia que contribui para tornar a gestão do Terceiro Setor mais transparente e eficiente. 

Sobre a autora: Tatiana Bastos é presidente do Instituto de Direito Coletivo (IDC), advogada, especialista em Direitos Difusos e Coletivos, e em Direito Civil Constitucional. É também Conselheira Fiscal SEBRAE/RJ.


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