Mudanças climáticas devem criar mais de 200 milhões de “refugiados do clima” até 2050

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meio ambiente e mudanças climáticas
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Por Edmond Sakai

No final do ano ado, foi realizada a conferência sobre mudanças climáticas da ONU, a COP27, no Egito.

De um lado, o evento terminou com um avanço histórico com a criação de um fundo para ajudar os países vulneráveis que enfrentam danos severos causados pelas mudanças climáticas. Por outro, as negociações decepcionaram vários atores ao não incluir nenhuma nova medida significativa para reduzir as emissões, o que é essencial para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.

Com efeito, segundo o Internacional de Cientistas do Clima (IPCC, na sigla em inglês), a preocupação com as consequências das mudanças climáticas causada pela emissão dos gases que causam o efeito estufa é uma realidade que afeta todos os continentes, se espalha rapidamente e se torna mais intensa. Utilizando tecnologias mais avançadas para analisar os padrões climáticos do ado e do presente e projetando o futuro, os cientistas podem prever com mais exatidão as próximas décadas. E o cenário não é nada bom.

Eventos extremos serão mais comuns

Eventos climáticos extremos como secas, inundações, furacões e vendavais, assim como ondas de frio e de calor extremos já são mais comuns, como estamos observando em diversas regiões do mundo neste ano. Inclusive no Brasil onde durante o carnaval, seis cidades litorâneas do estado de São Paulo foram castigadas por temporais, que são resultados das mudanças climáticas e do descaso. E elas se tornarão mais comuns e intensas nos próximos anos, mesmo se conseguirmos reduzir as emissões de carbono e outros gases a níveis que impeçam a concretização do pior cenário, da temperatura média mundial subindo mais que 2°C.

Os cientistas frisam que esse aquecimento médio é apenas isso, uma média, e o impacto do aquecimento é muito diferente dependendo de cada região do mundo. Ou seja, algumas regiões devem esquentar bem mais que outras. As regiões mais próximas aos Polos e, portanto, mais frias, por exemplo, devem ter uma média de aquecimento bem superior.

Esse aquecimento gera um efeito em cadeia com graves consequências. Entre elas, está acelerar o ciclo da água, o que gera mudanças nos padrões de precipitações de chuva, causando tempestades mais fortes e mais inundações, como também secas mais severas. Isto tem impacto direto na agricultura e na segurança alimentar de bilhões de pessoas. Áreas costeiras vão sofrer com o aumento do nível do mar, causando inundações em áreas mais baixas e erosão costeira. Os oceanos ficarão mais quentes e ácidos, afetando a vida marinha e atividades como a pesca. Nas cidades, as ondas de calor devem se intensificar, assim como inundações e ameaças ao suprimento de água e energia elétrica.

Mais pobres serão mais atingidos

O que mais me angustia é que as regiões em que vivem os mais pobres, que menos contribuem para a emissão dos gases de efeito estufa, são as que serão mais afetadas. Essa população, que já vive em condições de grande vulnerabilidade, ainda arcará com a maior parte do custo humano das mudanças climáticas. O o a água potável e comida ficará ainda mais difícil, o que forçará centenas de milhões de pessoas a se deslocarem de onde vivem em busca de melhores condições em outras regiões. Segundo o relatório Groundswell, divulgado pelo Banco Mundial apresentado lá em 2021, o número de pessoas que precisará se deslocar dentro de seus próprios países deve chegar a 216 milhões até 2050, sem contar os que serão forçados a cruzar fronteiras. Com a pandemia, certamente o número de deslocados piorou.

Os “hotspots” de migração devido ao clima devem começar a aparecer até 2030, e em duas décadas podem fazer até 86 milhões de pessoas a se deslocarem na África Subsaariana, 49 milhões no Sudeste Asiático e Pacífico, 40 milhões no Sul da Ásia, 19 milhões no Norte da África e 17 milhões aqui na América Latina. Aqui no Brasil, a seca que atinge a região Centro-Sul é um grave aviso de que a aparente abundância de água que temos aqui, na porção mais populosa e economicamente desenvolvida do Brasil, é ilusória.

ONGs terão papel fundamental na assistência aos refugiados

É chegada a hora de agir e é importante aos mais ricos, que tem responsabilidade neste cenário, financiar as medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. E para operacionalizar essas medidas e dar assistências a essas centenas de milhões de “refugiados do clima”, o papel das organizações não-governamentais é essencial. Certamente haverá um forte aumento dos investimentos e destinação de recursos para projetos e ações relacionados às mudanças climáticas, e organizações com esse foco devem intensificar muito suas ações. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR) já está atento a essa questão e conta com as ONGs para ajudar nesse esforço, e o tema também está sendo tratado pelo Banco Mundial, Fórum Econômico Mundial e outros órgãos multilaterais.

Além da assistência primária a esses refugiados, será preciso muito foco em ações de longo prazo para inclusão econômica e desenvolvimento sustentáveis e resilientes, e estratégias adaptativas para tornar as migrações internas oportunidades para desenvolver economicamente estas regiões e proporcionar o a trabalho e renda para as populações afetadas. Há muito trabalho a ser feito!

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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em istração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.


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