O salto do desenvolvimento organizacional requer um olhar humanizado
Diante dos desafios sanitários e sociais da pandemia mundial de coronavírus, cuidar da qualidade de vida dos colaboradores tornou-se mais do que imperativo nas organizações sociais

Por: Mirene Rodrigues
Em meio à crise sanitária da Covid-19, da noite para o dia, organizações sociais e seus colaboradores foram obrigados a adaptar sua rotina de trabalho e a enfrentar novos desafios sobre circunstâncias antes consideradas improváveis. O novo cenário trouxe uma pauta urgente: dedicar-se ao desenvolvimento organizacional tornou-se mais vital do que nunca, principalmente em um contexto que afetou não só a economia do país, mas também o comportamento das pessoas e sua saúde mental, desencadeando aflições e preocupações como a incerteza sobre o hoje e o amanhã.
Uma primeira mudança abrupta foi a adoção imediata do home office. Mas como sair rapidamente de um sistema 100% presencial para um 100% online? E como fazer a organização social girar com todo um cenário externo querendo parar? Para minimizar os impactos da crise do coronavírus, a Fundação Tide Setubal, organização de origem familiar criada em 2006, escolheu concentrar sua atenção no colaborador, por entender e defender que fundações, institutos, associações, governos e empresas têm o dever e a responsabilidade de cuidar do bem-estar dessas pessoas. Afinal, são elas as responsáveis pelas atividades das instituições.
Esse movimento de olhar da porta para dentro é tão importante quanto oferecer apoio a grupos submetidos a uma série de vulnerabilidades sociais. Na prática, significa desenvolver uma política de cuidados e iniciativas que ajudem a amenizar o dia a dia de trabalho em um momento tão crítico para todos. Sob esse olhar, foi fundamental acolher também as diferentes realidades vividas pelos colaboradores, ou seja, ter claro que nem todos conseguem lidar tão bem com a pandemia e com os reveses que ela traz. Alguns perderam pessoas próximas, muitos tiveram de aprender a trabalhar em casa pela primeira vez com crianças e adolescentes ao redor, entre outros fatores.
Desde seu início, há quinze anos, a Fundação sempre prezou pela diversidade em sua equipe e, historicamente, tem em seu quadro pessoas de origem periférica, em alinhamento a seu propósito e missão. Com isso, convive com as desigualdades presentes no contexto socioespacial da cidade. Essas desigualdades ficaram mais evidentes na pandemia, quando parte dos colaboradores que vivem nas regiões periféricas tiveram certa dificuldade para o o à internet, por exemplo.
A fim de realizar o processo de inclusão de forma bem estruturada, a Fundação atendeu aos pedidos de alguns colaboradores moradores de periferias para lhes ceder o espaço do Galpão ZL, que abriga o Núcleo de Prática Local da Fundação, onde atuam 7 colaboradores, de modo que ele funcionasse como o “home office”, porque dispõe de melhor infraestrutura. Para além disso, foram tomadas medidas variadas como oferecer equipamentos de EPIs, máscaras, frascos de álcool em gel, aventais, luvas, testes periódicos, aparato tecnológico, 7 cadeiras, 2 impressoras e um auxílio home office mensal para toda a equipe, voltado a suprir as contas de internet, água e luz.
Além disso, sabe-se que a saúde mental é um outro ponto de atenção. A pandemia desencadeou em alguns profissionais, por exemplo, o medo constante de ser desligado da instituição. Por isso, aplicar uma política de estabilidade nesse período foi uma medida adotada pela Fundação, diante da crise que redundou em muitas demissões pelo Brasil — segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o país já soma, no terceiro trimestre de 2021, um recorde de 14,8 milhões de desempregados.
Nesse contexto adverso, é imprescindível à organização ser exemplo de autocuidado e eliminar qualquer tipo de estigma que faça com que os colaboradores não se sintam confortáveis para dialogar abertamente sobre as dificuldades para desempenhar seu trabalho, além de suas expectativas e ansiedades. Para contribuir com o cuidado mental, compartilhou-se com os colaboradores um banco de dados com informações sobre atendimentos psicológicos nas regiões periféricas, criado pelo projeto Territórios Clínicos, da Fundação.
Foram mantidos também canais de comunicação com as equipes, por meio do PDE (Plano de Desenvolvimento da Equipe), que é um mecanismo que tem possibilitado ao colaborador olhar para seu lugar na instituição, seus desafios, forças e fraquezas e propor um plano de desenvolvimento. A organização, por sua vez, oferece um ao colaborador, olhando para seus desafios e propondo ações voltadas ao seu crescimento profissional e pessoal, como, por exemplo, a realização de atividades formativas individuais ou coletivas, a exemplo da oferta de aulas de inglês em quatro turmas.
A fim de manter os encontros de entrosamento e compartilhamento dos integrantes da equipe que não eram possíveis no modo presencial, foram promovidos 9 happy-hours virtuais, com periodicidade mensal, que contavam com a participação de colaboradores de diferentes hierarquias. Periodicamente, kits temáticos de datas comemorativas, como festa junina, foram entregues na casa dos colaboradores, somando ao todo 6 tipos.
Nos meses mais recentes, a realidade tem mostrado que, mesmo com a vacinação avançando e com os casos de Covid-19 decrescendo, um modelo de trabalho que será provavelmente adotado no médio e longo prazo é o híbrido. Uma pesquisa da Accenture, lançada em janeiro deste ano, apontou que 34% dos profissionais brasileiros querem trabalhar de casa três vezes ou mais por semana e 18% desejam uma ou duas vezes por semana. Por outro lado, o mesmo estudo mostra que 54% dos profissionais se preocupam com a possibilidade de que aqueles que vão ao escritório com mais regularidade acabem recebendo um tratamento preferencial na empresa, pelo fato de estarem mais presentes.
Considerando esses aspectos e para evitar disparidades nas tomadas de decisão, a Fundação concluiu que as resoluções muito importantes não devem ser tomadas somente no presencial para que o processo não seja excludente para quem precisar permanecer no home office por algum motivo pessoal.
Assim, esse modelo híbrido exige pensar sobre questões como: onde serão tomadas essas decisões mais importantes? Em quantos dias da semana cada colaborador irá à sede? Para além disso, um olhar sobre a ergonomia laboral precisa ser incluído nessas discussões, e o auxílio financeiro de home office é algo que deve permanecer.
Outra questão é como a instituição se organiza sobre a Lei Geral de Proteção de Dados. Como preservar as informações da instituição no home office? A medida adotada pela Fundação, que nunca havia trabalhado em formato remoto, foi a implantação do sistema de nuvem para oferecer o e cuidar da segurança dos dados institucionais e para preservar a memória da Fundação.
Diante desse cenário, quais lições é possível tirar enquanto organização social? Uma delas é que todos da equipe estarão em constante movimento para testar ações, acertar e rever. O modelo híbrido, por exemplo, não é algo definitivo e estanque; pode ser alterado. Outra lição é aprender com o que deu certo e com o que deu errado. O que deu errado nos ensina? Sim. Ensina, por exemplo, que não se pode construir tudo com muita rigidez e, principalmente, que, para além de desenvolver os projetos externos, é preciso que as organizações sociais olhem atentamente da porta para dentro para garantir que os profissionais consigam desenvolver plenamente suas atividades.
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Sobre a autora:
Mirene Rodrigues é a formada pela Universidade Ibirapuera (Unib). Na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), aperfeiçoou seus conhecimentos no curso de gestão de projetos. Atualmente, ocupa o cargo de gerente de desenvolvimento organizacional na Fundação Tide Setubal, e é membro do Comitê de Diversidade da Fundação, instituição da qual faz parte há 15 anos.