O futuro que precisamos construir

Eventos
Compartilhar

Foto: ChangeNow

 

Por Camila Jordan

Recentemente, tive o prazer de participar da Exposição Mundial de Soluções para o Planeta – ChangeNOW, realizada em Paris de 24 a 26 de abril de 2025. O encontro reúne líderes globais e agentes de transformação comprometidos em moldar um mundo mais sustentável. O ChangeNOW busca liderar e amplificar ações concretas que inspiram e transformam normas, organizações e indivíduos.

Além de fazer parte da delegação brasileira, tive a honra de compor o sobre o Futuro da Construção, ao lado de outras especialistas.

Sentada entre arquitetas premiadas e urbanistas de renome, iniciei a minha fala dizendo: “Venho de um Brasil onde este futuro da construção que o Norte Global começou a discutir ainda não chegou para milhões de pessoas.” A crise climática escancara as desigualdades urbanas, atingindo com mais severidade as populações que vivem em favelas e comunidades periféricas. Por isso, o futuro que precisamos construir deve partir das margens — com e para as populações que vivem a silenciosa emergência habitacional nos territórios mais vulnerabilizados. 

Busquei destacar a importância de enfrentarmos os tabus em torno de soluções habitacionais transitórias e emergenciais. Territórios majoritariamente negligenciados pelo poder público, enfrentam desafios como alagamentos, calor extremo e falta de infraestrutura básica. Desafios estes que já existem há décadas e que agora representam ainda maiores riscos devido ao aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos. É necessário transformar o olhar que a sociedade tem sobre estes territórios que também são espaços de resistência e inovação, onde se luta há muito e onde os próprios moradores atuam na promoção da justiça social através da implementação de soluções de adaptação climática às vulnerabilidades amplificadas pela crise climática. 

Durante o , trouxe exemplos de projetos como o desenvolvido pela TETO Brasil que mostram a importância de soluções habitacionais que considerem as especificidades locais e envolvam a comunidade em sua concepção e execução. A moradia resiliente, com características como estrutura elevada, ventilação natural e uso de materiais recicláveis, oferece uma resposta eficaz aos desafios impostos pela crise climática, ao mesmo tempo em que fortalece o senso de pertencimento e autonomia dos moradores. É fundamental reconhecer, escalar, e apoiar iniciativas como esta, integrando-as às políticas públicas e ao planejamento urbano, para construir cidades justas, inclusivas e sustentáveis.

O evento, de escala absolutamente impressionante, contou com a presença de 40 mil pessoas, de 140 países, 10.000 empresas e mais de 1000 soluções apresentadas. Durante os três dias tive a oportunidade de me conectar com pessoas com um propósito comum, além de conhecer diversos empreendedores, negócios e empresas com uma gama enorme de soluções para o planeta. Além de mim, outros brasileiros e brasileiras subiram no palco, como Ana Toni, diretora executiva da COP 30, a quem pude  entregar a nossa pesquisa do Panorama das Favelas e Comunidades Invisibilizadas do Estado de São Paulo, publicada em outubro de 2024. 

No entanto, é necessário referir algumas lacunas importantes. A primeira foi a reduzida presença do setor sem fins lucrativos, e a necessidade de um olhar que integre os desafios que se apresentam na prática nas nossas sociedades. Os debates seriam mais enriquecedores se procurassem integrar e promover discussões entre setores distintos como o público, privado, academia e o terceiro setor. Também percebi uma posição silenciosa segundo a qual o investimento só se faz onde existe retorno financeiro e as soluções só chegam pelo privado. Sendo sabido o papel crucial que as organizações sociais e de base têm no desenvolvimento de diagnósticos e soluções inovadoras. Por último, na temática de cidades, senti falta de perspectivas sobre os desafios mais extremos que hoje se apresentam no mundo, tendo-se em conta que até 2050  2 bilhões de pessoas viverão em comunidades, assentamentos populares e favelas no mundo, e as  soluções de infraestrutura e desafios habitacionais que precisaremos equacionar. 

Com a minha participação no ChangeNOW procurei fazer um chamado à ação de todos os que acreditam na construção de um futuro justo e sustentável. A moradia, frequentemente tratada como um problema periférico, precisa ser reconhecida como elemento central nas agendas climáticas, urbanas e sociais. Muitas soluções já existem: O que falta é uma maior coordenação entre setores, vontade política e investimento para escalá-las. Ao retornar ao Brasil, trago comigo a certeza de que o futuro que queremos não será construído apenas em conferências internacionais, mas, sobretudo, no fortalecimento das vozes e iniciativas que emergem das periferias. É hora de reconhecer que as favelas são protagonistas na construção de cidades resilientes e inclusivas.

 

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor

 

Sobre a autora: Camila Jordan é diretora de Relações Internacionais e Incidências da Teto Brasil

 


Compartilhar