O fim da vida ocorre antes do suicídio

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O sapato que fica bem em uma pessoa não serve para a outra. Não existe receita para a vida que sirva para todos os casos. 

Carl G. Jung

Por Irene Reis dos Santos

Se entendermos isso, consideraremos a ideia de que falar sobre suicídio é somente um exercício sem nenhuma pretensão de trazer conclusões, julgamentos ou receitas.

Isto posto, vamos entender que todos temos o que Bergson chamou de Élan Vital ou impulso de vida, uma energia criadora e positiva. Esta energia pode ir aumentando ou diminuindo de acordo com as relações que estabelecemos com as pessoas mais próximas como família e amigos, com o mundo externo e com o mundo interno. Quando esta energia diminui, porque houve ruptura em uma ou mais destas relações, identificamos uma baixa energia vital nesta pessoa que não consegue encontrar soluções para os conflitos vividos dentro e fora de si.

Se por um lado não podemos colocar o suicídio numa forma, e ele nem cabe em nenhuma fórmula, por outro, podemos pensar em condições para que ele não se dê e uma, talvez, poderia ser que a vida fosse recoberta de sentido. Também podemos pensar que uma condição importante é que a pessoa entenda que não está só, que há relações que a protegem e pessoas com quem ela pode realmente contar, sem julgamentos, sem cobranças.

Apesar de que ocorra uma morte a cada 40 segundos no mundo, a OMS – Organização Mundial de Saúde – alerta para a questão de que poucos países incluíram a prevenção ao suicídio em sua agenda de prioridades, apesar de se tratar de um grave problema de saúde pública.

O que os estudos sobre o assunto apontam em comum, apesar da grande diversidade de argumentos que tentam entender o suicídio?

Que em algum momento há uma fragilidade no que diz respeito a como lidar com as emoções e esta fragilidade é o que faz com que a pessoa não só cogite esta saída, mas a leve a cabo.

O que a educação tem a ver com isso é a nossa pergunta de sempre?

A educação pode agir na prevenção, educando as emoções, fazendo com que as pessoas aprendam a se conhecer, a conviver e desenvolver uma cultura de paz.

Depois de ter quatro suicídios de universitários, a USP resolveu criar um programa de saúde mental que atenda universitários. Entre os prováveis motivos para o ocorrido estão as relações entre estudantes, colegas e professores, além das cobranças acadêmicas.

Consultei a psicóloga Laura Graziano a este respeito e, de acordo com ela, há que se dar um o antes do suicídio, pensando sobre as relações, por exemplo, nas relações mediadas pela tecnologia. Para ela, o fato de o adolescente, a criança, começar a lidar com celular, computador todo o tempo, vai fomentando a ansiedade. Os jogos eletrônicos preenchem os espaços que antes eram preenchidos pela relação com o outro, pelas brincadeiras na rua, pelo convívio.

O suicídio é um resultado do isolamento, de acordo com esta psicóloga. Superestimulados na relação sujeito-mundo, estamos sem contato na relação entre o sujeito e outro sujeito e entre o sujeito e ele mesmo.

Qual a nossa qualidade de vida?

Para Laura, a qualidade de vida também tem a ver com as relações que estabelecemos. Estamos fazendo novos amigos? Temos tempo de qualidade com as pessoas que amamos?

Nem todo suicida está em depressão. A questão vai para além disso, tem a ver com a pulsão de vida e com a pulsão de morte, como se a pessoa entendesse que, com o suicídio as angustias vão ar. Por isso, não há um formato pronto para entender o suicídio.  Há que se ter um olhar especial, individualizado.

Há que se criar e alimentar os vínculos afetivos, sem ter no outro a expectativa de perfeição, das respostas aos meus anseios. Se os vínculos afetivos são de qualidade, as relações são duradouras e fortes e dão sentido à vida. Estes vínculos salvam. O efeito de não se estar feliz é uma resposta cerebral que impulsiona a pessoa a um campo negativo, por isso, entre outras coisas, tem se falado tanto, atualmente, em felicidade.

Como quase tudo na vida, precisamos de um olhar mais complexo, que envolva várias disciplinas e vários profissionais atuando em conjunto com a família e com a pessoa que cogita em algum momento esta possibilidade. Mas antes de qualquer outro elemento, precisamos de empatia, de solidariedade, de não julgamento! Precisamos estar empoderados para lidarmos com os conflitos e entraves da vida para além das redes sociais, para além dos personagens das telenovelas, dos videogames, do celular, do computador, do isolamento.

Para jamais concluir e sim refletir, deixo uma linda agem de Freire contando sobre esta sensação de voltar à casa da infância e se reconhecer nela:

Há pouco tempo, com profunda emoção, visitei a casa onde nasci. Pisei o mesmo chão em que me pus de pé, andei, corri, falei e aprendi a ler. O mesmo primeiro mundo que se deu à minha compreensão pela “leitura” que dele fui fazendo. Lá, reencontrei algumas das árvores da minha infância. Reconheci-as sem dificuldade. Quase abracei os grossos troncos – os jovens troncos de minha infância. Então, uma saudade que eu costumo chamar de mansa, me envolveu cuidadosamente. Deixei a casa contente, com a alegria de quem reencontra gente querida.

Mais do que estar cheio de estímulos pelo que há por se conhecer e encontrar, com esta infinita oferta sobre ter o mundo nas palmas de suas mãos, nosso ser precisa mesmo é de reconhecimento e de reencontro. Esta sensação ocorre quando o outro, com quem mantemos relação, não só nos conhece, mas, de fato, nos vê nesta relação de cuidado mútuo; afirma nossa identidade e se reconhece e se reencontra nela como humano. Ocorre quando reencontramos nosso patrimônio pessoal armazenado em forma de memórias. Estes reconhecimentos, reencontros contribuem para alimentar nossa energia vital e a das pessoas que nos acompanham nesta desafiante caminhada que é a vida!

 

Referências e sugestões para avançar na temática:

Sobre a definição da palavra Cuidado:

STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 4ª ed., 2018, p.117 – 118.

 

Consultório da Psicóloga entrevistada: Laura Graziano. Disponível em:

<http://www.lauragrazi.com.br >. o: 09/08/2018.

 

Centro de Valorização da Vida. Disponível em:

<https://www.cvv.org.br/blog/o-que-posso-fazer-para-ajudar-quem-pensa-em-suicidio//>. o em: 09/08/2018.

 

Informe ONU-BR sobre suicídio. Disponível em:

<https://nacoesunidas.org/oms-suicidio-e-responsavel-por-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/>. o em 09/08/2018.

 

Reportagem sobre Escritório de Saúde Mental na USP. Disponível em:

<https://claudia.abril.com.br/saude/usp-tem-4-suicidios-em-2-meses-e-cria-programa-de-saude-mental/>

 

A felicidade está dentro de ti – apologia da sobriedade – José Mujica. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=iunhKnq3YZk>. o em: 01/08/2018;

 

Conversa com Bial – Pepe Mujica. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Hhs982WCHdo>. o em 01/08/2018.

 

Artigo dos professores Dr. Alexsandro dos Santos Machado e Dr. Hugo Monteiro. A Intuição como fundamento do ensino das artes: em tempos de revisão paradigmática. Disponível em:

<https://periodicos.ufsm.br/revislav/article/viewFile/19868/pdf>. o em: 01/08/2018.

Irene Reis dos Santos

É bacharel e licenciada em letras - Português e Espanhol pela FFLCH - USP, especialista em tradução, pesquisando, no mestrado em Ciências da Educação, sobre participação de estudantes na comunidade por meios de Grêmios. Atualmente, leciona espanhol no Instituto Cervantes, contribui com editoras e é diretora da CORE - Comunidade Reinventando a Educação (coreduc.org), entidade do terceiro setor que fomenta parcerias em prol da educação pública. Irene acredita que as vivências interculturais e a aprendizagem baseada em projetos de vida em comunidade são a chave para o complexo desenvolvimento da sociedade planetária.

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