O drama de mães encarceradas que cuidam dos filhos atrás das grades
Muitas dessas mulheres carregam histórias de vida marcadas pelo abandono, a pobreza e gestações precoces; todas serão separadas de seus bebês quando eles completarem seis meses de vida
Por: Isabela Alves
O Brasil tem a quarta maior população carcerária feminina do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia, em números absolutos. O dado é do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, lançado em 2018 pelo Departamento Penitenciário Nacional, vinculado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
De acordo com o mesmo levantamento, entre 2000 e 2016 a população carcerária feminina cresceu 656%.
No início dos anos 2000, menos de 6 mil mulheres encontravam-se no sistema prisional brasileiro. Em 2016, já eram mais de 42 mil. O estado de São Paulo concentrava 36% de toda a população prisional feminina do país em 2016, com 15,1 mil mulheres presas. Em seguida, vinham os estados de Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.
Segundo o relatório ‘Mulheres em Prisão: enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal’, divulgado pela Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), o Poder Judiciário brasileiro prende, julga e condena as mulheres sem nem ao menos levar em consideração possíveis medidas alternativas.
O relatório ainda aponta que a justiça criminal brasileira é seletiva em relação à liberdade de determinadas mulheres. De acordo com os dados, 68% das mulheres encarceradas são negras, 57% são solteiras, 50% têm apenas o ensino fundamental e 50% têm entre 18 e 29 anos.
A maior parte delas é mãe e cumpre pena em regime fechado, não possui antecedentes criminais, estava envolvida com atividades relacionadas ao tráfico e ao transporte nacional e internacional de drogas, e possui dificuldade de o a empregos formais.
Destas mães, algumas estão com seus filhos na cadeia. Essas mulheres foram presas durante o período de gestação ou quando seus filhos ainda tinham menos de seis meses.
A Penitenciária Feminina da Capital (PFC), localizada no Carandiru, bairro da zona norte da cidade de São Paulo, recebe mulheres da capital e da região metropolitana de São Paulo. Todas as gestantes que são encaminhadas para lá dão à luz seus filhos no Hospital Penteado, que fica a 11 km de distância.
Atualmente, existem 27 mulheres grávidas ou com bebês no Pavilhão Materno Infantil da PFC, um espaço separado do resto da população carcerária feminina.
As grades com as cores do arco-íris e a presença dos bebês fazem com que o local tenha um aspecto mais acolhedor que o resto da penitenciária. Durante o horário do banho de sol, as mães lavam as roupas dos bebês e as estendem nas grades. Enquanto isso, as crianças ficam nos carrinhos cinzas esperando pacientemente pelo colo.
As portas para as celas estão repletas de adesivos da Galinha Pintadinha e de borboletas. Nos quartos, é possível encontrar fotografias, bichinhos de pelúcia e outros brinquedos. Tais objetos fazem com que o lugar ganhe a aparência de um lar. Cada uma das mães tem uma cama e um berço.
Apesar das dificuldades que elas enfrentam no dia a dia, ter o filho ao seu lado torna a vida mais leve. O vazio e a solidão, no entanto, tomam conta das mães quando elas lembram que só poderão ficar com seus filhos até que eles completem 6 meses de vida. Depois disso, eles serão encaminhados para um abrigo ou ficarão com algum parente.
A perda do pai, a rejeição da mãe e uma gravidez precoce
Encaminhada do presídio de Santana, também na zona norte de São Paulo, Heloísa está presa pelo crime de tráfico de drogas. Ela cobre o rosto da filha como uma maneira de protegê-la e a segura firme em seus braços. A criança está prestes a completar três meses de vida.
Ela respira fundo ao relembrar do ado e diz que tem muita coisa guardada no peito. Ela conta que sua história começa antes mesmo do seu nascimento.
A mãe de Heloísa tinha certo envolvimento com uma gangue e tentou sair ao se apaixonar por um cabeleireiro que não fazia ideia da vida que ela levava. Esse cabeleireiro era o pai de Heloísa e foi assassinado pelos criminosos da gangue.
“Foram três tiros e o corpo foi achado dois dias depois do crime. A minha gravidez foi indesejada. Minha mãe tomou vários remédios para me abortar”, conta Heloísa, com os olhos marejados. Na hora do nascimento, a rejeição foi imediata. Com 15 dias, Heloísa foi abandonada pela mãe biológica, mas foi adotada pela avó. A jovem tem mais quatro irmãos e cada um deles tem um pai diferente.
As memórias da sua infância são amargas. Por conta da fome, ela fugia de casa para abrigos da prefeitura. Nestes locais, ela encontrava outras crianças com quem podia brincar e esquecer o que ava dentro de casa. Ela convivia pouco com a mãe, mas lembra bem do quanto ela era uma pessoa agressiva.
Aos 15 anos, Heloísa começou a usar cocaína e conheceu o pai do seu primeiro filho. A gravidez foi fruto da primeira relação sexual entre eles. O homem tinha 28 anos e Heloísa se casou com ele. “Eu achei que finalmente iria encontrar um lar e alguém com quem pudesse contar, mas foi totalmente o oposto. Ele tinha um ciúme obsessivo por mim, até da minha avó. Era muita agressão, até que eu não aguentei mais”.
Aos 19 anos, ela fugiu de casa. Sem dinheiro para se sustentar, o roubo parecia a única solução. Acabou sendo presa em flagrante e ficou 5 meses no presídio de Franco da Rocha (SP). Ao sair da prisão, voltou a viver com o mesmo parceiro. Além de continuar sofrendo violência, tanto física quanto psicológica, foi nessa época que ela descobriu como havia sido o assassinato do pai.
Toda essa situação fez com que Heloísa se afundasse ainda mais nas drogas. “Um dia, ele (o parceiro) me bateu de cinta, porque eu queria usar droga. Eu fui parar no hospital. Cheguei lá com a minha filha para cuidar dos ferimentos, mas enquanto estava sendo atendida, a assistência social levou ela para o abrigo”. Só conseguiu recuperar a criança um ano depois do ocorrido, no natal de 2014.
Com o ar do tempo, Heloísa envolveu-se com outro homem e também engravidou. Este era usuário de crack. Como ela era viciada em cocaína, ambos fizeram um trato para parar de consumir drogas e ambos queriam se ajudar para sair deste caminho. No entanto, um dia, sob o efeito de drogas, ele derrubou a filha de 1 ano da cama. A criança chegou ao hospital com a boca sangrando. “As enfermeiras me viam como incapaz de cuidar da minha própria filha e a levaram para o Conselho Tutelar”.
A sua vida se tornou um ciclo vicioso. Depois disso, vieram mais relacionamentos abusivos e novas gestações. No total, teve quatro filhos e todos foram parar no abrigo. Heloísa não tinha estrutura psicológica e financeira, e buscou nas drogas um caminho para esquecer seus problemas.
Todas as vezes em que ia visitar as crianças no abrigo, a assistente social afastava as crianças com brinquedos e Heloísa sentia que não tinha a atenção dos filhos. “Eu disse para ela: ‘Você tem a semana inteira para brincar com eles. Por que faz isso quando eu estou aqui?’ A assistente social viu que eu estava com raiva, disse que eu estava descontrolada e fez um relatório para a Justiça falando que eu não tinha condições nem de fazer as visitas. Fui impedida de ver os meus próprios filhos”, lembra.
Para sustentar o vício, começou a trabalhar no tráfico de drogas e foi presa por isso. Sua audiência irá ocorrer no dia 10 de outubro. “Minha avó diz que as coisas estão difíceis lá fora, mas ela não imagina o inferno que é viver aqui dentro. Eu choro só de pensar nos meus filhos olhando para mim sorrindo e me chamando”.
Quando sair da cadeia, Heloísa pretende se recuperar. Quer educar seus filhos, mas sem violência. Quer que eles tenham a oportunidade de estudar que ela não teve, já que estudou apenas até a quarta série. Quer que eles não tenham más amizades e que trabalhem honestamente. “Quero oferecer para eles o futuro que eu não tive, mas que vou tentar recuperar quando sair daqui”, diz.
Na cadeia, ela diz que está revivendo, em pensamento, toda a vida que perdeu para o crime. Se pudesse mudar algo no ado, ela mudaria a sua maneira de agir com a avó, já que Heloísa a roubava, insultava e manipulava para conseguir dinheiro para comprar drogas. Gostaria também de ter conhecido o pai e ter conquistado o amor de sua mãe, apesar de todas as circunstâncias.
“Agora não tenho como mudar o ado. Dinheiro que vem fácil vai fácil. Se entrar nessa vida, ou você termina preso ou termina em um caixão. Existe um futuro melhor esperando pela gente”, conclui.
A fome dos filhos e a tentativa de ganhar dinheiro com o tráfico
Maria é a única estrangeira no pavilhão materno infantil da penitenciária. Ela vivia na fronteira entre o Brasil e a Bolívia. O local possui uma importante atividade econômica e era muito frequentado pela jovem, que comprava arroz, óleo, entre outros produtos alimentícios para posteriormente revender com a ajuda de uma amiga.
Mãe de três filhos e grávida de sete meses do quarto, ela estava enfrentando muitos problemas financeiros na sua família. As crianças estavam ando fome e, para obter dinheiro de maneira rápida, o pai das crianças acabou se envolvendo com o tráfico de drogas, mas foi preso. O impacto da prisão foi tão grande na sua vida, que ela acabou entrando em depressão e parou de trabalhar. Desamparada e sem o marido, ela não tinha saída.
“Veio então a oportunidade de levar as drogas da Bolívia para o Brasil. Eu não tinha mais nada. Meus filhos estavam ando fome e me doía o coração não ter nada para oferecer… Eu topei sem pensar nas consequências”, diz, com a cabeça baixa.
Em três dias, ela estaria de volta. Na hora de se despedir dos filhos, o coração apertou e bateu mais forte, mas ela sabia que seria um sacrifício que valeria a pena. Deixou as crianças com a amiga do trabalho e partiu rumo ao Terminal Rodoviário da Barra Funda, localizado na região oeste do município de São Paulo.
Ao chegar ao local, foi abordada e presa pelos policiais. O desespero e a sensação de impotência a sufocaram. Maria estava em um país totalmente desconhecido, onde não conhecia ninguém e do qual não dominava o idioma. Ela estava sem documentos e não fazia ideia do que iria acontecer.
“Naquele momento eu só pensei nos meus filhos, porque eles são muito pequenos…”. Ela faz silêncio e respira fundo. Olha para o chão e pensa no que fazer. Ela responde com a voz baixa, com os olhos marejados: “Eu não sei o que vou fazer”.
Depois que foi encaminhada para a penitenciária, com o auxílio do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) conseguiu entrar em contato com a amiga, que atualmente está cuidando das crianças. Ao receber a carta e uma fotografia das crianças, a saudade a fez chorar, mas a sensação de tranquilidade foi maior ao ver que eles estavam seguros. Os pais de Maria ainda não sabem que ela está presa e não têm informações de seu paradeiro. A prisão ocorreu em junho e ela não sabe qual será a sua sentença.
Uma vida de abandonos
Beatriz foi abandonada no hospital quando pequena pela mãe biológica e foi criada pela tia. Quando tinha 11 anos, sua tia se casou e ambas se mudaram para Pernambuco. Aos 15 anos, descobriu que uma irmã mais velha que não conhecia morava em São Paulo e se mudou novamente. Foi nessa idade que se apaixonou pela primeira vez e fugiu de casa. Quando retornou, um ano depois, estava grávida. O marido havia sido preso e ela nunca mais teve contato com ele.
ado algum tempo, ela conheceu o homem com quem teria o seu segundo filho e ficaria casada por seis anos. Ele lhe deu um lar e assumiu a sua primeira filha no papel, mesmo sendo fruto de outro relacionamento. Apesar da dedicação do marido, Beatriz se sentia insatisfeita com a vida e acabou fazendo más amizades.
Ela sentia que não havia aproveitado a sua adolescência, então começou a se envolver com drogas. Vendo a drástica mudança em seu comportamento, o marido pediu o divórcio. Ela entrou em depressão, parou de trabalhar e começou a usar ainda mais drogas.
Já que não tinha dinheiro para sustentar o vício, decidiu fazer um furto de televisão no Magazine Luiza e acabou sendo presa em flagrante. ou seis meses no presídio de Franco da Rocha. “Esse foi o momento mais duro da minha vida. Eu estava sozinha. Ninguém foi me visitar e eu só recebia cartas da minha irmã”, diz.
Após sair da prisão, não tinha para onde ir e a vergonha era tão grande que ela decidiu não pedir ajuda a ninguém. ou a viver nas ruas e, com um mês que havia saído do cárcere, estava grávida novamente. Com cinco meses, ela estava sem dinheiro e desesperada. Decidiu então assaltar um mercado, ao lado de duas meninas menores de idade.
Quando chegou ao local, ela diz ter mudado de ideia. No entanto, o segurança teria visto algo suspeito e pedido que ela o acompanhasse. A polícia foi chamada e Beatriz foi condenada a dois anos e 8 meses de cadeia.
Atualmente, sua filha mais velha está com 9 anos e o menino tem 2. Ambos vivem com o pai. A sua terceira filha irá completar três meses de vida no dia 22 de agosto e, quando completar seis meses, será levada pelo pai de Beatriz. “O que mais me dói nessa situação é que o meu filho menor não me vê como mãe. Ele não me reconhece e não quer ficar comigo quando me vê”.
Ela chora também ao lembrar do nascimento da filha mais nova. Era um dia de visita no domingo e mais uma vez ninguém havia ido lhe visitar. Às seis da tarde, ela sentiu fortes dores e foi encaminhada ao hospital. Depois de três horas de trabalho de parto, a menina veio ao mundo. Quatro dias depois, a mãe estava de volta à penitenciária.
“Aqui (na penitenciária) eu sou totalmente dela e estou tendo uma proximidade maior que jamais tive com os outros dois. Quando eu acordo, ela está lá me olhando com um sorriso no rosto. Quando meu pai vier buscá-la, eu vou voltar para o presídio de Santana. Eu só quero os meus filhos de volta. A saudade dói muito… Chega a sufocar”, ela chora. Ainda faltam seis meses para que ela esteja em liberdade.