O diálogo possível: como conversar com grupos de valores distintos dos nossos

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil (esq.) | Ricardo Stuckert/ via Fotos Públicas (dir.)

Por: Fernanda Nobre

A comunicação é um dos grandes desafios do campo democrático no Brasil de hoje, um país que vive uma lógica polarizante e deslegitima a divergência e, portanto, o diálogo entre as pessoas. A pesquisa O Conservadorismo e as Questões Sociais, lançada em 2019, já mostrava que o conservador médio brasileiro se afasta e se fecha para as discussões, pois identifica o discurso do campo progressista navegando entre o “vitimismo” e a “lacração”.

A defesa de causas como equidade racial e de gênero e direitos humanos não gera conexão e engajamento — ponto central de mobilização em torno desses temas, principalmente na internet. Muitos analistas apontam que discursos extremistas e monolíticos estão ganhando o jogo quando se trata de conquistar corações e mentes do brasileiro médio.

Diante disso, para ampliar a construção de pontes no lugar de novos muros, é necessário aperfeiçoar a comunicação e reposicioná-la. Mas como furar a bolha e conversar de fato com grupos de valores distintos dos nossos?

O primeiro o é focar nas possibilidades de diálogo com as pessoas conservadoras moderadas — com as quais é possível estabelecer conversas e ter uma prática política comum —, ou seja, com um grupo social do espectro político-ideológico que está em disputa e que ainda é a maioria no país.

O livro Comunicação de Causas: reflexões e provocações para novas narrativas, lançado em setembro, pela Fundação Tide Setubal, em parceria com o Instituto Alana e com a Rede Narrativas, sintetiza o desafio: “A mudança de chave aqui é de, ao invés de pensar o que é preciso ser dito para convencer a outra pessoa, simplesmente escutá-la e, a partir da conexão gerada, criar possibilidades de ter suas ideias consideradas, e também de ser afetado pela perspectiva dela.”.

Desdobramento da pesquisa citada no início deste texto, a nova publicação, resultado de entrevistas com especialistas e de um trabalho de reflexão e criação realizado por um grupo de comunicadores, contextualiza o problema, apontando tendências e práticas da comunicação de causas que dinamizam cada polo e que representam os desafios para o diálogo, isto é, a conversa franca, que não necessariamente tem a ver com a concordância de ideias, mas indica caminhos possíveis e faz as partes progredirem, ao o que a intolerância, polarizante em si, produz inércia e imobilidade, quando não o atraso.

Uma das contribuições da obra é apontar, ao final, seis os práticos para uma abordagem que possibilita a criação de novas narrativas. Destaco aqui alguns pontos com o objetivo de provocar a reflexão.

Primeiramente, pode-se começar pelo exercício de ouvir o interlocutor de ideias diversas, num diálogo que tenha a escuta ativa, verdadeira, como pontos de partida e de chegada. Para que isso aconteça, não basta sentar-se e convidar o outro a ouvir o seu ponto de vista — como ocorreu em 2018 naquilo que ficou conhecido como “vira-voto”. É necessário se afastar de preconceitos e atribuir valor ao que o outro tem em sua experiência, despertando a conexão concreta com temas e vivências cotidianas das pessoas.

O segundo caminho mostra que, para fortalecer uma postura de abertura ao outro, é indispensável gerar os pontos de encontro e intersecção, valores em comum que possam trazer outros temas a serem trabalhados. Um exemplo é o conceito de “família”, comumente entendido como um valor exclusivo do campo conservador, mas que é algo importante também para os progressistas.

Um terceiro o pode ser o exercício de abertura à troca, quase como um aprofundamento dos dois caminhos apontados até aqui, com uma postura que indique uma posição de respeito em relação ao que a outra pessoa pensa, e não de persuasão. Isso pode se dar pelo simples ato de perguntar mais e afirmar menos.

A quarta rota trata de usar linguagem simples e direta, evitar academicismos, chavões e termos muito específicos da esquerda, como “patriarcado” e “militância”. É preciso também segmentar a conversa e tratar a agenda por partes, sem necessariamente abordar toda a complexidade de uma só vez. Nas palavras do pastor Henrique Vieira: “não se trata de uma perspectiva colonizadora do pensamento, mas de entradas para o diálogo”.

O último recurso a pelo uso de vocabulário complementar que se aproxime da experiência da outra pessoa e de recursos visuais, como metáforas, comparações fáceis com situações do dia a dia, ou o humor.

Esse desafio é tamanho que inspirou a Fundação Tide Setubal a criar, ao lado do Despolarize, a série de vídeos ‘Despolarize’, disponível no Canal Enfrente. São quatro episódios com simulações claras de situações cotidianas de polarização de visões, acompanhadas de explicações de especialistas. Cada episódio apresenta as diferentes armadilhas presentes na nossa forma de comunicação e expressão, que polarizam o diálogo, transformando-o muitas vezes em conflito.

Esse é um debate complexo, atual e cercado por visões e pensamentos distintos, de modo que este artigo não guarda a pretensão de encerrar a discussão ou de servir de guia, mas constitui uma pequena contribuição para esta torre de babel muito maior, que hoje vai da mais alta reunião de cúpula da ONU até a mais remota cidade do interior desse Brasil continental.

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Sobre a autora:

Fernanda Nobre é jornalista formada pela FIAM – Faculdades Integradas Alcântara Machado, pós-graduada em Jornalismo Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). Na Fundação Getúlio Vargas, aperfeiçoou-se em Advocacy e Políticas Públicas: Teorias e Práticas. Atuou como coordenadora de comunicação na Fundação Gol de Letra e Instituto Sou da Paz. Atualmente, ocupa o cargo de gerente de comunicação na Fundação Tide Setubal.