Voluntários ajudam refugiados venezuelanos que vivem nas ruas

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Por meio da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, profissionais da saúde são voluntários para ajudar refugiados venezuelanos que buscam uma vida melhor no Brasil

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Voluntários do ADRA Brasil atendendo refugiados/ Foto: ADRA Brasil

A realidade dos refugiados venezuelanos que vieram ao Brasil em busca de regularização e melhores condições de vida se tornou um pesadelo. As ruas se tornaram sua morada. Pedaços de papelão se transformaram em cobertores. O estômago só recebe comida uma vez ao dia. Muitos estão doentes, sem condições de receber um atendimento adequado. Muitos desses imigrantes estão em Pacaraima, no norte de Roraima, fronteira com a Venezuela.

A fim de amenizar a situação precária desse grupo, profissionais da saúde se voluntariaram para ajudá-los por meio de um projeto da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA). São médicos, dentistas e enfermeiros, unidos pelo único objetivo de apoiar a força-tarefa de logística humanitária na resposta à crise migratória tanto em Boa Vista quanto em Pacaraima.

Fronteira

Em pé, na linha divisória do Brasil com a Venezuela, o médico cardiologista intensivista Klaus Kle avistava dezenas de migrantes e refugiados venezuelanos em direção ao Brasil. Com a fronteira fechada, a alternativa era o campo. O olhar do médico fixou um grupo provido de malas improvisadas, colchões e poucos pertences. Entre os andarilhos, pessoas com deficiência, idosos e crianças expostos à insalubridade e ao perigo da difícil travessia.

Quando o grupo cruzou para o Brasil, um batalhão do Exército Brasileiro o aguardava do outro lado, distribuídos numa cerca imaginária. Por alguns instantes, aflito, o médico prendeu a respiração, observando o que iria acontecer. “Para minha surpresa, o batalhão do exército conduziu o grupo para debaixo de um toldo, para que não tomassem sol, e pegaram as identificações das pessoas. O grupo recebeu alimentação, tomou vacinas, medicações e foi encaminhado para algum dos alojamentos. Isso me tocou muito, porque aquele batalhão estava sendo os braços de Jesus para acolher aquelas pessoas”, conta Kle.

Esta é a sexta missão do cardiologista, que já se programa para mais uma atividade semelhante num futuro próximo. “Essas pessoas precisam ser acolhidas, recebidas e, muitas vezes, consoladas até espiritualmente”, pontua.

Uma semana de atendimentos

Os profissionais da saúde atenderam cerca de mil pessoas durante os sete dias de atuação, em áreas como oftalmologia, cardiologia, endocrinologia, odontologia, pediatria, entre outras. Também foram realizados exames, como eletrocardiograma com laudo, treinamento em EGC, ultrassom, e procedimentos odontológicos, como restauração de resina, limpeza, drenagem de abcesso, além de outros atendimentos.

O oftalmologista Everton Paroschi se deslocou do Paraná para participar do voluntariado. “É deprimente ver aquele povo todo sofrendo, morando na rua. Eu pude atendê-los na minha área, numa tentativa de amenizar a situação”, revela.

Refugiados diplomados

Já a dentista Aline Lopes, que reside em Brasília, participa pela segunda vez desse tipo de ação. “Nunca esperei viver algo tão forte e impactante. Saber que nossos irmãos venezuelanos estão fugindo do seu país em busca de alimento e uma nova vida, se submetendo a tanta dificuldade, fome, sede, frio, humilhação… muitos andam mais de mil quilômetros a pé por sobrevivência. É algo que impacta a nossa vida, e nos move para ajudá-los”, conta, comovida.

Aline conta que algo que lhe chamou muito a atenção são os profissionais formados que estão entre os refugiados venezuelanos. São médicos, advogados, professores e bombeiros. “São pessoas como você e eu, que deixaram tudo para trás para sobreviver”, reflete a dentista.

O maior desafio de Aline foi oferecer tratamento dentário completo, já que os recursos disponíveis eram escassos. “O número de pacientes era grande e precisávamos ser rápidos e eficazes, retirando aqueles dentes com maiores dores e infecções e restaurando os posteriores, para não comprometer a estética dentária”, explica.

Refeições quentes

A coordenadora da atividade, a enfermeira Rafaela Reis, destaca que o apoio do Exército Brasileiro foi fundamental. “A missão só foi possível por causa da parceria entre a ADRA e a Força-Tarefa Logística Humanitária (FT Log Hum). A ADRA realizou a mobilização dos voluntários, captação de recursos para a aquisição dos equipamentos e instrumentais odontológicos e a coordenação da missão, sendo que a força-tarefa se encarregou de toda a logística de alojamento, alimentação e transporte”, compartilha a coordenadora.

Além destas ações, a ADRA mantém projetos regulares na localidade, como o “Refeições Quentes”. A iniciativa atende cerca de duas mil pessoas diariamente por meio de um prato de alimento quente, de domingo a quinta-feira, em diferentes locais, como na Rodoviária de Boa Vista – PRA e em abrigos onde vivem pessoas em situação de rua e indocumentadas, que não têm o a emprego e moradia para produzir o próprio alimento.

Para garantir que esses alimentos cheguem aos necessitados, cerca de dez pessoas contribuem no preparo das refeições (almoço e jantar). Todo o processo é acompanhado por um nutricionista, desde a elaboração do cardápio até o prato do beneficiário. Esse acompanhamento existe para garantir a qualidade dos alimentos e o valor nutricional de quem vai consumi-lo.

A alimentação oferecida aos beneficiários é equilibrada e segue o regime ovolactovegetariano. Os recursos são próprios da ADRA, que também conta com doações da comunidade e estabelecimentos comerciais. Mesmo diante de grandes desafios, com essa iniciativa, a equipe da ADRA Roraima serviu mais de 320 mil refeições entre janeiro e setembro de 2021. Além disso, a agência desenvolve atividades que oferecem oportunidades aos beneficiados por meio de outras ações.

Missão 

Ellen Ferreira é médica endocrinologista. Em uma das noites da missão que participou, após aos atendimentos do dia, ela e mais dois voluntários se juntaram ao grupo que serve refeições quentes. “Foi meu momento mais difícil na missão. Nessa noite servimos 750 pessoas. Famílias inteiras. Desde idosos a bebês de colo. Percebi que estávamos servindo uma comida de excelente qualidade. Bem feita, quentinha. Mas saber que aquelas pessoas não tinham outra opção e que muitas delas estavam fazendo sua única refeição do dia, foi devastador para mim”, relembra, emocionada.

A endocrinologista também comenta que foi difícil segurar as lágrimas. “Poucas vezes na vida me senti tão pequena e tão insignificante como naquele momento. Não tem como não repensar a vida e enxergá-la com outros olhos. O simples ato de abrir minha geladeira em casa e escolher o que vou comer é um grande privilégio”, salienta.


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