Terceiro setor precisa ler nova realidade para se conectar com o público
VoluntariadoNo Festival ABCR 2022, organizações do terceiro setor debateram estratégias para se comunicar e engajar a população

Por Juliana Lima
Nos dias 27 e 28 de junho, aconteceu em São Paulo o Festival ABCR 2022. O evento, organizado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), reuniu organizações do terceiro setor de todo o país para debater o futuro pós-pandemia. Entre os maiores desafios do setor, foi citada a necessidade de se adaptar aos novos desafios sociais e engajar ainda mais a população.
Para grande parte das organizações, a pandemia foi um momento de grande visibilidade. Diante da crise na saúde pública e também na economia, o terceiro setor agiu emergencialmente para atenuar problemas como a pobreza e a fome. Nesse período, a solidariedade do brasileiro ganhou destaque.
Segundo a plataforma Atados, que facilita o engajamento no voluntariado ao conectar pessoas e organizações, 2021 teve um aumento de 15% nas inscrições para trabalho voluntário em relação a 2020. Já um estudo do Itaú Social e Instituto Unibanco, realizado pelo Datafolha, pontua que o voluntariado no Brasil é maior em tempos de crise. A pesquisa revela, por exemplo, que 47% dos brasileiros afirmaram doar mais alimentos durante a pandemia.
No entanto, outra situação vivida pelo terceiro setor no último ano foi a queda no engajamento, tanto de voluntários como de doadores. O cansaço gerado pelo prolongamento da pandemia fez com que as organizações precisassem se reinventar mais uma vez, inclusive para conquistar novos públicos. Para muitas delas, isso ou pela comunicação.
Como engajar o público
Em sua palestra sobre engajamento social no Festival ABCR 2022, a consultora e escritora Giuliana Preziosi falou como a quantidade de informações presentes no cotidiano atual, principalmente nas redes sociais, aliada ao modo “piloto automático” que as pessoas adotam naturalmente é um desafio a ser trabalhado na comunicação do terceiro setor.
Ela explicou que o engajamento real está ligado aos sentimentos e sensações. Dessa forma, as organizações precisam trabalhar de forma a inspirar as pessoas e se conectar com suas emoções, já que apenas os dados – por mais relevantes ou preocupantes que sejam – podem ar despercebidos diante de tantas outras notícias e informações.
A ideia de gerar emoções no público, no entanto, pode esbarrar em estereótipos ou em processos de “revitimização”, ou seja, expor a situação da vítima de algo e acabar constrangendo-a ainda mais. Foi sobre isso que a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) falou em sua palestra no Festival ABCR 2022.
Por muito tempo, a MSF, que é uma organização internacional, esteve ligada a imagens de crianças negras, africanas, extremamente magras e doentes, sendo ajudadas por médicos brancos, europeus ou americanos. No Brasil, essa imagem externa só começou a ser repensada quando a organização começou a trabalhar questões de inclusão e diversidade dentro de sua equipe.
Leanne Neale, responsável pela área de captação de recursos, explicou que foi um processo demorado para renovar a comunicação da Médicos Sem Fronteiras no Brasil. Nesse processo, eles perceberam que menos de 20% de seus doadores são pessoas negras – o que foi encarado como um problema, já que os negros somam mais da metade da população brasileira. “Será que as pessoas não se viam na nossa organização e por isso não se conectavam com ela?”, pontuou.
A sociedade como parte do setor
Trazer as pessoas para dentro das organizações, partindo de uma perspectiva de inclusão e diversidade, também foi um ponto debatido por Luana Gênot, do Instituto Identidades do Brasil. Segundo ela, as narrativas contadas pelo terceiro setor precisam ser sobre as pessoas que ele ajuda, “sem esquecer de seus nomes e rostos”.
A especialista falou ainda que para que o setor seja realmente parte da luta antirracista no Brasil, ele precisa incluir pessoas negras e indígenas em suas gestões e tomadas de decisões. “Nós somos a maior parte da população beneficiada pelas ações, mas nós não queremos só isso. Nós queremos ter a caneta na mão”, disse.