Racismo histórico: Brasil já proibiu jogadores negros na seleção de futebol
Em 1921, o então presidente da República, Epitácio Pessoa, decidiu que a seleção de futebol deveria excluir jogadores negros

No dia 3 de outubro de 1920, o diário sensacionalista “La Critica” publicou uma charge abominável mostrando um time de macacos com a camisa da seleção brasileira, sob o título “Macacos em Buenos Aires” e o subtítulo “Uma saudação aos ilustres hóspedes”. No texto repleto de ofensas racistas que acompanhava o desenho, o jornal dizia que a partida deveria terminar antes do anoitecer para que os brasileiros pudessem ser vistos. “Os brasileiros são pessoas de cor que se vestem como nós e pretendem se confundir à raça americana”, publicou o “La critica”.
Devido a uma chuva forte, a partida foi adiada para o dia 6, o que deu tempo para que o jornal chegasse às mãos do elenco. Revoltados, os atletas foram à sede do “La crítica” protestar contra o jornalista Antonio Palacio e o ilustrador Diógenes Taborda. Vários integrantes do time se negaram a participar do amistoso, mas a Confederação Brasileira de Desportos (anterior à CBD) não entrou no boicote e colocou até dirigente em campo, no estádio Sportivo Barracas. Ainda mais desfalcado, o Brasil perdeu por 3 a 1. Há quem diga que aquele foi o início da conhecida rivalidade entre as duas seleções.
Como se não bastasse o constrangimento vivido em Buenos Aires, aquela charge ecoaria no Brasil de forma lamentável. Em 1921, o torneio que daria origem à Copa América aconteceria justamente na Argentina, no mês de outubro. Em setembro, o jornal “Correio da Manhã” publicou que a CBD queria evitar “animosidades” com os vizinhos e discutia internamente se deveria enviar jogadores negros ao torneio. O caso chegou a ser levado ao então presidente da República, Epitácio Pessoa, que decidiu excluir da seleção os atletas com ascendência africana. A justificativa era preservar a reputação do país no exterior.
Epitácio Pessoa não transformou a recomendação em decreto oficial, e nunca itiu a interferência. “A gente pode não achar documentos, mas o maior jogador brasileiro na época era mestiço e não foi convocado. Então aquilo aconteceu”, diz Carvalho. Friedenreich, que ao longo da carreira marcou 595 gols em 605 jogos – média maior que a de Pelé – estava fora.
Mesmo tratando-se do início do século 20 – apenas 33 anos após a Lei Áurea – a medida foi criticada. O Jornal O País denunciou: “Os senhores absolutos do esporte, num golpe reprovável, sem base, antiesportivo, excluem do quadro nacional os negros e mulatos”.
O escritor Lima Barreto – que era negro – abordou a questão em uma crônica: “O football é eminentemente um fator de dissensão. Agora mesmo, ele acaba de dar provas disso com a organização de turmas de jogadores que vão à Argentina atirar bolas com os pés, de cá para lá, em disputa internacional. O Correio da Manhã aludiu ao caso. Ei-lo: ‘O Sacro Colégio de Football (a CBD) reuniu-se em sessão secreta, para decidir se podiam ser levados a Buenos Aires, campeões que tivessem, nas veias, algum bocado de sangue negro — homens de cor, enfim. (…) O conchavo não chegou a um acordo e consultou o papa, no caso, o eminente senhor presidente da República. Foi sua resolução de que gente tão ordinária e comprometedora não devia figurar nas exportáveis turmas de jogadores; lá fora, acrescentou, não se precisava saber que tínhamos no Brasil semelhante esterco humano.”
Com o time inteiramente branco, o Brasil não se saiu bem, e perdeu o torneio mais uma vez.
Diante da inferioridade técnica da equipe, em 1922 a CBD voltou a convocar os atletas negros. Mas não foi uma medida antirracista. “A entrada dos negros no futebol se dá puramente pelas capacidades técnicas e possibilidades de vitória que esses jogadores proporcionavam, é muito pouco ligada ao não racismo, à virada de chave contra o racismo”, afirma Carvalho.
Naquele ano, o Brasil sediou o Sul-Americano pela segunda vez. Com os jogadores negros de volta, a Seleção sagrou-se bicampeã.
Fontes: DW Made for Minds e O Globo