Projeto da USP capacita jovens de baixa renda na área tecnológica
O Projeto Paideia atua para promover a entrada de jovens de baixa renda no mercado de trabalho. Curso tem duração de 1 ano e já formou 90 alunos

Por: Mariana Lima
Em 2017, a professora Tereza Cristina Carvalho, do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP, deu um o em direção ao objetivo de tornar a área da tecnologia mais igualitária. Quatro anos depois, 90 jovens de baixa renda da Grande São Paulo encontraram novos rumos por causa deste o.
Inspirada no conceito de formação dos gregos, que envolvia formar cidadãos completos, capazes de desempenhar um papel positivo na sociedade, Tereza Cristina desenvolveu o Projeto Paideia – Pró-Profissão em Tecnologia da Informação, que capacita jovens vulneráveis nas áreas de microinformática, programação computacional básica e relacionamento profissional.
A iniciativa tem base no Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) da Escola Politécnica (Poli-USP), com e do Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (CEDIR), ambos coordenados por Tereza Cristina.
Destinado a jovens entre 16 e 20 anos que estão cursando ou que concluíram o Ensino Médio, o Paideia atua para fortalecer a entrada destes jovens no mercado de trabalho. “Mesmo se não seguirem na área da tecnologia, eles recebem uma base essencial na sociedade de hoje”, destaca a coordenadora do Paideia.
O projeto ganhou corpo ao firmar uma parceria com a ReUrbi – Recicladora Urbana, que já acompanhava o trabalho de Tereza Cristina com o CEDIR. A parceria possibilitou a reforma do espaço que abriga o Paideia no LASSU, que, além da sala de aula, oferece um acervo técnico para os estudantes.
Com o espaço pronto, bastava receber os alunos. O que a professora Tereza Cristina não poderia imaginar era como a formação da primeira turma deixaria lições fundamentais para a organização do projeto.
“Foi uma turma de 18 alunos, na qual apenas 13 se formaram. Começamos pressupondo que eles tinham uma base, mas não era assim. A primeira turma mostrou que era necessário ensinar informática básica e educação financeira. Eles vinham com muitas lacunas, principalmente em matemática, o que dificultava entender a programação”, relembra.
As adaptações foram sendo feitas nas turmas seguintes e fortalecidas com a chegada de novos apoios, como o do Instituto IT Mídia e do Projeto os Mágicos. Desde então, os resultados foram melhorando.
Na primeira turma, as meninas representavam 7% dos participantes. Hoje, elas correspondem a 41% dos estudantes. E a taxa de desistência caiu para 19%.
Uma das estudantes que evidencia essa busca pela paridade de gênero é Samara Machado, de 21 anos. Mesmo ser ter um contato prévio com a área de tecnologia, ela tinha interesse em conhecer o setor. A aprovação foi recebida com surpresa. “Estava curiosa para me reinventar e, de certa forma, me atualizar junto com a Era Tecnológica”, revela.
Samara contou com o apoio da equipe de seu trabalho para conseguir conciliar o emprego com a nova rotina de estudos. Ela trabalhava das 8h às 13h, tendo de estar no Paideia às 14h. Chegava em sua casa, na Zona Sul de São Paulo, às 19h30.
“Era puxado, mas estar ali, no campus da USP, foi muito gratificante para a minha jornada. Foi tudo muito novo e considero que foi um divisor de águas para a minha visão acadêmica. Mesmo com dificuldade em alguns conteúdos, tinha o e dos coordenadores para conseguir acompanhar”, conta.
A dedicação de Samara deu resultado. Além do certificado da Poli-USP, ela conseguiu uma bolsa na Faculdade de Informática e istração Paulista (FIAP), por meio do Instituto It Mídia, parceiro do Paideia, que tem um programa para estimular a capacitação de jovens de baixa renda no Ensino Superior.
“O Paideia me deu a confiança para seguir nesta área. Eu tinha o interesse, mas não me sentia totalmente segura para migrar para outra área sem nenhum conhecimento adquirido. O programa me empoderou do início ao fim para continuar seguindo nessa jornada”, conta Samara.

Dos 90 alunos formados pelo projeto, 46% foram aprovados para cursar o Ensino Superior, 61,5% pretendem continuar na área da tecnologia e 38,5% já estão empregados na área.
“Os jovens de baixa renda recebem poucas motivações para se interessarem pela tecnologia. É colocado como algo distante. Mesmo que eles não sigam nessa carreira após a formação, o curso transmite muito mais do que apenas o conhecimento tecnológico. Ajuda na construção da disciplina do estudo; mostra a importância do esforço e de acreditar na sua capacidade”, pontua Tereza Cristina.
Hoje, a formação está dividida em três trilhas: Sustentabilidade e Inovação Empresarial, abordando matemática financeira e empreendedorismo; Computação e Conectividade, abordando os princípios e a infraestrutura da área de TI; e Programação, que trabalha desde a informática básica até o desenvolvimento WEB. O curso é ministrado por dez professores externos e internos da USP e especialistas no setor.
“É maravilhoso ver como eles crescem. Tem um aluno que trabalhava como vendedor ambulante para sustentar a família e agora faz parte de um projeto de pesquisa da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Isso só mostra que muitos jovens precisam que você abra a porta para mostrar que eles podem ar”.
Um dos jovens que viu a porta aberta foi Vinicius Mendes, de 23 anos, que hoje trabalha como Analista de Sistemas. Morador da Zona Oeste de São Paulo, Vinicius tinha o hábito de acompanhar as notícias da Cidade Universitária devido à proximidade com o local. Foi quando descobriu o Paideia. Apesar do interesse pela área da tecnologia, Vinicius ainda não tinha encontrado oportunidades de se qualificar.
“Quando você procura um curso desse nível são sempre pagos e caros. O Paideia, além de oferecer uma formação ampla e gratuita, tem uma estrutura muito boa. Não era a tecnologia isolada. Os professores traziam questões sociais e de sustentabilidade, nos fazendo olhar para a cadeia toda. Até então, eu não sabia que a tecnologia impactava nessas áreas”.
Quem compartilha da mesma visão é Matheus Santiago, de 20 anos, morador do Grajaú, distrito da periferia da capital paulista. Matheus e Vinicius atuam como pesquisadores na Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Junto com dois professores do Paideia, eles desenvolvem uma pesquisa sobre otimização de máquinas e configuração de redes para a transferências de arquivos em alta velocidade.
Ser pesquisador não estava nos planos de Matheus. E a bolsa oferecida pelo Instituo IT Mídia na FIAP para cursar Defesas Cibernéticas era algo que, antes do Paideia, não ava pela sua imaginação.
“Quando um amigo meu me indicou o curso, eu sabia que não podia perder a chance de participar. Achei que o curso não seria muito bom por ser gratuito, mas quando eu cheguei lá encontrei professores dedicados, uma abordagem diversificada e o a todos os equipamentos necessários. É fundamental ter mais iniciativas assim”, conta.

Programação discutida por tela
Com duração de um ano e realizada no período da tarde, a formação do Paideia continuou ocorrendo em meio à pandemia de Covid-19, mas no espaço online. Com a necessidade do isolamento social, a equipe do Paideia precisou atuar rápido para continuar alcançando os alunos.
O projeto oferece os equipamentos e demais recursos necessários para a formação no espaço físico da iniciativa. Como muitos alunos não tinham computador em casa, o Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (CEDIR), coordenado pela professora Tereza Cristina, montou computadores seminovos para distribuir entre os alunos.
“É muito difícil para os estudantes acompanharem as aulas pelo celular. Não conseguem rodar os programas necessários e cumprir as atividades. Muitos dividem o único aparelho com a família toda. Mas, com a atuação de resistência dos professores e o apoio de parceiros, conseguimos manter a formação online”, revela a professora Tereza Cristina.
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Este conteúdo foi produzido por meio de uma parceria entre o Observatório do Terceiro Setor e a ReUrbi – Recicladora Urbana.