O rádio na história da democracia: de produções culturais a usos políticos
O rádio foi o veículo de comunicação que circulou músicas veladas de oposição à ditadura e um importante meio de incitar manifestações políticas nas décadas de 30 e 40. No centenário do rádio, saiba momentos importantes de contribuição para a democracia

Por Julia Bonin
Chegado ao Brasil em 1922, o rádio tornou-se o principal veículo de comunicação de massa entre 1930 e 1960. Nessa época, não existia a televisão, e muito menos os celulares e a internet. Com quase dois terços da população analfabeta, eram poucos os que tinham o às notícias em jornais.
A difusão do rádio para a população permitiu o o a notícias, músicas, radionovelas, programas humorísticos, esportivos e de variedades de uma forma nunca antes imaginada. Mas, não somente na construção cultural do país, o rádio também teve participação na política do país e na história da democracia.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, a mobilização política foi feita por meio do rádio. Houve um embate entre as emissoras Record – paulista e apoiadora da volta de Júlio Prestes, eleito democraticamente, ao poder; e Philips – carioca e defensora da tomada de poder por Getúlio Vargas, que usava um discurso de defesa da nação. A Record, com alto falantes instalados em frente à empresa, veiculava discursos do movimento estudantil e mensagens patrióticas contra Vargas.
Em 1935, a criação da “Hora do Brasil” por Getúlio Vargas visava a divulgação dos principais acontecimentos da vida nacional. No entanto, Vargas usava o programa para falar diretamente ao povo, discursando e divulgando as realizações do seu governo. O programa diário só foi ser transmitido nacionalmente em 1939, quando o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) assume a produção. Luiz Ferraretto, pesquisador e autor de artigos e livros dedicados ao rádio e ao jornalismo, acredita que o programa, que hoje se chama Voz do Brasil, apresenta alguns problemas em relação ao seu uso político.
“Com transmissão flexibilizada e em um Estado democrático, programas como a Voz do Brasil têm utilidade, levando informações para a população a respeito do que ocorre na esfera istrativa do país. O problema não está na Voz em si, mas no tipo de uso dado ao programa. Foi manipulativo durante o Estado Novo e a Ditadura Militar. Tende a ser mais cidadão em tempos democráticos. Tendo em vista que vivemos em crise institucional desde meados da década ada, isso afeta relações entre poderes e sociedade”, aponta.
O especialista participou do programa Olhar da Cidadania, realizado pelo Observatório do Terceiro Setor em parceria com a rádio USP, que debateu a rádio e a realidade brasileira, com uma perspectiva atual sobre a democratização do rádio. Além dele, existem outros dois programas, Perspectiva e Brasil ODS, que também foram criados com o objetivo de difundir informações sobre direitos humanos e pautas sociais a todos.
Durante a Ditadura Militar, a Rádio Nacional, fundada em 1936, contou com discursos em defesa da democracia. O então deputado federal Rubens Paiva fez uso político da emissora para convocar estudantes e trabalhadores para mobilização pacífica contra o movimento golpista. “Está lançada inteiramente para todo o país o desafio: de um lado, a maioria do povo brasileiro desejando as reformas e desejando que a riqueza se distribua; os outros são os golpistas, que devem ser repelidos e, desta vez, definitivamente, para que o nosso país veja realmente o momento da sua libertação raiar”, dizia ele.
Ainda nessa época, era no rádio que as músicas veladas de oposição à ditadura circulavam. Metáforas, ironias e ambiguidades eram algumas das táticas para despistar os censores e fazer críticas ocultas ao regime. A famosa música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, foi uma dessas que aram despercebidas pelo controle do DIP. A letra é uma metáfora com a última ceia, mas, na verdade, fala sobre a perseguição e a falta de liberdade de expressão vivida durante o regime militar.