Movimento alerta sobre as más condições de trabalho dos entregadores

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Com uma rotina exaustiva, os entregadores de aplicativos am o dia rodando a cidade sem ter uma garantia de salário, alimentação e direitos

Movimento alerta sobre as más condições de trabalho dos entregadores
Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

Por: Júlia Pereira

No dia 21 de março deste ano, a luta dos entregadores de aplicativos ganhou maior notoriedade. Na data, Paulo Lima, também chamado de Galo, estava fazendo uma entrega pela Uber Eats, mas, em razão de um problema com a moto, não conseguiu finalizar o pedido.

Ele entrou em contato com o e do aplicativo, que garantiu que não haveria nenhum tipo de bloqueio por não ter conseguido fazer a entrega. No dia seguinte, no entanto, Galo viu que estava sim bloqueado da plataforma.

Foi então que ele decidiu relatar as condições de trabalho dos entregadores de aplicativos por meio de um vídeo, que viralizou nas redes sociais, e também criou um abaixo-assinado, que já conta com mais de 360 mil s e cobra das empresas a entrega de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e alimentação aos entregadores. O documento será anexado a um Projeto de Lei (PL) que prevê a regulamentação dos direitos da categoria.

As ações foram ganhando cada vez mais força, até que, dois dias antes das manifestações do dia 7 de junho, a luta ganhou nome: Movimento dos Entregadores Antifascistas.

O movimento

O termo “antifascista” foi adicionado ao nome do movimento, pois, segundo Galo, uma luta não está desvinculada da outra. “Não tem como você desatrelar a luta trabalhista da luta antifascista, da luta pela democracia. Se a gente não tiver um terreno bom para lutar, a gente não vai conseguir lutar”, diz.

Neste primeiro momento, o movimento pede às empresas que garantam alimentação aos entregadores que am grande parte do dia na rua fazendo as entregas.

“Os próximos [objetivos] são fazer com que os aplicativos reconheçam o vínculo empregatício do pessoal, mas isso está muito longe. Tem outras lutas muito mais próximas agora”, explica Galo.

Hoje, o movimento é composto por 40 entregadores e está presente em 11 unidades federativas: Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal.

Para aumentar a força e alcance do Movimento dos Entregadores Antifascistas, é necessário o apoio de cada vez mais entregadores. Porém, Galo relata que muitos deles ainda não entendem a luta que o movimento levanta.

Galo, integrante do Movimento dos Entregadores Antifascistas
Galo, integrante do Movimento dos Entregadores Antifascistas | Foto: Arquivo pessoal

“É um processo de formiga. Mexeram com a mente deles ao ponto de não entenderem a própria luta deles. Eles am pelas mesmas coisas que a gente a, então não tem por que eu ficar chateado com isso”, destaca.

Esse “processo de formiga” faz parte da política de rua que Galo faz. Mesmo tendo recebido diversos convites para se filiar a partidos ou se candidatar para cargos específicos, o integrante do Movimento dos Entregadores Antifascistas afirma que não pretende aceitar.

“Eu quero fazer política de rua igual Jesus Cristo fez, igual Mahatma Gandhi fez, igual Malcolm X fez, igual Martin Luther King fez, igual Zumbi dos Palmares fez. Tenho respeito pela política institucional, acho que realmente muda muitas coisas, mas a política de rua transforma o mundo”, ressalta Galo.

Desde que iniciou o movimento, Galo foi bloqueado oficialmente pela Uber Eats e entrou no bloqueio branco da Rappi e do iFood, quando o cadastro do entregador fica ativo, mas ele não recebe nenhum pedido.

Por isso, ou a trabalhar como motoboy particular sem depender das plataformas, mas continua na luta ao lado dos entregadores de aplicativos.

“Para mim, o sentimento é bom. Eu me sinto junto aos companheiros que lutaram pelas férias e foram perseguidos. Se o patrão tem algum problema comigo, significa que eu estou fazendo a coisa certa”, declara.

Breque dos Apps

No dia 1º de julho, os entregadores de aplicativos realizaram uma greve, chamada de “Breque dos Apps”, que consistiu na paralisação dos serviços como forma de reivindicar melhores condições de trabalho, como o aumento nas taxas de entrega e o fim de retaliação e bloqueios injustos nas plataformas.

“Uma das coisas positivas é que não tinha ninguém ali se sentindo empreendedor. Estava todo mundo se sentindo trabalhador, precisava lutar pelos seus direitos. Foi um momento mágico”, relembra Galo.

De acordo com Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as manifestações realizadas pelos entregadores de aplicativo mostram a força política dos trabalhadores.

“É um movimento de multidão, ele é horizontalizado. Não foi formado por grandes lideranças. Foi acontecendo via redes sociais. É um novo tipo de organização”, frisa a pesquisadora.

Uberização do trabalho

A luta dos entregadores de aplicativo é resultado da uberização, uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do trabalho. Por um lado, existe o processo de monopolização, em que poucas empresas controlam o trabalho de milhares de pessoas; por outro, existe uma informalização, ou seja, empregados sem garantia dos direitos e condições de trabalho.

As empresas transferem ao trabalhador todos os riscos e custos, e am a ter a possibilidade de usá-lo conforme a força de trabalho. “Isso traz uma série de benefícios para a empresa, porque ela não tem custo com pagamento de direitos e com pagamento da jornada de trabalho”, esclarece Ludmila.

Adicionado a tais condições, está um elemento novo: o gerenciamento algorítmico do trabalho, ferramenta utilizada para mapear constantemente a atividade da multidão de trabalhadores.

“O gerenciamento algorítmico do trabalho possibilita que você processe uma série de elementos e incorpore uma série de fatores para uma gestão cada vez mais aperfeiçoada da distribuição e do controle do trabalho”, explica.

A uberização está em disputa no mundo inteiro. Aqui no Brasil, mudanças na legislação acabam afetando a categoria, mesmo que de maneira indireta.

Segundo Ludmila, a reforma trabalhista de 2017 mudou a forma como o Estado se comporta diante das condições de trabalho e olha para o trabalho formal permitindo formas de informalização, como por meio do trabalho intermitente, considerado formal por meio de estatísticas, mas que impõe condições semelhantes às do informal, como jornada e remuneração variáveis.

“A reforma está criando instrumentos legais para possibilitar a uberização e a informalização do trabalho”, afirma.


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