Festival ABCR 2021 discute o perfil do doador brasileiro no pós-pandemia

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Em plenária do Festival ABCR 2021, especialistas do terceiro setor abordaram o perfil do doador brasileiro e o aumento na confiança em relação às OSCs, desde início da pandemia

Foto: Adobe Stock | Licenciado

Por: Mariana Lima

A pandemia mudou o comportamento dos brasileiros, incluindo na hora de doar. No Festival ABCR 2021, a plenária ‘Qual é o perfil do doador brasileiro depois da pandemia?’ buscou trazer alguns dados que podem auxiliar as organizações da sociedade civil a entenderem como os brasileiros doarão nos próximos anos.

Iniciando o debate, Paula Fabiani, CEO do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), apresentou dados do World Giving Index (Ranking Global de Solidariedade), da Charities Aid Foundation, que mostram como a pandemia mudou o cenário da doação no mundo.

Países europeus perderam espaço no Top 10 do Ranking para países do continente africano, como o Quênia e a Nigéria, segundo e terceiro lugar, respectivamente. Em primeiro lugar está a Indonésia, enquanto o Brasil se estabeleceu na 54ª posição, com aumento na “ajuda a desconhecidos” (63%) no último ano.

“Os países africanos alcançaram os primeiros lugares, empurrados, sobretudo, pela prática de ajudar desconhecidos, que atingiu recordes no mundo. Esse cenário ocorre porque os países menos desenvolvidos andaram mais na questão da doação e solidariedade do que os outros. Os países africanos, por exemplo, têm a prática da filosofia Ubuntu, que fala justamente da promoção da generosidade”, aponta Paula Fabiani.

Além das reflexões sobre o Ranking da Solidariedade, Fabiani trouxe dados preliminares da Pesquisa Doação Brasil, realizada pelo Instituto pela primeira vez em 2015.

“Entre 2015 e 2020, a principal mudança está nas causas que sensibilizam. Tivemos um aumento no ano ado na adesão ao combate à fome e pobreza, e uma diminuição nas causas de proteção à criança e idoso e, até mesmo, da saúde. O destaque para a pesquisa deste ano será a inclusão na população de rua entre os temas que sensibilizam, algo que não apareceu na edição de 2015”, informa.

Os resultados destacados apontam para um aumento na confiança da doação para coletivos que se mobilizam para ajudar e campanhas de pequenas iniciativas.

Para Renata Bourroul, consultora independente e Sócia-Consultora colaboradora da BETA Bourroul Associados Ltda e do IDIS, a pandemia é um divisor de águas para o cenário da doação no país.

“A pandemia criou um ambiente de doação atípico que confirmou coisas que já havíamos descoberto em 2015. O brasileiro é solidário e tem uma vocação para doar. Ele é empático às causas e está atento para a realidade que o cerca. A empatia se tornou um valor para o brasileiro. Ele vê uma pessoa em situação de rua ando fome e vai lá e doa; está mais confiante nas instituições. A questão agora é: como fortalecer isso?”, questiona.

Ela reforça que a cultura da doação é um aprendizado social e que não ocorre do dia para a noite. “A gente vivencia a experiência na prática e desenvolve princípios para se adaptar à realidade interna e externa. A pandemia foi cruel e desafiadora, mas deu espaço para a oportunidade de um aprendizado coletivo voltado para o apoio às instituições sociais”, revela Bourroul.

Na conversa, Joana Mortari, cocriadora e Membro do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação, destacou o papel da Sociedade Civil na pandemia, sendo um dos primeiros setores a agir. Para ela, essa rápida ação coletiva motivou o engajamento dos brasileiros para a doação.

“No Brasil, as pessoas saíram como uma guerrilha para apoiar as organizações, se colocando em risco para entregar o necessário a quem precisava. Não podemos confundir uma cultura assistencialista a uma ação de assistência necessária. Questionam muito se o brasileiro será mais solidário no pós-pandemia, mas o brasileiro já é solidário. O que está acontecendo agora é que ele está se tornando mais sensível à causa da doação”.

A cobertura realizada pela mídia desde o início da pandemia, destacando a atuação das organizações e coletivos entre os grupos vulneráveis, foi um dos fatores que pesaram para estabelecer uma maior confiança entre a população e as instituições.

“O aumento da confiança veio pelo destaque dos trabalhos realizados pelas organizações, deu mais coragem para doar. Você, como doador, dá um primeiro o ao incerto. É a resposta da ONG, que vem com a jornada do doador, que solidifica essa relação de confiança. O que vemos hoje é uma visibilidade das próprias organizações, que vai além da obrigação de transparência, que foca na necessidade de um relacionamento”, afirma.

O Movimento por uma Cultura da Doação estabeleceu 5 diretrizes para o fortalecimento da doação. Mortari, destaca a 2ª diretriz: Promover narrativas engajadoras.

“As organizações estão numa vertente de captar e nem sempre, ao fazer isso, promovem uma mudança de cultura. Às vezes, reforçamos padrões que não fortalecem uma nova cultura. Ao construir novas narrativas, as organizações conseguem ter um resultado positivo e promover uma reflexão do doador sobre a cultura de doação. As organizações precisam refletir sobre isso ao planejar as narrativas. Só assim elas serão engajadoras para a causa”.

Bourroul reforça a necessidade de se aliar a captação de recursos ao fomento da cultura da doação nas ações das organizações para que o setor tenha sustentabilidade financeira.

“O maior desafio é essa doação esporádica movida pela empatia que precisa ser convertida em uma doação mais prática e frequente. As organizações estão melhorando sua comunicação para a sociedade, combatendo as visões negativas que ainda cercam as instituições e causas sociais. Mas ainda há muito o que ser feito”.


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