Ensino remoto deve aumentar desigualdade educacional no Brasil
Com a suspensão das aulas presenciais para conter avanço do novo coronavírus, ensino remoto a a ser a única opção. Mas muitas crianças e jovens das camadas mais pobres da população não têm o regular à internet ou mesmo um aparelho disponível para usar no horário das aulas

Por: Júlia Pereira
Entre as preocupações sobre os efeitos do isolamento social, a educação ocupa um lugar importante. Com aulas suspensas nas escolas de todo o país, o ensino remoto tem sido a única opção viável.
Estados, municípios e as próprias gestões das unidades educacionais têm criado medidas para tentar garantir o o à educação a crianças, adolescentes e jovens neste momento.
Uma dessas medidas é a exibição de aulas em canais abertos de televisão. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), até o momento, dez estados e o Distrito Federal já estão transmitindo aulas pela TV aberta, enquanto quatro estão fechando parcerias com as emissoras.
A medida é uma das mais recomendadas por especialistas da educação, uma vez que apenas 3,3% dos domicílios do país não possuem televisão.
Outra medida que tem sido tomada por estados e municípios é a disponibilização de conteúdos didáticos na internet.
O número de domicílios com o à internet subiu de 74,9% em 2017 para 79,1% em 2018. Mesmo com a alta, o o às ferramentas tecnológicas no país ocorrem de forma heterogênea. O percentual de casas com computador, por exemplo, caiu de 43,4% em 2017 para 41,7% em 2018.
o às tecnologias afeta aprendizado
A desigualdade no o às ferramentas tecnológicas pode impactar diretamente as atividades escolares. A família de Val Silva é um exemplo disso. Moradora de São Paulo, ela tem três filhos em idade escolar – de 7, 8 e 10 anos – e apenas um celular em casa. As crianças, que estudam na rede pública, também não têm o a um computador.

“Eu sinto que esse é um ano que está perdido para os meus filhos. O pior de tudo é que o ensino deles é primário, é o ensino de tudo. Então, se essa base não for boa, eles vão ficar sempre atrasados”, diz Val.
O o também é dificultado uma vez que a internet disponível no aparelho de Val é do pacote de dados da operadora.
Val é manicure e, neste momento de pandemia, teve que interromper o atendimento às clientes, o que afeta a vida financeira da família, impedindo a contratação de uma rede Wi-Fi na casa, para o mais amplo aos conteúdos virtuais.
A Secretaria Estadual de Educação (SEE/SP) anunciou a criação do aplicativo gratuito CMSP — Centro de Mídias de SP. O uso de dados móveis do aplicativo será fornecido gratuitamente pela Secretaria.
No entanto, para baixar o aplicativo é necessário internet disponível pelo usuário. Val ressalta que o pacote de dados de abril já acabou, e que terá que aguardar até a renovação no próximo mês ar o serviço.
“Para pagar uma internet, eu vou estar tirando [o dinheiro] da alimentação deles [dos filhos]”, explica.
Em razão da dificuldade no o aos materiais virtuais, Val recorreu a um grupo do Facebook, pedindo aos membros doação de livros didáticos para que ela pudesse auxiliar os filhos no aprendizado, mas reconhece que não tem conhecimento dos métodos ideais de ensino.
Além dos materiais disponíveis no aplicativo, a SEE anunciou a transmissão de aulas na TV aberta, como também a entrega de materiais impressos aos alunos. No entanto, Val disse que não havia recebido nenhuma informação da escola dos filhos sobre essas alternativas, revelando outro problema neste momento: a falta de comunicação das unidades às famílias.
Dificuldades também são enfrentadas por professores
Os profissionais da educação também estão sentindo dificuldades na adaptação das atividades ao formato remoto neste momento. É o caso de Marcio Cavalcanti, da rede estadual de São Paulo.
O professor de História e Sociologia diz que os profissionais estão recebendo orientações vagas e genéricas a respeito de como devem seguir com as aulas neste período.
Marcio também ressalta os imes em atingir todos os alunos, uma vez que as realidades entre os estudantes são diferentes. “Esse cenário só aumentará as desigualdades de ‘capital humano’ entre as classes sociais, dificultando o o ao conhecimento”, comenta.
Cláudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (SINPEEM), também destaca as dificuldades sentidas por alunos, famílias e professores no ensino remoto.
“Eu tenho insistido com o governo que tem que reconhecer os limites tanto das crianças e das famílias quanto dos profissionais da Educação. Não podem gerar nenhuma punição por conta de dificuldade com materiais, logística, estrutura”, diz.
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP), assim como a Estadual, anunciou a distribuição de materiais didáticos aos alunos, que deverão ser entregues aos professores quando as aulas presenciais forem retomadas.
As aulas virtuais devem ser realizadas apenas como complemento às atividades dos materiais impressos.
Efeitos da pandemia na Educação
A consequência mais evidente da suspensão das aulas em razão da pandemia de Covid-19 é o aumento da desigualdade educacional.
“Possivelmente, os alunos mais afetados vão ser os que já têm maiores vulnerabilidades sociais e isso agrava ainda mais as desigualdades que a gente tem no país”, ressalta Thaiane Pereira, coordenadora de projetos do Todos pela Educação.
Para amenizar esse impacto na área, a retomada das aulas presenciais irá requerer maior atenção e certos ajustes. Os gestores deverão pensar em alternativas para serem realizadas a partir do retorno, como aulas especiais e de recuperação, por exemplo.
Um dos cenários que colaboram para a grande desigualdade educacional no Brasil é a tomada de decisões independentes por parte de secretarias. Estados e municípios têm articulado alternativas diferentes para a área da Educação, já que o Ministério da Educação (MEC) pouco tem atuado diante deste cenário de crise.
“Algo que fica evidente nesse momento de pandemia é o quão importante é a coordenação do sistema educacional como um todo, uma coisa que a gente ainda não tem no Brasil”, diz Thaiane.
Apesar das deficiências da área, especialistas e educadores ressaltam que o ensino remoto não deve substituir o presencial, mas que vai evidenciar a importância das escolas, professores e do ensino.
“A primeira ação [pós-pandemia] é o reconhecimento de que o melhor ambiente para se aprender é a escola, que não serão adotadas essas ferramentas como definitivas para afastar as crianças da unidade escolar e dos profissionais de educação”, diz Cláudio Fonseca, presidente do SINPEEM.
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