Empresas B transformam o lucro em impacto social positivo

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Modelo busca incentivar a adesão de empresas tradicionais às práticas de impacto social e ambiental e fortalecer as Empresas B já existentes, por meio da certificação

Empresas B fazem do lucro um meio para gerar impacto social positivo
Foto: Sistema B Brasil/Divulgação

Por: Mariana Lima

Empresas que buscam equilibrar propósito e lucro, pensando no impacto de suas decisões ao longo de sua cadeia interna e externa, sem ignorar os efeitos nas comunidades e no meio ambiente são classificadas como Empresas B (B faz referência a palavra “benefícios”).

O modelo vem se popularizando nos últimos anos, junto com o avanço do debate sobre a sigla ESG (Environmental, Social and Governance ou, em tradução livre, Ambiental, Social e Governança), que busca colocar esses três pontos como norte para empresas, negócios e investimentos.

Tanto o modelo de Empresas B quanto o ESG reforçam a importância das empresas como instrumentos para o desenvolvimento e avanço da sociedade, como explica Francine Lemos, diretora executiva do Sistema B Brasil.

“Ser uma Empresa B é ser parte de um movimento global que usa os negócios para a construção de uma economia mais inclusiva, equitativa e regenerativa para as pessoas e para o planeta. A implementação dessas práticas é essencial para a sobrevivência a longo prazo das corporações. Temos empresas B de diversos tamanhos e segmentos e, em comum, elas buscam resolver problemas sociais e/ou ambientais por meio de seus negócios, gerando impacto positivo para o mundo”, revela.

O Sistema B Brasil é um braço do B LAB, entidade sem fins lucrativos que surgiu em 2006 nos Estados Unidos. O modelo de negócio chegou em 2013 em solo brasileiro, trazido pelo empreendedor social Marcel Fukayama.

Francine pontua que o modelo B evidencia que não há como pensar no futuro de uma empresa sem levar em conta o bem-estar social e o impacto sustentável que pode gerar. Ela reforça que a pandemia da Covid-19 vem mostrando como as empresas B fazem diferença no mercado.

Não há como negar que a crise escancarada pela pandemia colocou de ponta cabeça o modelo social e econômico em que vivemos. Consequentemente, empresas que já reconheciam a importância de manter lucro e impacto no mesmo patamar foram menos afetadas. O Brasil pode se transformar no Vale do Silício do impacto e tem oportunidades ótimas para ser um mercado referência”, argumenta.

A importância da certificação

O Sistema B Brasil é responsável pela certificação das empresas no país, que hoje conta com 213 empresas B. A certificação é uma forma da empresa mostrar para a sociedade que está aliada com propósitos sociais e sustentáveis.

A primeira etapa é a realização da Avaliação de Impacto B (BIA), uma ferramenta gratuita disponibilizada no site do Sistema B que permite analisar e acompanhar a evolução da performance da empresa.

O processo de análise é dividido em cinco áreas: Governança, Trabalhadores, Clientes, Comunidade e Meio Ambiente. A certificação final corresponde à área mais forte da empresa dentre essas cinco. Em alguns casos, a empresa certificada ainda recebe a Best For The World, certificação voltada para as empresas que estão entre as 5% com as melhores notas na BIA.

É fundamental que as empresas interessadas tenham um propósito forte, incorporem as cláusulas B, sejam comprometidas com uma melhora contínua e atuem com interdependência. Vale pontuar que as empresas precisam ter mais de 12 meses de operação, uma vez que é necessário avaliar a atuação em períodos anteriores.

Após revisão das respostas e da documentação fornecida, realizada internamente pela Sistema B Brasil, a empresa recebe a sua pontuação e certificação, se for o caso.

Se a empresa tiver menos de 80 pontos, ela entra em um “Período de Melhorias”, sendo oferecido um tempo para que ela possa trabalhar a implementação de práticas e processos que a ajudem a atingir a pontuação mínima para a certificação. As empresas precisam realizar a recertificação a cada três anos, de forma a garantir que continuam atuando com base nos princípios B.

“Mais do que certificados, o movimento B deseja que as suas práticas sejam difundidas e que ocorra uma mudança de modelo econômico. Algumas empresas irão adotar essa postura por convicção e vocação, outras vão seguir práticas B para se encaixarem e há ainda as que só irão aderir após virar regra. Precisamos de engajamento de toda a sociedade e poder público para que um novo modelo econômico mais inclusivo e regenerativo funcione”, pontua Francine.

Ela reforça ser importante estimular empresas, independentemente do porte, a atuar pensando nessa nova economia.

“As Empresas B são evidências de que lucro e propósito caminham lado a lado, não são conceitos dicotômicos. Se espera muito mais de uma empresa no século XXI do que apenas gerar emprego e pagar impostos em dia. A capacidade de sobrevivência de uma empresa no futuro está diretamente ligada à forma como ela encara a sustentabilidade. Esse é um fator estratégico”, diz.

Impacto social e ambiental em destaque

A ReUrbi – Recicladora Urbana já nasceu como uma Empresa B antes mesmo do conceito chegar ao país. Desde 2012, a ReUrbi, utilizando a logística reversa de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), coleta, faz o inventário, a certificação, descaraterização de mídia e propriedade de equipamentos de TI e Telecomunicação (linha verde) descartados por empresas, fabricantes e instituições do Terceiro Setor.

Além de garantir o descarte correto desses materiais, a ReUrbi realiza uma avaliação dos equipamentos e peças para que possam ser utilizados em sua linha de computadores seminovos, a Remakker. Parte desses equipamentos é doada para projetos sociais de inclusão sociodigital, podendo ser de escolha da empresa que está descartando ou da própria ReUrbi.

Foto: Divulgação/Redes Sociais | Um dos projetos sociais apoiados pelo Instituto ReUrbi

Por meio da política de comodato, os projetos que recebem os equipamentos doados – proporcionais ao valor do descarte realizado – precisam apenas devolvê-los à ReUrbi quando estiverem em desuso. A política vem dando bons resultados, o que motivou a oficialização da proposta por meio da criação do Instituto ReUrbi.

“Quando o Sistema B chegou no país, encontrei neste modelo total sinergia com o meu pensamento como empresário. Empresas preocupadas em gerar não só lucro, mas impacto no meio ambiente e ações na área social”, conta Ronaldo Stabile, sócio fundador e CEO da ReUrbi.

Em 2021, a empresa conquistou sua 6ª certificação como Empresa Best For The World. Stabile reforça que a certificação foi essencial para transmitir confiança aos clientes.

“Nossa busca por aumentar essa pontuação e melhorias em nossas ações se tornou constante. Isso com certeza possibilitou a alavancagem em nossos objetivos de ampliar Projetos Sociais e Impacto Social”, pontua.

A ReUrbi já coletou, inventariou e certificou até 2020 mais de 1.300 toneladas de equipamentos eletrônicos de TI e Telecomunicações. Através do processo de Logística Reversa, a empresa evitou a emissão de mais de 2 mil toneladas de Gases de Efeito Estufa (GHG), o equivalente ao plantio de 17,5 mil árvores e mais de 15.000 kg de Metais Tóxicos.

No total foram produzidos mais de 23.000 Equipamentos de TI seminovos Remakker, incentivando a Economia Circular e o Consumo Consciente, enquanto mais de 80 projetos de inclusão sociodigital receberam mais de 1.600 equipamentos da marca por meio de doação em comodato, impactando socialmente 63.000 pessoas.

Revistas que geram impacto social

A Editora MOL já surgiu com pés firmes no impacto social. Com um projeto de produtos socioeditoriais, a Mol atua para fortalecer as organizações do Terceiro Setor. Explorando um nicho até então ignorado – o varejo –, a editora conseguiu construir uma base forte de consumidores e parceiros interessados em desenvolver produtos nessa linha para gerar impacto social.

Sabe aquela revista no caixa da farmácia? É um produto da MOL. A primeira foi a Revista Sorria, lançada em 2008, que teve todo o seu valor de comercialização direcionado para o GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer).

Nas primeiras três semanas após o lançamento, a revista vendeu 120 mil exemplares a R$ 2,50, em todas as lojas da rede Droga Raia e doou R$ 267 mil ao GRAACC, possibilitando a construção de um novo prédio para o hospital em 2013, segundo Rodrigo Pipponzi, fundador e diretor-executivo da MOL Editora.

“Nós rompemos com a estrutura. Foi uma aposta na época. Com bancas de jornais e livrarias fechando, nos apoiamos no varejo para vender e hoje estamos em mais locais do que estaríamos com as bancas. A missão da MOL é promover uma cultura de doação ao doar mais do que lucrar. A cada R$ 1 de lucro, R$ 5 são doados”, revela.

Foto: Divulgação

Desde 2008 já foram arrecadados e doados R$ 41 milhões, sendo que 130 ONGs e projetos sociais foram beneficiados ao longo deste período.

As empresas que buscam a MOL para desenvolver um produto socioeditorial podem escolher a organização ou projetos beneficiados. Em alguns casos, é aberto um edital para selecionar as iniciativas beneficiárias, no caso de parcerias contínuas.

A parceria com a Petz, rede de produtos para animais de estimação, por exemplo, é um dos casos de sucesso da editora: em quase 4 anos, a MOL doou para as ONGs e projetos de proteção animal apoiados pela Petz mais de R$ 1,8 milhão, resultado das vendas dos produtos socioeditoriais.

Calendários, livros de atividades, revistas, álbum de figurinhas e postais de descartáveis são alguns dos produtos desenvolvidos pela editora com as empresas.

“Antes, éramos nós correndo atrás das empresas com uma ideia maluca. Hoje, a aceitação é melhor em relação ao que estamos fazendo. A transparência, as práticas ESG e a popularização das empresas B mudaram a mentalidade do varejo. Gerar impacto é uma forma de fortalecer a confiança do consumidor na empresa e o varejo está vendo isso”, argumenta Pipponzi.

Por nascer com o propósito da doação, a MOL já sabia que era uma Empresa B mesmo que ainda não tivesse o selo. Mas isso mudou em 2018, quando conquistou a certificação, sendo duas vezes reconhecida como Best For The World.

“O selo é uma forma de falar com o mercado. Mostra que o que estamos fazendo é transparente e seguro. As pessoas ainda têm vergonha de ganhar dinheiro atuando no social, mas isso é necessário para conseguir profissionalizar. Temos muitos talentos no Terceiro Setor capazes de resolver problemas e que precisam de investimento, seja com ou sem fins lucrativos”, revela Pipponzi.

Ecoturismo em destaque

A Raízes – Desenvolvimento Sustentável atua há 15 anos pensando no ecoturismo sustentável e que contribui para a geração de oportunidades e renda entre as populações de comunidades tradicionais, explica Mariana Madureira, diretora e cofundadora do negócio social.

“O turismo é muito poderoso. Ele concentra uma gama variada de empregos e vários setores, como hospedagem e alimentação. Atuamos para estruturar uma intervenção nessas comunidades de forma a gerar um impacto positivo e ecológico. O turismo colabora com a valorização do lugar e ajuda a preservar a cultura, a gastronomia e o modo de vida local”, argumenta.

A Raízes realiza os projetos em caráter de cocriação junto com as empresas que buscam o negócio social e com os beneficiários da ação, de forma a respeitar os desejos das comunidades e criar soluções que façam sentido.

Os projetos criados buscam promover o turismo sustentável; o empreendedorismo e geração de renda; a equidade de gênero e empoderamento feminino; e a valorização das comunidades tradicionais através dos negócios coletivos.

“As empresas têm uma forma de trabalhar muita encaixotada que não faz sentido para um projeto social. A empresa propõe a criação de uma associação na comunidade, mas será que a comunidade quer isso? A gente propõe um espaço para o fluxo orgânico entre os desejos da comunidade e a disponibilidade da empresa”, conta Mariana Madureira.

Foto: Divulgação | Ação em Santa Luzia do Pará antes da pandemia.

Um dos projetos que mostra o impacto dessa metodologia é o “Dona do Meu Fluxo”, que surgiu de uma parceria com uma empresa de soluções menstruais que desejava doar coletores menstruais para mulheres em comunidades vulneráveis.

Ao longo do processo, a Raízes apontou que não bastava doar, era preciso conscientizar e fortalecer a autonomia das mulheres.

“Criamos modelos de workshops para dialogar sobre o que é a menstruação, uma vez que em cada lugar a experiência de menstruar é diferente. Foi necessário estruturar um conteúdo que fosse lúdico e divertido, que asse segurança para as mulheres falarem suas dúvidas”, explica Mariana.

Por ser um negócio social em que a maior parte dos colaboradores são mulheres, a Raízes busca atuar em prol do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 – igualdade de gênero, da Agenda 2030 da ONU.

“Fomos percebendo que o trabalho com as comunidades alcança mais as mulheres. Elas se envolvem mais nas propostas de empreendedorismo porque elas precisam dessas flexibilidades para conseguir cuidar da casa e dos filhos. Para elas, é mais uma questão de autoestima do que de renda porque elas se veem produzido algo significativo para a sua comunidade”, pondera a diretora da Raízes.

Nesse cenário, a certificação como Empresa B se mostrou um o natural para a Raízes. Certificado desde 2014, o negócio social também alcançou a certificação de Best for the World em 2021. Mariana ressalta ser fundamental não pensar no selo como o ponto final, mas como a chegada de um novo caminho.

“A ideia é a que a certificação seja uma motivação, que inspire os negócios e empresas a desenvolverem mais práticas sustentáveis e de impacto social. A pandemia vem acelerando essa percepção com as empresas falando muito sobre ESG, falando que continuar do jeito que está hoje já não é mais viável. Mas o caminho ainda é longo”, pontua.

Mariana argumenta que as empresas ainda investem muito pouco em projetos nesse sentido e que os apoios tendem a ser cortados em momentos de crise.

“Vejo os investimentos que temos hoje, vindo de empresas maiores, como compensatórios. Sentem a necessidade de terem esses projetos para compensar o impacto negativo que estão gerando.  O dinheiro investido no meio ambiente e no social é sempre bem-vindo, mas não dá para só compensar. Tem que mudar a forma de impacto”.

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Este conteúdo foi produzido por meio de uma parceria entre o Observatório do Terceiro Setor e a ReUrbi – Recicladora Urbana.


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