Solução do governo para rios contaminados é que indígenas não comam peixes

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Garimpo tem levado à contaminação de rios por mercúrio, o que tem afetado saúde dos indígenas. Em vez de aumentar controle sobre atividade de garimpeiros, governo sugeriu que indígenas Munduruku parem de comer peixes – base de sua alimentação há séculos

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

No ano ado, o garimpo movimentou, oficialmente, R$ 3,5 bilhões no município paraense de Itaituba, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). Em 2021, na metade do ano, as operações de garimpo já somavam mais de R$ 2,2 bilhões. Itaituba só perde para Paracatu (MG), base de operação da mineradora canadense Kinross.

Bilhões de lucros, mas um enorme prejuízo à natureza e aos povos indígenas. Toneladas de sedimentos que o garimpo despeja nas águas, junto com metais pesados, depois de derrubar árvores e cavar o solo da floresta com retroescavadeiras, estão fazendo estragos na natureza e na saúde dos indígenas.

Das 109 amostras de sangue dos indígenas, analisadas em um estudo comandado pelo neurologista Erik Jennings, apenas uma registrava nível de mercúrio considerado normal.

A solução óbvia de controlar o garimpo e combater o garimpo ilegal não foi mencionada. A opção sugerida pelo Ministério da Saúde? Os indígenas pararem de consumir peixes, principal fonte de alimentação dos povos há séculos.

Em 2021, pedidos de autorização para garimpo em território indígena bateram recorde – todos feitos por não indígenas.

A recomendação do Ministério da Saúde aparece em ofício encaminhado em abril ao Ministério Público Federal em Santarém (PA), em resposta ao alto nível de contaminação dos indígenas por mercúrio.

“Os profissionais dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas possuem papel de suma relevância para orientar a população quanto aos riscos e propor medidas de reeducação alimentar para reduzir a ingestão de mercúrio”, diz o documento. Em suas mais de 120 páginas, o documento reconhece a dificuldade de pôr a medida em prática, já que os peixes são a base da alimentação do povo Munduruku.

“Como é que as pessoas vão viver sem seu principal alimento? Não tem como”, reagiu a líder indígena Alessandra Korap Munduruku, depois de ler o ofício.

A interrupção imediata do garimpo já havia sido recomendada em outubro de 2020 por cientistas, a partir dos resultados preliminares de pesquisa sobre os impactos do mercúrio coordenada pelo médico Paulo Basta, da Fiocruz. A pesquisa detectou a presença de mercúrio em todas as amostras de cabelo recolhidas em aldeias mundurukus.

O relatório da pesquisa registra problemas nos testes de desenvolvimento cognitivo de 15,8% das crianças da etnia, no que seria a face mais perversa da doença.

Fonte: Piauí