Brasil tem 8 vezes mais famílias habilitadas à adoção do que crianças disponíveis

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São mais de 3 mil crianças e adolescentes acolhidos pelo Estado para mais de 33 mil famílias aptas à adoção. A restrição dos perfis de crianças e adolescentes desejados é o principal motivo para a longa fila de espera

Brasil tem 8 vezes mais famílias habilitadas à adoção do que crianças disponíveis
Foto: Adobe Stock | Licenciado

Por Ana Clara Godoi

O Brasil tem oito vezes mais famílias habilitadas à adoção do que crianças e adolescentes que procuram uma família. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, são 3.751 crianças e adolescentes acolhidos pelo estado, com poder familiar já destituído, e 33.046 famílias habilitadas à adoção.

A discrepância de um número para o outro se dá por diversas razões, entre elas a preferência que as famílias dão para crianças menores de oito anos. Entre as 3.751 crianças, mais de 2,6 mil tem mais de oito anos, apenas 279 tem até dois anos e 742 são adolescentes.

A faixa etária é a principal diferença entre as crianças e adolescentes disponíveis para adoção e os que são desejados. Para o juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça em assuntos da Infância e da Juventude do estado de São Paulo, Dr. Iberê de Castro Dias, a preferência está relacionada ao sonho e a idealização da maternidade e paternidade.

“É importante deixar claro que não existe nada de irregular, imoral ou antiético sobre as pessoas desejarem adotar crianças recém-nascidas. Cada um sabe qual é o seu sonho. Se quer ouvir a criança falar a primeira palavra, dar o primeiro o, isso é muito pessoal. Acho que essa preferência tem relação com isso”, defende ele.

Segundo o juiz, mitos sobre crianças maiores de oito anos já terem personalidade formada também dificultam a adoção dessa faixa etária. Além da idade, outros fatores que geralmente restringem o perfil dos potenciais adotados são ter deficiências graves e ter muitos irmãos.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2019 mostravam que 61,9% das famílias habilitadas à adoção não aceitam adotar irmãos. “É difícil adotar irmãos. [Há] a questão de adaptação e financeira também, pois o gasto com crianças envolve saúde, educação e lazer, e é bem alto”, conta Jhonatan Wiliantan, de 28 anos, que junto com seu marido, Daniel Rocha Braz, adotou cinco irmãos.

O casal de Rio Claro, no interior de São Paulo, tomou a decisão para evitar que os irmãos, que são primos de Jhonatan, fossem separados. Embora as crianças já tivessem vínculo com um dos pais, Jhonatan conta que a adaptação foi a parte mais difícil de todo o processo.

“Crianças com diferentes idades precisam de atenção bem diferentes, mas com o ar dos meses, as coisas foram se acertando. Hoje, não nos assustamos por serem cinco. Podemos dizer que vencemos”, diz.

O período de adaptação, formalmente chamado de estágio de convivência, durou por aproximadamente seis meses. As crianças aram a morar com os adotantes, enquanto as autoridades analisavam o vínculo formado entre o casal e as crianças.

“Nós éramos assistidos por todo trabalho em rede. O Centro de Referência da Assistência Social e o Conselho Tutelar faziam as visitas para ver se estava tudo em ordem em relação à educação, rotina e saúde das crianças”, explica Jhonatan.

Qualquer pessoa maior de 18 anos que tenha perfeito uso das faculdades mentais pode adotar no Brasil. A única restrição é a de que a diferença etária entre adotantes e adotados seja de no mínimo de 16 anos.

O processo de habilitação é iniciado através do envio dos documentos pessoais e da realização de estudos psicossociais para que as autoridades entendam quais são as condições emocionais do pretendente. Uma vez que a pessoa está habilitada, ela entra na fila de adoção. O tempo na fila vai ter relação com o local em que ela reside e o perfil da criança que ela pretende adotar – quanto mais o perfil, mais tempo a pessoa fica na fila.

Quando chega a vez desta pessoa, ela começa a ter contato com a criança, quando é iniciada a fase de aproximação. Depois, vem o estágio de convivência e se todas as necessidades da criança forem atendidas, a adoção é concretizada.

O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) recebeu um aperfeiçoamento nos últimos anos, ando a ter todos os principais dados de crianças, adolescentes e famílias habilitadas à adoção do país em um único sistema. A modernização foi realizada pelo Conselho Nacional de Justiça.

“Foi um enorme avanço para o sistema de proteção de crianças e adolescentes no Brasil. Primeiro, porque propicia uma visão nacional das situações, e assim, conseguimos perceber questões regionais, quais são as dificuldades de cada região, cada estado. Segundo, porque fornece dados para fins estatísticos muito mais confiáveis e seguros, e a partir deles, conseguimos desenvolver políticas públicas mais eficientes”, explica o Dr. Iberê de Castro Dias.

Além da digitalização de todas as Varas da Infância e Juventude do país, o SNA ganhou uma nova ferramenta para acelerar o processo de adoção no último mês. Agora, os pretendentes aptos poderão ver fotos e vídeos das crianças e adolescentes, desde que autorizado judicialmente.

O sistema faz uma busca ativa entre as crianças e adolescentes acolhidos, promovendo o encontro entre as famílias habilitadas que esgotaram a possibilidade de pretendentes compatíveis com o perfil que procuram.

Os interessados em adotar devem procurar a Vara da Infância e da Juventude do seu município.


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