Brasil registra 200 mil casos de violência sexual infantojuvenil em 5 anos
De 2017 a 2021, o Brasil registrou cerca de 200 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Somente agora em 2022 já foram contabilizadas 4.486 denúncias

Por Ana Clara Godoi
Entre 2017 e 2020, 180 mil crianças e adolescentes foram vítimas de violência sexual no Brasil. Em 2021, foram registradas 18.681 denúncias, segundo balanço da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. E apenas nos primeiros meses de 2022 já foram contabilizadas 4.486 denúncias.
Configura-se como violência sexual qualquer ato ou tentativa de ato sexual não consentido. O abuso é iniciado geralmente entre os 6 e 12 anos. 86% das violências são praticadas por conhecidos e 67% dos casos acontecem dentro das residências das vítimas.
As meninas são vítimas de 74% das violações, considerando todas as faixas etárias. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, divulgada em setembro de 2021, mostra que 20,1% das meninas já sofreram algum tipo de violência sexual, mais do que o dobro dos meninos (9%), que sofrem violência sexual majoritariamente dos 4 aos 8 anos.
“É possível notar sinais de violência sexual a partir da mudança de comportamento e alterações emocionais, como inquietação, raiva, tristeza e desinteresse em atividades do cotidiano, ou em atividades que antes demonstrava prazer em realizar”, explica Elda Vittorie Silva, psicóloga clínica com especialização em Terapia Cognitivo-comportamental.
Silva ainda destaca que, além dos pais manterem um diálogo aberto com as crianças e monitorarem seus dispositivos eletrônicos e redes sociais, a educação sexual é uma grande aliada na prevenção contra a violência sexual infantojuvenil, e deve ser introduzida “de maneira leve e lúdica a partir das primeiras interações com outras pessoas dentro ou fora do convívio familiar”.
“A educação sexual é um tema fundamental a ser abordado por pais de crianças e adolescentes, com o intuito de orientá-los em relação ao que chamamos de ‘áreas íntimas’ e ao contato que essa criança estabelece com os adultos e adolescentes, destacando nessas orientações o grau de intimidade que é permitido”, esclarece.
Estimativas apontam que de 20 a 35% dos agressores sexuais foram abusados sexualmente quando crianças. A psicóloga explica que o abuso sexual infantil causa um trauma que pode se manifestar no decorrer da vida adulta como uma repetição sintomática dessa violência, visto que o abuso interrompe o desenvolvimento saudável do indivíduo e interfere na maturação sexual, que deve ser vivida em cada uma das fases do desenvolvimento de maneira natural.
“Não é uma regra que todas as crianças que sofreram violência sexual se tornarão abusadores em potencial. Entretanto, as sequelas emocionais podem comprometer a saúde mental das vítimas, podendo se manifestar por meio de transtornos psicológicos ou psiquiátricos, ou dificuldade em se relacionar e confiar em outras pessoas”.
Segundo os dados do Disque 100, telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, só nos cinco primeiros meses de 2021 foram registrados seis mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. A advogada, professora de direito e diretora do Instituto Liberta, Luciana Temer, explica a importância da denúncia para que a violência acabe.
“A única violência que as pessoas têm constrangimento de ser vítimas é a violência sexual. Enquanto não rompemos com isso, a gente se cala, a gente não denuncia, e o abusador continua atuando impunemente. Nós somos uma sociedade permissiva com a violência sexual. Se o abusador faz algo e não acontece nada, ele continua fazendo isso.”
Com o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, houve um aumento nas subnotificações e muitos casos de violência sexual infantojuvenil não foram registrados. É o que mostram os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número de registros de boletins de ocorrência que denunciavam violência sexual contra crianças de até 4 anos caiu de 6.658, em 2019, para 5.140 em 2020.
Para Luciana Temer, a explicação dos números está no fato dos casos serem, em sua maioria, intrafamiliares. “A criança ficou presa em casa com o seu abusador, muitas vezes. O fato das crianças não terem ido pra escola foi um grande problema, porque na escola os professores às vezes identificam que a criança está sendo vítima de alguma violência, ou até mesmo a criança consegue pedir socorro para algum adulto.”
O Instituto Liberta, organização que atua na conscientização e combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, realizará uma eata virtual no dia 18 de maio, o Dia Nacional do Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente. A iniciativa tem o intuito de dar voz às pessoas que sofreram violência sexual quando eram crianças ou adolescentes.
O evento reunirá pessoas maiores de 18 anos que já sofreram violência sexual para quebrar o silêncio, através da campanha #AGORAVOCESABE, que consiste na gravação de um vídeo onde a vítima diz as seguintes frases: “Violência Sexual contra crianças e adolescentes é uma realidade. Eu fui vítima e agora você sabe.”
“A ideia dessa eata surgiu com a necessidade de quebrar o silêncio sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Como é que você quebra esse silêncio? Quando você acaba com o constrangimento de adultos que foram vítimas de algum tipo de violência sexual.”
A eata também tem como objetivo servir de instrumento para a luta por políticas públicas efetivas de enfrentamento à violência sexual, segundo a advogada. “Quando tivermos muitas pessoas caminhando nessa eata com a gente, vamos poder chegar nos deputados e deputadas, presidente e governadores desse país e dizer: agora você sabe. Qual é o seu plano concreto de enfrentamento dessa violência?”.
No site agoravocesabe.com.br, está disponível o material que explica ao público o que é a violência sexual e como saber se já foi vítima. Para as vítimas, há um espaço onde a campanha recebe os vídeos, que serão publicados sem revelar o nome de seus autores.
18 DE MAIO
18 de maio foi instituído como o Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, por meio da Lei 9.970/2000, em memória ao caso de Araceli Crespo. Em 18 de maio de 1973, a criança de apenas 8 anos de idade foi sequestrada, espancada, drogada, estuprada e morta.
A data existe para que todo o país se mobilize e promova ações que visem alertar a sociedade sobre a importância do combate à violência sexual infantojuvenil.
Denúncias podem ser feitas por meio do Disque 100. O canal de serviço gratuito funciona em todo o território nacional, 24 horas por dia, durante todos os dias da semana, inclusive feriados. Mais informações sobre a prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes podem ser encontradas na edição de 2021 da Cartilha Maio Laranja, do Governo Federal.
18/05/2022 @ 16:18
[…] Segundo dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 18.681 denúncias em 2021. E apenas nos primeiros meses de 2022, já foram contabilizadas 4.486 denúncias. […]