Aumento de investimentos para filantropia mostra relevância do setor no enfrentamento às desigualdades
Em artigo, a coordenadora do Censo e da área de Conhecimento do GIFE, Patrícia Kunrath, e o gerente de Programas do GIFE, Gustavo Bernardino, falam como a filantropia — também denominada, no Brasil, “Investimento Social Privado” — é uma prática em processo de avanço no país e sua contribuição no enfrentamento às desigualdades.

Por Patrícia Kunrath e Gustavo Bernardino.
Embora a ação filantrópica possa ser percebida em diferentes contextos e momentos da história brasileira — como foi o caso da vigorosa mobilização da sociedade para conter os efeitos sanitários e sociais da pandemia da Covid-19 — é a partir da reabertura democrática e da Constituição de 1988 que a filantropia começa a se institucionalizar sob a forma de uma atuação mais planejada e estruturada para o apoio e a realização de projetos sociais, ambientais, científicos e culturais de finalidade pública.
Em 1989, um conjunto de atores se une para discutir formas de desenvolverem ações cidadãs filantrópicas. Seis anos mais tarde, institucionaliza-se o GIFE — Grupo de Institutos, Fundações e Empresas — associação voltada à promoção da filantropia e do Investimento Social Privado (ISP) no Brasil, atualmente composta por mais de 170 organizações.
Além de conectar e incentivar instituições privadas a mobilizarem recursos próprios para ações de impacto social, uma das formas de atuação do GIFE é por meio da produção e sistematização de dados, informações e tendências sobre o setor e suas práticas, difundindo-os sob a forma de produtos de conhecimento. O principal deles é o Censo GIFE, cujas conclusões da 11ª edição acabam de ser apresentadas.
Pesquisa bianual realizada desde 2001, com metodologia quantitativa e auto declaratória, o Censo provê um panorama sobre o investimento social promovido por empresas, institutos, fundações e fundos associados ao GIFE, sempre referente à execução consolidada do ano anterior ao lançamento da pesquisa. Busca compreender o volume de recursos mobilizados às ações, temas em que atuam, questões de governança e relacionamento com Organizações da Sociedade Civil (OSCs), entre outros tópicos.
Nesta edição 2022-2023 — cujas conclusões foram apresentadas na última quarta-feira (29) —, o estudo conta com 137 organizações respondentes, que sinalizaram um montante de R$ 4,8 bilhões investidos ano ado. Com exceção à excepcional mobilização em 2020 (pico da pandemia), o volume de ISP relativo a 2022 equipara-se ao do ano de 2014.
Deste valor global [R$ 4,8 bilhões], R$ 2,1 bilhões foram direcionados à execução de projetos próprios dos investidores sociais. Um total de R$ 1,8 bilhão foi reado a terceiros [OSCs, negócios de impacto, universidades e centros culturais, entre outros], o que demonstra a percepção do Investimento Social Privado sobre a relevância da sociedade civil na construção de um país menos desigual. O restante dos recursos [R$ 900 milhões] refere-se a despesas istrativas e de infraestrutura.
Em termos temáticos, “Educação” segue como principal agenda a atrair Investimento Social Privado, como ocorre desde 2001. A novidade desta edição do Censo foi estipular o valor destinado por área temática. Educação correspondeu a 42% do total, com quase R$ 2 bilhões mobilizados.
O tema “Inclusão Produtiva, Empreendedorismo e Geração de Renda” é o segundo tema em que há mais investidores sociais atuando; não em termos de volume de recursos, cuja segunda posição [depois de “Educação”] é ocupada por “Cultura e Artes”.
O novo Censo também mostra que os conselhos deliberativos das organizações associadas estão muito pouco diversos. Em dois terços delas, tais conselhos — importantes instâncias de poder e tomada de decisão sobre onde e como o recurso filantrópico é direcionado — são constituídos majoritariamente por homens, sendo que em 9% deles é exclusivamente por homens. Quanto ao recorte racial, o desafio é ainda maior: três quartos (74%) das organizações não têm negros ou indígenas no conselho deliberativo.
Dada a capacidade de mobilização de recursos da filantropia em contribuição à esfera pública, é premente que as instituições que promovem Investimento Social Privado [empresas, institutos e fundações de origem corporativa, familiar ou independente] se comprometam em construir mecanismos formais para a garantia da presença de diferentes grupos em seus conselhos e estruturas de governança a fim de que as tomadas de decisão tenham, de fato, a participação desses atores diversos.
O GIFE entende que é atuando nessa direção que o ISP produzirá transformações ainda mais efetivas para o enfrentamento das desigualdades e a promoção da justiça social em nosso país.
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* Patrícia Kunrath é doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); coordena o Censo e a área de Conhecimento do GIFE. Gustavo Bernardino é gerente de Programas do GIFE.