A realidade dos idosos que vivem em casas de repouso

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A terceira idade vem carregada de questões como solidão, infantilização e sonhos 

Por: Isabela Alves

De acordo com o estudo Condições de funcionamento e infraestrutura das instituições de longa permanência para idosos no Brasil, publicado em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil possui mais de 20 milhões de idosos, mas apenas 218 instituições públicas de longa permanência para idosos. No total, as instituições públicas e privadas (com ou sem fins lucrativos) do país abrigam 83 mil idosos e a maioria são mulheres.

Dois terços destas instituições estão concentradas na região Sudeste (71%), sendo que apenas o estado de São Paulo possui 34,3% do total. O estudo também revela que há uma demanda urgente por esse serviço, já que a população brasileira está envelhecendo. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população idosa do mundo, e, em 2030, o número de idosos ultraará o total de crianças entre zero e 14 anos.

Historicamente falando, existe um preconceito e grande resistência em relação às casas de repouso para idosos, já que para muitos elas representam “um lugar de exclusão social, dominação e isolamento”, como aponta o estudo do IPEA. No entanto, é necessário combater esse estereótipo: estes locais na realidade são os responsáveis por abrigar e cuidar de pessoas que estão desamparadas ou que estão impossibilitadas de estarem ao lado de suas famílias. É por essa razão que muitas instituições tentam oferecer aos seus residentes um espaço que reproduza a vida em família e se autodenominam lares.

A solidão e o esquecimento

Ao entrar na Associação Casa Madre Teodora dos Idosos, localizada no Jardim Brasília, zona leste de São Paulo, é possível ver vários idosos sentados em silêncio em suas cadeiras de rodas em um jardim. As árvores ao redor e o sol da tarde trazem uma sensação de paz e tranquilidade.

O primeiro cômodo da casa é a sala, mas é um local que geralmente fica vazio. Pedro Marcos Barbosa dos Santos, de 59 anos, é um dos enfermeiros e fala sobre os hábitos dos residentes: “Muitas vezes eles não têm paciência para assistir à TV, então preferem ar o dia lá fora. Na época em que a o futebol, por exemplo, aqui fica lotado”.

A casa de repouso possui dois andares, com os quartos masculinos na parte de baixo e os femininos em cima. Cada quarto possui de 4 a 5 leitos e, no total, são 33 homens e 37 mulheres.

A rotina deles é toda programada e precisa ser seguida à risca: às seis da manhã, começa o horário do banho. Por volta das 8h, o café da manhã começa a ser distribuído e às 11h tem o almoço. Às 14h, tem o lanche da tarde; às 17h, o jantar; e às 20h, mais um lanche. Entre esses horários eles têm a opção de fazer ginástica, ver televisão ou, como ocorre na maior parte do tempo, ficar deitados.

Os motivos que levam os idosos a esta casa são os mais diversos: “Alguns familiares trazem ou eles são encaminhados de outras casas. Existem casos também em que algum órgão público vê que o idoso está abandonado na rua e traz ele para cá”, diz o enfermeiro.

Pedro ainda relata que em alguns casos os idosos estão ali porque os familiares não tiveram estrutura para cuidar deles em casa. Por conta de doenças como a bipolaridade e o Alzheimer, os idosos perdem a noção de quem são e o convívio se torna um desafio.

“Um dos pacientes que faleceu há pouco tempo não tinha mais a família dele como família, porque esqueceu. Os enfermeiros se tornaram a maior referência. Às vezes eles nem sabem os nossos nomes, mas por sempre estarmos ali, eles nos reconhecem”, diz.

Uma senhora que mora no lar aborda Pedro. Ela está usando uma touca rosa de tricô, vestido de algodão estampado com flores e segura uma boneca com carinho. Ela dá um sorriso inocente, ergue o brinquedo para o enfermeiro e diz: “Ela é bonita? É minha filha Lúcia. Essa aí é a minha vida”.

Os profissionais que trabalham na casa de repouso não contrariam as ideias do paciente, porque sabem que não é o momento de dizer o que é certo e o que é errado a eles. “Nós alimentamos essa ilusão até que chegue a hora”, diz. Segundo o enfermeiro, esses idosos vivem como se estivessem parados no tempo. Eles não têm noção do hoje e nem do amanhã, e o ado ficou para trás.

A casa é sustentada por colaboradores, familiares e recebe doações dos moradores que moram ao redor. Para doar ou marcar uma visita, ligue para (11) 5512-6704 ou mande um e-mail para [email protected].

Infantilização da terceira idade

A Liga Solidária é uma instituição que atende pessoas de todas as faixas etárias. Por conta disso, a entidade decidiu criar o Projeto Intergeracional, que promove um momento de integração entre crianças de 3 a 6 anos com idosos.

Seis unidades participam do projeto. Uma vez por semana, doze crianças brincam, conversam, cantam cantigas e fazem atividades de culinária e teatro com os idosos. “Essa integração proporciona essa coisa do estar junto e estimula o respeito com o outro. A fala, o cuidado e o toque possuem inúmeros benefícios”, explica Taís Gomes Bueno Rosa, de 32 anos, coordenadora pedagógica da Liga Solidária.

A professora também deixa claro que o projeto não infantiliza o idoso. Apesar do comprometimento cognitivo, os idosos são tratados como adultos que envelheceram, mas que têm a sua história. Cada um tem a sua individualidade respeitada.

“Ao ver a criança, o idoso abre um sorriso e fica mais animado. Mesmo com a demência em estado avançado, tem essa troca de carinho. É como se a criança conseguisse resgatar as memórias afetivas, de filhos e de netos”, explica a coordenadora pedagógica.

Uma das idosas que participa do projeto é Maria Lucia Botigene de Agostino, de 72 anos. Nascida no interior de São Paulo e formada em Geografia, ela trabalhou por 41 anos como professora. Em 2016, foi diagnosticada com um tumor no cérebro e em março foi para a casa de repouso para se recuperar da cirurgia.

Ao participar do projeto, ela relata o quanto acha as crianças lindas e que lembra da sua família. “Eu tenho uma filha com síndrome de Down e outra que mora na Austrália. Eu ainda quero um tempo de vida para viajar um pouco mais e cuidar das minhas filhas”, conta.

Roberta Cristina, de 34 anos, psicóloga da casa de repouso, explica que faz parte da psicologia do envelhecimento o idoso se voltar para dentro, para ele mesmo. É difícil olhar para o mundo externo nesta fase, criar vínculos. E eles costumam ficar mais pensativos. Por isso o projeto estimula essa socialização.

“É um ciclo que está se fechando. Eles fazem um resgate do que foi feito, suas frustrações e colocam sua vida na balança. Quando se trabalha com crianças, as pessoas lidam com o início da vida, com os sonhos e expectativas. Nós que trabalhamos com os idosos estamos na outra ponta”, diz.

Os sonhos e aspirações

A Fundação José Carlos da Rocha está ligada a 13 lares, com cerca de 600 idosos. A instituição trabalha com a premissa de promover qualidade de vida e tem como foco a longevidade.

Com o valor arrecadado por meio de doações, a entidade contrata profissionais que dão aulas de dança, coral, educação física, arte e terapia, por exemplo. “Essas atividades fazem com que os idosos se sintam queridos e motivados, senão eles ficam encostados em um canto vendo o dia ar”, diz Renata Linhares, de 40 anos, psicóloga da instituição.

Segundo ela, muita gente acredita que as pessoas na terceira idade estão apenas esperando pela morte, mas isso não é verdade. Elas ainda têm muitas expectativas e sonhos. Pensando nisso e se inspirando no projeto português ‘Antes de morrer quero…’, a instituição criou a campanha ‘Eu ainda quero…’. A ação consiste em incentivar os idosos a escreverem em uma lousa o que eles mais gostariam de fazer ou ter em suas vidas.

Através de fotografias, eles divulgam essas vontades nas redes sociais, para que várias pessoas possam contribuir para a realização desses sonhos. Os pedidos vão desde os mais simples, como um bolo de chocolate, até os mais complexos, como arranjar um namorado (a). Renata conta as três histórias envolvendo esta ação que mais a marcaram.

Existia uma idosa que tinha o sonho de ir à praia e uma voluntária a levou. Elas acabaram se tornando amigas muito próximas e a voluntária a adotou.

“Tinha também uma idosa que tinha o sonho de fazer uma festa de aniversário. Foi a primeira da vida dela. Assim que acabou, ela disse ‘agora posso morrer, porque estou feliz e me sentindo completa’ e realmente dias depois ela faleceu”, conta a psicóloga.

Outra história marcante foi de uma idosa que era fã do cantor Daniel. Durante toda a vida, ela escreveu cartas para ele e colecionou todos os álbuns. Por conta de um câncer terminal, ela não estava se alimentando e participava das atividades da casa de repouso.

A instituição conseguiu que ela fosse ao show dele, conhecesse o cantor pessoalmente e tirasse uma foto ao seu lado. Durante as duas semanas seguintes, ela melhorou e voltou a fazer tudo o que fazia antes. Pouco depois, infelizmente, ela acabou falecendo.

“Com as fotos, as pessoas ficam sabendo, conhecem o lar e acabam se fidelizando, tornando-se voluntárias ou fazendo doações. As pessoas também podem entrar em contato com o lugar e agendar uma visita”, diz a psicóloga. Veja algumas fotos do projeto aqui.

Pequenas ações que fazem a diferença

Criado em 2010, o Instituto Flor Gentil foi pensado por Helen Lunardelli. Após se sentir incomodada com o desperdício de flores, a florista decidiu criar uma ação que poderia aquecer o coração de outras pessoas.

Esta iniciativa é voltada exclusivamente para pessoas da terceira idade, porque Helen acredita que existem poucos projetos voltados a esse público. Em 2016, ela se desligou do projeto, que agora é comandado por Cecília de Paula e Maia, de 46 anos.

“A flor é um veículo que transmite amor e é um sinal de que você se importa. Todo mundo gosta de flores e tem uma familiaridade com elas por serem delicadas”, diz a diretora geral do projeto.

A iniciativa conta com um grupo de voluntários para funcionar. O processo é dividido em quatro partes: recolhedores gentis que fazem a coleta das flores, triagem, montagem dos arranjos e entrega.

Depois de festas, como casamentos e aniversários, o grupo vai ao local no domingo de manhã e recolhe as flores que ficaram. Depois, essas flores am pelo processo de triagem, que significa separar as flores boas das que estão maltratadas. Então, são montados os novos arranjos e entregues em casas de repouso.

Em dias de domingo e segunda-feira, os voluntários têm palestras sobre como manipular as flores e montar os arranjos.

“Para participar do projeto não precisa conhecer ou ter experiência na área. Só precisa se identificar com a causa e se sentir bem fazendo isso. Os idosos gostam muito de receber as flores e é uma coisa que muda a vida deles naquele dia”, afirma a diretora.

A organização atende atualmente mais de 70 instituições, com a frequência de uma vez por mês na região de Pinheiros, Pompéia, Lapa, Vila Madalena e outras. Para outras regiões, depende da disponibilidade do voluntário para levar as flores ao local.

Em relação ao futuro do projeto, Cecília esboça preocupação. Ela relata que a instituição está ando por momentos de dificuldade e que às vezes tem que tirar dinheiro do próprio bolso para mantê-la. Outro problema é que a quantidade de lixo é muito grande. É necessário ter um espaço maior para reaproveitar o máximo possível e dar um destino adequado às flores, que podem ser transformadas em adubo, por exemplo.


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