Nadando Contra a Maré

Direitos Humanos
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Imagem: Adobe Stock.

Por Beto Pereira

Em dezembro, mês que celebramos conquistas sociais e datas emblemáticas, como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, o aniversário da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o Dia da Criança com Deficiência, o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, enfrentamos um cenário desolador.

Em vez de garantias e avanços, uma das parcelas mais vulneráveis da sociedade acaba de ganhar um verdadeiro “presente de grego”, o Projeto de Lei 4614/2024, de autoria dos deputados José Guimarães (PT-CE), Márcio Jerry (PCdoB-MA), Hugo Motta (Republicanos-PB) e outros, que propõe alterações prejudiciais ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).

O BPC garante um salário-mínimo às pessoas com deficiência, independentemente da idade, e aos idosos com 65 anos ou mais, que não possuam meios de sustento próprio ou familiar. Atualmente, cerca de 6,2 milhões de brasileiros recebem esse benefício, sendo 3,5 milhões pessoas com deficiência.

O projeto em questão atenta contra a Constituição Federal de 1988, o LOAS, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (com status constitucional desde 2009) e outras conquistas sociais.

Entre as mudanças propostas, o PL altera a definição de grupo familiar, incluindo cônjuges ou companheiros que não residem sob o mesmo teto, bem como pais, madrastas, padrastos, irmãos, filhos e enteados que vivem em locais distintos, mas contribuem financeiramente. Essa inclusão artificial desconsidera a realidade econômica de muitas famílias.

Mais grave ainda, o projeto propõe vincular a definição de pessoa com deficiência à incapacidade para a vida independente e para o trabalho, ignorando o conceito biopsicossocial da deficiência, consagrado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Para mim, como sociólogo e pessoa cega, essa proposta fere o princípio da dignidade da pessoa humana e flerta perigosamente com o capacitismo.

Independentemente das justificativas econômicas ou das disputas políticas relacionadas à presidência da Câmara dos Deputados, não podemos permitir que a população mais vulnerável pague o preço com a perda do BPC.

Em qual Brasil estamos vivendo? No que defende ações de proteção social e propõe a taxação das grandes fortunas no G20? Ou no que insiste em retirar o pouco de quem quase nada possui?

Felizmente, organizações e entidades da sociedade civil têm se posicionado firmemente contra esse retrocesso. Conselhos Nacionais de diversos segmentos estão mobilizados para impedir que esse ataque aos direitos se concretize.

Para milhões de brasileiros, o BPC não é apenas um benefício; é uma linha tênue entre vestir-se ou não, comer ou ar fome, viver ou morrer. Não podemos nos omitir diante dessa ameaça. Nossa luta por justiça social e dignidade humana não pode esperar.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: *Beto Pereira é sociólogo, jornalista, Assessor de Inclusão e ibilidade da Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual e a Pessoa Cega, e Presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB).


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