Meu amigo celular: “Eu te amo”
Não posso deixar de me indignar com o rebanho que encontro todos os dias na minha vida diária. São amantes, amigos, pais, mães, irmãos, maridos e esposas dos seus celulares. O celular deixou de ser um objeto ou ferramenta tecnológica para ser um sujeito que tem vida. São 24 horas acariciando, irando, abraçando, andando, comendo e conversando com o amigo inseparável.
O ser humano, a conversa descontraída com os amigos, a sala de aula, os almoços com a família não têm mais importância. E quando têm, é preciso fazer uma selfie a cada um minuto para postar nas redes sociais – e é claro – além das pessoas, o celular também faz parte da fotografia.
Esse cenário de horror me lembra do livro “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago, além de outros gênios, como Nietzsche e Spinoza. Rebanho de pessoas cegas, individualistas, solitárias, deprimidas, consumistas, iludidas e principalmente alienadas. Nesse cenário contemporâneo assustador, uma grande parte das pessoas não se reconhece como indivíduos coletivos e políticos. O mundo virou um “grande espetáculo” onde tudo é igual, engraçado e ageiro.
Assim como a mídia (em especial a televisão), o celular tem contribuído para a formação desse rebanho de idiotas que só repete o tempo todo as notícias sem reflexão e que só pensa em se conectar e “dar um Google” para ter informações pontuais e rápidas.
No Brasil, as vendas de smartphones durante o segundo trimestre de 2014 somaram 13 milhões de aparelhos, enquanto o número de livros lidos pelos brasileiros não ultraa um por ano.
Talvez essa seja uma boa explicação para compreender o que boa parte dos brasileiros tem demonstrado nas redes sociais ou em algumas “manifestações verde e amarelo e muita a”. Entre as “pérolas”: “Chega de comunismo”; “Ditadura militar já! Os militares não são corruptos”; “Chega de Paulo Freire nas escolas”; “Vamos proteger a nossa propriedade desses bandidos (MST); “Vamos privatizar a Petrobras”; “Vamos reduzir a maioridade penal já! Esses meninos votam, casam… então porque não assumem os seus crimes?”; “Descriminalização do aborto? Jamais, suas criminosas!”; “ Programa social é para preguiçoso que não quer trabalhar”; “Eu já sei, dei um Google no meu celular rapidinho e já tenho a informação que eu quero (não preciso mais estudar)” .
E assim caminha o grande rebanho dos amigos e amantes do celular. Conservadores e consumistas e que vivem o momento “intensamente” (sem presente, ado e nem futuro). A reflexão, o conhecimento, o aprendizado, o estudo profundo, a ação e participação coletiva não fazem parte do universo da grande maioria desses brasileiros.
Nietzche tinha razão ao afirmar que existem diversas algemas, que podem nos aprisionar. A religião é uma delas. Mas, acrescento e ressalto que o celular é a algema do século XXI que tem causado danos nocivos e irreversíveis na sociedade, em todos os aspectos. Será o fim do homem racional e o início do nascimento de criaturas vegetativas que tem olhos, mas não conseguem ver? Será que já estamos vivendo essa epidemia? Socorro Saramago!