Mapeamento mostra impacto da suspensão de financiamentos da USAID no Brasil

Legislação
Compartilhar

Segundo levantamento da Sitawi -Finanças do Bem, as organizações de pequeno porte foram as mais afetadas com a suspensão dos rees da USAID. Além disso, a medida do Governo Trump deve impactar 34% do orçamento das organizações brasileiras respondentes, em 2025

Foto: Isac Nóbrega/PR (Agência Brasil)

Por Lucas Neves

No começo de fevereiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou que fecharia a USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional). A ordem de suspensão dos rees para ajuda externa e o desmantelamento da agência, responsável por 40% de toda a ajuda humanitária no planeta rastreada pela ONU, em 2024, acende alerta para as organizações da sociedade civil, globalmente.

Essa preocupação atingiu o terceiro setor brasileiro. Afinal, somente no último ano fiscal dos Estados Unidos, entre o dia 1º de outubro de 2023 e 30 de setembro de 2024, a USAID reou cerca de 20 milhões de dólares para o Brasil, segundo dados preliminares da ForeignAssistance.gov, plataforma oficial do governo estadunidense.

Para entender o impacto da suspensão das doações oriundas dos EUA, pela USAID, no terceiro setor brasileiro, a Sitawi – Finanças do Bem conduziu uma pesquisa com organizações sociais dependentes, de forma indireta ou direta, dos recursos distribuídos pela agência. O mapeamento evidenciou as consequências iniciais do bloqueio de fluxos financeiros dos departamentos e agências oficiais estadunidenses para atores de impacto no Brasil.

Mapeamento sobre impacto do stop-work da USAID

Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor, Leonardo Letelier, criador e diretor da Sitawi, afirma que o mapeamento busca colaborar com a diminuição da incerteza trazida pelo cenário de suspensão dos recursos. “A gente tenta contribuir para essa discussão, para que depois possamos contribuir até de um ponto de vista mais operacional com algum tipo de solução” diz Letelier. No entanto, ele salienta que ainda é necessário ir a fundo nos processos de diagnóstico.

O mapeamento da Sitawi contou com 30 depoimentos, vindos de respondentes de diversas áreas temáticas, como: desenvolvimento local/territorial; defesa de direitos; meio ambiente; inclusão produtiva; entre outros. Assim, 86% das organizações ouvidas afirmaram possuir tratado direto (45%) ou indireto (41%) com a USAID, agências ou departamentos dos EUA. O estudo alerta que, apesar de não representar o setor na totalidade, ele reflete uma parcela significativa impactada pelas medidas do Governo Trump.

Segundo a pesquisa, é esperado que mais de 175 milhões de reais, advindos da USAID e agências dos EUA, sejam impactados. Isso equivale a 34% do orçamento de 2025 das organizações respondentes. Para Letelier, o processo de reestruturação financeira não será fácil para aqueles que perderam os recursos, uma vez que a USAID e outras agências estadunidenses, normalmente, oferecem apoios muito relevantes para as instituições.

Pequenas organizações foram mais afetadas

O levantamento mostrou que o impacto financeiro da suspensão dos rees da USAID não está distribuído igualmente entre instituições de diferentes portes. Em 2025, é esperado que as organizações pequenas sejam mais afetadas, tendo mais de 50% dos seus orçamentos impactados pela falta de recursos.

Imagem: Sitawi – Finanças do Bem

Para definir como pequena, o mapeamento considerou organizações com orçamento de 2025 inferior a 1 milhão de reais. Entre as de médio porte (entre 1 e 10 milhões) e grande porte (acima de 10 milhões), o impacto orçamentário é de 39% e 34%, respectivamente.

Letelier destaca a lógica desses resultados, mas afirma que não esperava, necessariamente, um efeito maior nas pequenas organizações.

“Na verdade, o que a gente imaginava era que aqueles que têm um funding [capitalização] mais concentrado em áreas que as áreas que a USAID era mais presentes, como migração e refugiados, iam sofrer mais. Mas não sabíamos se elas eram grandes, médias ou pequenas.”

No quesito demissões, as organizações de menor porte também sofreram mais, com 74% dos funcionários afetados. Entre esses colaboradores, 64% estão em risco de desligamento e 10% já foram desligados. O dado é desproporcional quando comparado às médias e grandes instituições, cujo impacto foi inferior aos 20%.

Organizações não estavam preparadas

Somente 28% das organizações estavam preparadas para situações similares à suspensão repentina dos rees. “Eu não sei se o número de 28% é necessariamente baixo”, diz Letelier ao ser perguntado sobre os possíveis motivos para explicar esse pequeno percentual.

“Claro que poderia ser mais alto, as pessoas já sabiam que o Trump tinha ganho, mas esse tipo de ação é bem inusitada”, comenta, destacando que não colocaria tanta carga nesse número.

“O que aconteceu foi tão fora da caixinha que eu não sei se dá para dizer que 28% é baixo.”

Aproximadamente metade dos respondentes está em processo ou finalizou um plano de contingência. Outros 24% continuam sem uma estratégia para lidar com a situação. Entre as principais medidas consideradas estão: redução de custos e ajustes operacionais, o uso de reservas financeiras e a diversificação de fontes de financiamento.

Como lidar com a suspensão da USAID

Após as medidas do Governo Trump, em fevereiro, o Observatório do Terceiro Setor publicou texto de Carla Glufke Reis da Nóbrega, fundadora da ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, em coluna do Observatório em Movimento

No artigo, cujo foco foi debater as possíveis lições trazidas pela crise da USAID, Carla apresentou algumas estratégias para mitigar os riscos nesse contexto de crise. Ela destacou ações como:

  • diversificação das fontes de recursos, reduzindo a dependência de poucos financiadores e atraindo novos doadores;
  • desenvolvimento de projetos de geração de renda e de financiamento institucional, que possam contribuir para o custeio de parte das operações;
  • fortalecimento de parcerias locais, aumentando a resiliência e criando novas oportunidades de financiamento;
  • elaboração de planos de contingência, incluindo a constituição de reservas financeiras para emergências;
  • monitoramento contínuo de mudanças políticas, por meio do acompanhamento de fontes de informação, briefings governamentais e redes do setor;
  • atuação em advocacy, buscando influenciar decisões para assegurar que recursos nacionais e internacionais continuem financiando programas de impacto social.

Derrota de Trump na Suprema Corte

Na última quarta-feira (5), a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que o Governo Trump libere verbas para organizações de auxílio internacional com programas em andamento. Desse modo, deve ocorrer um desbloqueio de cerca de 11 bilhões de reais para os programas da USAID.

Em votação apertada, por 5 a 4, a Suprema Corte estadunidense aprovou as medidas estabelecidas por tribunais inferiores. No dia seguinte (6), o juiz federal Amir Ali, responsável pelo caso USAID, disse que o Governo deve pagar o valor devido até esta segunda-feira (10).

Ainda nesta segunda, o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou o cancelamento de 83% dos programas de ajuda externa da USAID. Em publicação no seu perfil oficial do X, antigo Twitter, Rubio disse que a agência gastou bilhões de dólares com ações que não servem, e até prejudicam, os interesses nacionais.


Compartilhar