Mais da metade das famílias brasileiras sofrem insegurança alimentar
O Brasil registra mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome; para entender como a insegurança alimentar afeta as crianças, o Observatório conversou com o pediatra e nutrólogo do Instituto PENSI, Dr. Mauro Fisberg

Por Ana Clara Godoi
Mais da metade dos domicílios brasileiros tem enfrentado algum grau de insegurança alimentar neste ano. Somente nas residências com crianças de até 10 anos, o percentual dobrou nos últimos dois anos, registrando 18,1%. Os dados foram divulgados no Relatório II Vigisan.
A insegurança alimentar é a condição na qual as pessoas não têm o permanente a alimentos. Ela pode acontecer em três níveis: leve, que representa a incerteza quanto ao o de alimentos em um futuro breve; moderada, quando a quantidade de alimentos é insuficiente; e grave, também conhecida como fome. No Brasil, o número de pessoas que am fome já ultraou os 33 milhões.
Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor, o pediatra, nutrólogo e coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (CENDA) do Instituto PENSI, Dr. Mauro Fisberg, destacou que a falta de alimentos afeta de maneira negativa o crescimento, o desenvolvimento e a imunidade das crianças.
“Para as crianças, a falta de alimentos ocasiona efeitos de diferentes gravidades, principalmente no começo da vida. A mãe que não consegue nutrir seu feto na gestação por desnutrição ou incapacidade de se alimentar, pode não ganhar peso suficiente para manter o ganho de peso e a formação de tecidos e órgãos essenciais para a vida da criança”.
Do ponto de vista do desenvolvimento, o pediatra ressalta que a desnutrição decorrente da insegurança alimentar pode modificar a memória, a capacidade de aprendizado e o potencial de abstração, afetando a capacidade de resolução de problemas e, até mesmo, maior possibilidade de acidentes de trabalho. Já no ponto de vista do sistema de defesa, a fome pode ocasionar infecções de repetição e maior suscetibilidade a doenças virais, bacterinas ou por fungos. Isso ocorre devido a carência de energia, gorduras, proteínas, vitaminas e minerais, elementos que compõem os alimentos.
“A carência de alimentação ou a incapacidade de pleno aproveitamento dos alimentos também pode dificultar a capacidade de absorção de nutrientes, agravando ainda mais o problema. Quanto mais intensa, precoce e de maior duração, maiores as consequências da fome, podendo levar a alterações intensas do metabolismo, enfermidades e morte”.
Terceiro setor no combate à insegurança alimentar
Além de afetar a saúde e o desenvolvimento das crianças, a insegurança alimentar também está associada à pobreza e falta de o a recursos de educação, saúde, emprego e cidadania.
“A desnutrição gera doenças e mortes, e aos sobreviventes restam as sequelas físicas e sociais. Quando avaliados por projetos de longa duração, verifica-se uma simultaneidade de fatores como fome, pobreza, insegurança social, moradia inadequada, maior intensidade de problemas escolares, violência e incapacidade de competição no mercado de trabalho”, explica o pediatra.
Para Marcia Woods, assessora da Fundação José Luiz Edygio Setúbal (FJLES) e presidente do Conselho Deliberativo da ABCR (Associação Brasileira dos Captadores de Recursos), as políticas públicas atuais não são o suficiente para combater a insegurança alimentar.
“O governo atual extinguiu o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), com isso não temos um órgão de controle social de monitoramento e avaliação das políticas nesta área. Isso impactou as estruturas estaduais e municipais. Precisa ser restabelecido. Outra questão importante é o fortalecimento dos programas de aleitamento materno e o aumento do valor reado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar”, afirma.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar oferece alimentação e ações de educação alimentar para estudantes da rede pública. Atualmente, o valor reado para cada aluno de ensino fundamental e médio é de R$ 0,36 por dia letivo.
A FJLES, organização da sociedade civil que realiza o advocacy dos direitos relacionados a área da saúde na infância e adolescência, estabeleceu três prioridades para a década: segurança alimentar, cobertura vacinal e saúde mental. Para alcançar esses objetivos, a Fundação apoia organizações da sociedade civil na produção de conhecimento técnico científico que subsidiam o aperfeiçoamento de práticas e políticas públicas. Uma das iniciativas apoiadas pela FJLES é o Movimento Agenda 227.