Luiz Gama: o patrono da abolição que libertou 500 escravizados

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Luiz Gama foi o único abolicionista que ou pela experiência da escravidão no Brasil. Após ter conquistado sua própria liberdade, ele se tornou escritor e o primeiro advogado negro do país

Por: Isabela Alves

Luís Gonzaga Pinto da Gama, mais conhecido Luiz Gama, nasceu em Salvador (BA), em 21 de junho de 1830. Filho da mítica Luíza Mahin e de um pai branco, do qual nunca foi revelado o nome, ele foi vendido pelo mesmo aos 10 anos de idade.

“Luiz Gama foi o único dos abolicionistas que ou pela experiência da escravidão. Eu costumo dizer que ele foi o primeiro escravizado que libertou”, conta Ligia Fonseca Ferreira, professora associada no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista na obra do autor.

Luiz Gama iniciou seu letramento aos 17 anos. Autodidata, ele se tornou um caso único no Brasil, pois, ao chegar à maioridade, conquistou judicialmente a própria liberdade. “Luiz Gama tinha anseio pelo conhecimento e, antes de tudo, ele conquistou a palavra”, afirma Ferreira.

Gama também se tornou patrono no campo da literatura, educação, política, imprensa e direitos humanos no Brasil.

Seus poemas eram sátiras sociais, políticas e raciais de como o Brasil funcionava naquela época. Aos 29 anos, publicou o livro ‘Primeiras trovas burlescas & outros poemas’ e também ou a ser reconhecido como “o maior abolicionista do Brasil”.

De acordo com a especialista, Gama acreditava que a abolição e a República eram ideais que andavam lado a lado, por isso seu sonho era viver em um país sem reis e sem escravos. Em um de seus escritos, ele relata:

“O dia da felicidade será o memorável dia da emancipação do povo, e o dia da emancipação será aquele em que os grandes forem abatidos e os pequenos levantados; em que não houver senhores nem escravos; chefes nem subalternos; poderosos nem fracos; opressores nem oprimidos; mas em que o vasto Brasil se chamar a pátria comum dos cidadãos brasileiros ou Estados Unidos do Brasil”.

Luiz Gama nunca frequentou escolas, mas foi um dos mais importantes intelectuais negros do seu tempo.

Gama acreditava que a mídia era um espaço de poder que tinha grande projeção para expandir ideias, então ou a escrever artigos para jornais sobre o período da escravidão e histórias individuais dos escravizados.

Após se tornar conhecido, ele ou a ser procurado por outras províncias do país. Além disso, por meio da cultura jurídica, ele descobriu leis que não eram aplicadas, como a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que proibia a importação de escravizados no país, além de declarar livres todos que foram trazidos para terras brasileiras a partir daquela data.

A lei também estabelecia multas aos traficantes, além de oferecer um prêmio em dinheiro a quem denunciasse o tráfico. “Além de não ser aplicada, a lei era escondida. A partir dessa descoberta, ele se tornou uma referência na luta”, conta Ferreira.

Em uma carta autobiográfica a Lúcio de Mendonça, Gama estimou que já havia libertado do cativeiro mais de 500 escravizados. Ele dedicou toda a sua vida à causa, mas morreu em 1882 em São Paulo, seis anos antes da Lei Áurea, sem ver seu sonho concretizado.

Com o objetivo de resgatar as contribuições literárias, culturais e políticas deste revolucionário, em 2011, Ligia Ferreira lançou o livro ‘Com A Palavra, Luiz Gama’, primeira antologia contendo textos integrais que ilustram não só as realizações literárias, mas, sobretudo, suas ideias, no período pré-abolicionista e pré-republicano.

Em 2020, a pesquisadora também lançou o livro ‘Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro‘, escritos por Luiz Gama, sendo que mais de 40 textos são inéditos.

Machado de Assis deixou uma obra e por isso é lembrado até os dias de hoje. Mais importante do que sua espantosa biografia, é necessário resgatar o legado em seus escritos”, relata Ferreira.

Monumento de Luiz Gama, feito por Yolando Mallozzi em 1931, que está localizado no Largo do Arouche, em São Paulo.

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Esta reportagem é a segunda de uma série especial sobre a abolição da escravidão e a importância de abolicionistas negros nesta luta. As próximas matérias da série contarão as histórias de Dragão do Mar e André Rebouças.


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