A legislação contra a violência doméstica e o reflexo na relação de trabalho

Compartilhar

Diz a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993: a violência contra a mulher é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres”. É qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.  Pode ser cometida por familiares ou outras pessoas que vivem no mesmo domicílio (violência doméstica) ou por pessoas sem relação de parentesco e que não convivem sob o mesmo teto. É uma das violações de direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas no mundo, sendo um fenômeno que não distingue classe, etnia, religião, idade e grau de escolaridade. A Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de aumentar o rigor das punições sobre crimes domésticos, em especial a homens que agridem física ou psicologicamente uma mulher. Foi vetado o artigo que permitiria à autoridade policial conceder medidas protetivas de urgência em casos em que houver “risco atual ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes”. Na nova legislação, que recebeu o número 13.505 de 8/11/2017 está previsto o direito da mulher vítima de violência doméstica e familiar a ter atendimento policial especializado, ininterrupto e prestado preferencialmente por servidores do sexo feminino. Além disso, apresenta procedimentos e diretrizes sobre como será feita a inquirição dessa mulher vítima de crime. Entre as diretrizes está a de salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional da mulher vítima desse tipo de violência; a garantia de que em nenhuma hipótese ela ou suas testemunhas tenham contato direto com investigados, suspeitos ou pessoas a eles relacionados; e a “não revitimização” do depoente, de forma a evitar “sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e istrativo”. Com relação aos procedimentos relativos ao interrogatório, prevê que seja feito por profissional especializado e em “recinto especialmente projetado para esse fim, com equipamentos próprios e adequados à idade da mulher”.

A lei propõe ainda que seja priorizada a criação de Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher. A Lei Maria da Penha foi uma verdadeira transformação no amparo de mulheres em situação de violência – lutou-se, até que Maria da Penha, que dá nome à Lei, deixasse de ser vítima e asse a ser sujeito digno de superação.

Em 1998, quando o caso Maria da Penha foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, havia grande movimentação nacional e internacional de ativistas que buscavam o fim da violência contra a mulher. No início dos anos 2000, houve uma forte batalha dos movimentos feministas pela criação de uma lei que atendesse, especificamente, a esse tipo de violência – e o resto é história.

A Previdência Social, como direito fundamental dos trabalhadores brasileiros, é também um ator no processo de enfrentamento a essa espécie de violência. São vários os benefícios previdenciários, como aposentadorias por invalidez ou pensões por morte, cuja causa é a violência doméstica e familiar sofrida pela mulher, sem que isso seja detectado. E, tudo sob risco com a propalada reforma da previdência que, na forma proposta é mais um ataque à conquista deste direito histórico dos trabalhadores e trabalhadoras, senão vejamos: expressa o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que na aplicação da lei, o juiz levará em consideração o fim social a que ela se destina e as exigências do bem comum. Vige no Processo do Trabalho    e é muito aplicado, o Princípio da Primazia da Realidade, intrinsecamente ligado às fontes que o caracterizam, ou seja: as fontes formais e aqueles materiais de vez que resultantes de fatos históricos, culturais, políticos e econômicos. Isso significa que o legislador é instado a se posicionar a firmar entendimento no caso concreto quanto a lei e a jurisprudência ainda não o fizeram. Primazia da Realidade: Plá Rodriguez define esse princípio da seguinte forma:    “ … significa que em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que surge de documentos e acordos se deve dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” – in Principiológica do Direito do Trabalho – Luiz de Pinho Pedreira da Silva – 2ª. edição – LTr – pag. 205. É o caso do artigo 9º da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Com efeito, expressa o artigo 9º: no capítulo da Assistência a Mulher em situação de violência doméstica e familiar: A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstas na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quanto for o caso. E seu parágrafo 2º, inciso II expressa:  manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.  Nada esclarece quanto a forma em que se dará este afastamento da vítima de violência e quanto a percepção de salários ou não.  E, se houver o pagamento, estará ao encargo de quem?  Do Empregador, do Agressor, do Estado por meio do Órgão Previdenciário? A solução parece estar no inciso V do artigo 22 ao referir pagamento de alimentos provisionais ou provisórios e então   a responsabilidade pelo pagamento nesse período seria do agressor da mulher. Artigo 22: Constatada a pratica de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: (…) V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios (…). Diante dessa premissa e da omissão na lei quanto ao funcionamento do afastamento do trabalho da mulher agredida e estabelecendo o juiz o afastamento da trabalhadora em situação e violência, cabível o afastamento por auxilio doença devidamente respaldado por atestado médico que confirme a incapacidade para o trabalho. Nesse caso, a empresa se responsabilizará pelo pagamento dos primeiros quinze (15) dias, ficando o restante do período ao encargo do INSS, que certamente exigira a comprovação da incapacidade, por perícia médica de referida autarquia. Afastada por auxilio doença estará garantida a manutenção do vínculo de emprego e o retorno ao trabalho após cessar o benefício previdenciário.

Outra forma é o AFASTAMENTO POR LICENÇA SEM REMUNERAÇÃO –   da empregada vítima de violência doméstica mesmo que esteja capacitada para o trabalho, mas que esteja com sua integridade física e psicológica em perigo e nessa hipótese o afastamento visa preservar a integridade física e psicológica até que cesse a violência ou que a mesma se resolva. Nessa hipótese não cabe responsabilidade ao empregador e tampouco ao Órgão Previdenciário, o INSS. Todavia, o vínculo de emprego é mantido pelo período de até seis (06) meses, conforme tiver sido decretado. Para efeito de férias essa licença não remunerada gera a suspensão do contrato e assim, o período do afastamento sem remuneração, não será considerado na contagem dos avos para concessão de férias. OUTRA HIPOTESE:  Pagamento Facultativo do período do afastamento, por força de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho enquanto durar o afastamento. A trabalhadora terá direito a contagem normal dos avos para efeito de férias como se estivesse trabalhando normalmente. É ível na hipótese apresentada a interposição de   Ação Regressiva para serem reavidas as importâncias pagas e a competência para dirimir esse conflito é da Justiça do Trabalho por força do dispositivo do artigo 114 da Constituição Federal que ampliou a competência dessa Justiça Obreira, de vez que a controvérsia afeta o contrato de trabalho. Então,  é respeito a mandamento constitucional e ao fim social de que trata o já citado artigo 5º da Lei de Introdução  ao Direito Brasileiro, subsidiariamente aplicado ao Processo do Trabalho por força do artigo 8º consolidado e respeito o princípio da dignidade humana de que trata o inciso III do artigo  1º da Constituição Federal  e de proteção a integridade física da trabalhadora  enquanto integrante da família que o Estado tem a obrigação de proteger conforme artigo 5º, III, 6º, 226 § 8º da Constituição Federal vigente. Ainda, a Transferência do local de trabalho que poderá ser definitiva ou temporária, observada a peculiaridade do caso, os riscos para a mulher, a condição mais benéfica aplicável ao pacto laboral. A jurisprudência ainda é tímida sobre esta questão até porque as provocações ao judiciário sob este viés, ainda não se tornaram cotidianas.  De outra parte, o Estado ainda não instituiu benefício pecuniário a mulher vítima de violência doméstica, para lhe auxiliar financeiramente caso tenha que se afastar do lar, não obstante seja seu dever proteger a família e lhe prestar auxílio como faz com o empregador e com o agressor encarcerado. Expressa o artigo 226 da Carta Maior, que A FAMÍLIA, BASE DA SOCIEDADE, TEM ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO.

Carmen Dora Ferreira

É advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB (SP).

 


Compartilhar