Inclusão de pessoas pelo Terceiro Setor exige olhar da porta para dentro
Promover a diversidade de forma efetiva requer que organizações sociais estruturem mecanismos internos para formar e desenvolver suas equipes no tema

Por Viviane Soranso dos Santos
Raça e gênero são dois marcadores que, em nossa sociedade, expressam muitas das nossas desigualdades estruturais e persistentes. Basta examinarmos estatísticas nacionais, como as de taxa de desemprego e subemprego ou índices de pobreza, para verificar nelas o elevado número de negros e de mulheres vivendo em situação de mais desvantagem social, raramente ocupando espaços de decisão e poder e tendo suas potências desperdiçadas.
Elas e eles, que são maioria na população do país, convivem todos os dias com preconceito, discriminação e opressão estrutural, fato que lhes exclui de muitos direitos e oportunidades, impedindo que se desenvolvam plenamente. Diante desse cenário negativo, fundações, institutos, associações, empresas e governos têm o dever e a responsabilidade de tomar medidas para modificar essa realidade da forma mais urgente e estruturada possível.
É fundamental que isso ocorra também da porta para dentro, ou seja, não se trata apenas de as organizações defenderem a inclusão desses grupos em propostas e projetos desenvolvidos ou apoiados, ou de forma retórica, mas sim de colocarem isso em prática também com suas equipes, proporcionando avanços palpáveis em seus próprios times. Muitos órgãos de governo, grandes corporações e universidades já contam com negros e negras em seus quadros de funcionários por meio de ações afirmativas. Entretanto, ainda há no país um longo caminho a ser trilhado nesse tema, sobretudo em relação à ocupação de cargos de gerência ou de diretoria por negras e negros, que ainda é baixa nas instituições, quando comparada com as estatísticas populacionais do país.
Levando tudo isso em consideração, a Fundação Tide Setubal criou em 2020 o seu Comitê de Diversidade e Inclusão, composto por colaboradores de diferentes níveis hierárquicos da organização e das suas diferentes estratégias operacionais. A fim de realizar o processo de inclusão de forma bem estruturada, o grupo conta com um Plano de Ação bienal que norteia as suas práticas: mecanismos, projetos e medidas na gestão das pessoas, nos contratos, na infraestrutura física, incluindo formações de equipe, capacitação de fornecedores, processos seletivos e espaços efetivamente inclusivos.
No mesmo ano, o Comitê desenvolveu na Fundação a Política de Diversidade e Inclusão institucional, que abrange os seguintes temas: pessoas com deficiência; gênero; LGBTQIAP+; questões raciais; território; e imigrantes. Essa política está ancorada em legislações, números, dados e fatos oficiais de estudos e pesquisas que revelam o quanto o Brasil ainda é desigual nesses assuntos e o quanto ainda precisa promover mobilidade social.
Sendo uma organização da sociedade civil, a Tide Setubal entende que precisa colaborar de forma concreta, a começar pelas suas próprias equipes, adotando como princípios a diversidade, a inclusão, a equidade e a possibilidade de ser referência, bem como assumindo 15 compromissos internos bem claros, de diversidade e inclusão internas e de diversidade e inclusão em sua atuação. Com essa lógica, também está formulando um canal aberto e seguro para vivências, sugestões e críticas de colaboradores sobre eventuais episódios de discriminação no trabalho, e cabe ao Comitê de Diversidade e Inclusão garantir e medir o cumprimento dos 15 compromissos assumidos.
A partir de uma intencionalidade clara de contratações afirmativas, a Fundação contava com 25 pessoas em seu quadro efetivo em 2019, das quais 16 eram mulheres, ocupando 6 dos 11 postos de liderança, e das quais 20 eram negros, entre eles 5 coordenadores. Além disso, 18 colaboradores cresceram em bairros periféricos em famílias de baixa renda.
Sabe-se que o trajeto em prol de mais diversidade institucional interna requer muito planejamento e diálogo das instituições e nem sempre é tão linear e na velocidade que se deseja ou se necessita, mas ele precisa ser iniciado de alguma forma pelas entidades que já promovem a inclusão na sociedade da porta para fora, de modo que elas possam dar o exemplo. Que venham mais e melhores cases de inclusão efetiva no Terceiro Setor no Brasil nos próximos anos.
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Sobre a autora:
Viviane Soranso dos Santos é psicóloga e ativista social com foco na inclusão de raça e gênero. Mestranda no Programa Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, atua na Fundação Tide Setubal como coordenadora do Programa Raça e Gênero e na implementação do Comitê de Diversidade e Inclusão da instituição. Trabalhou na temática das juventudes em São Miguel Paulista. É coautora do livro Mundo Jovem.
16/11/2021 @ 14:56
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