Ilhéus: como a solidariedade uniu comunidades atingidas por enchentes
VoluntariadoNa cidade de Ilhéus, no sul da Bahia, voluntários e moradores atingidos pelas enchentes do começo do ano se uniram para reerguer comunidades inteiras

Por Juliana Lima
As pessoas ainda celebravam o Natal quando as primeiras fortes chuvas atingiram a cidade de Ilhéus, no dia 25 de dezembro. O município, localizado no sul da Bahia, fica entre as margens dos rios Cachoeira e Almada. Com a chuva, o transbordamento dos rios deixou bairros inteiros submersos. Na época, o próprio prefeito da cidade classificou a situação como “difícil e angustiante”.
Desde dezembro, o Brasil tem enfrentado eventos climáticos extremos em quase toda a sua extensão. As fortes chuvas e as enchentes aram primeiro pela Bahia, depois se alastraram para estados como Tocantins e Maranhão, foram para Minas Gerais e chegaram a São Paulo e Rio de Janeiro. Muitas pessoas morreram, milhares ficaram desabrigadas e muitas outras perderam bens e objetos pessoais.
As tragédias estão diretamente ligadas à precarização da habitação: hoje, há ruas, avenidas e prédios onde deveria haver natureza, o que prejudica o ciclo natural da chuva. Há também uma ligação com o aquecimento global e as mudanças climáticas, que fazem com que as chuvas fiquem cada vez mais fortes e sua frequência fique mais instável – gerando longos períodos de estiagem em alguns lugares e causando estragos pelo excesso em outros.
Quem mais sofre com isso são justamente as pessoas mais vulnerabilizadas da sociedade: moradores de favelas, encostas de morros, locais de várzea de rios ou zonas rurais distantes dos centros urbanos, que geralmente possuem mais infraestrutura e recursos. Pessoas, muitas vezes, esquecidas e invisibilizadas e que acabam dependendo da solidariedade de outras.
A cidade de Ilhéus, na Bahia, é um dos exemplos dessa desigualdade que atinge o Brasil como um todo. O município de pouco mais de 159 mil habitantes teve áreas que se salvaram das inundações de dezembro e janeiro, enquanto outras sofreram e ainda sofrem com os prejuízos das chuvas e das enchentes. Ainda em dezembro, a cidade tinha 8 mil desalojados e 800 desabrigados.
Um dos locais atingidos pelas enchentes na cidade foi a Vila Juerana, um local que geralmente é lembrado como ponto turístico por suas paisagens naturais e gastronomia. Habitada principalmente por pescadores de mangues, a área foi inundada pela cheia do rio Almada e as pessoas, que já sofriam com o desemprego causado pela pandemia, pela crise econômica e por anos de desigualdade e descaso, viram-se mais uma vez em situação de vulnerabilidade.
Quem conta essa história é a psicóloga Indy Ribeiro, moradora de Ilhéus que desde o início das enchentes tem ajudado quem precisa. Indy conta que sua casa não foi atingida pela tragédia, mas era só “olhar para o outro lado” para perceber realidades muito diferentes da sua, ainda que geograficamente próximas.
Indy diz que recebeu desde criança o estímulo da empatia e da solidariedade, já que sua família sempre foi do tipo que ajudava uns aos outros. Por sua formação profissional, ela também aprendeu a importância de ajudar ao próximo, principalmente por meio de uma escuta ativa e uma troca honesta.
Diante da tragédia, a psicóloga decidiu ir sozinha até as casas atingidas pela água e ajudar as pessoas que moravam ali. Foi um “trabalho de formiguinha”, segundo ela, que conheceu pessoalmente cerca de 200 pessoas que estavam precisando de ajuda. Ela começou a pedir contribuições em suas redes sociais, primeiro por meio da própria família e amigos. Depois, tornou-se parceira da associação Amigos Solidários, que já era uma referência em Ilhéus por sua distribuição de cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Foi assim que ela ou a reunir doações de alimentos, água, fraldas para bebês e idosos, colchões, eletrodomésticos e até kits de absorventes e higiene pessoal para mulheres. E pouco a pouco, ia tentando ajudar as comunidades a se reorganizar e começar a vida novamente.
A psicóloga viu casas que foram totalmente alagadas, pessoas que haviam perdido tudo por causa da lama, idosos que contavam já ter sido atingidos por duas ou três enchentes em sua vida… As histórias e necessidades eram muitas. “Quanto mais eu andava pela região, mais pessoas eu conhecia”, diz.
O problema era que, quanto mais afastada do centro estavam as pessoas, menos visibilidade elas tinham. Longe de querer se tornar heroína, Indy conta que o mais importante foi ver a solidariedade entre os próprios moradores da região.
Juntos, eles se organizavam e pesquisavam o que cada família precisava para reconstruir a vida. “Às vezes, eu distribuía kits com escovas de dente, por exemplo, e se sobrasse, eles devolviam dizendo ‘tem outras pessoas precisando mais’”, conta. Para ela, o trabalho voluntário só teve sucesso porque foi feito com empatia, com escuta e com o envolvimento da própria comunidade.
Marielle Asseff, que é assistente social da Amigos Solidários, também conta como a união dos moradores das comunidades da cidade e a solidariedade entre eles foi fundamental para que cada comunidade pudesse começar a se reerguer.
Por já ter o contato de muitas lideranças locais, Marielle começou a ligar para várias delas assim que as chuvas começaram. Ela conta que uma das primeiras para quem ligou foi para uma moradora da comunidade que fica em torno do lixão de Itariri, que informou que o local não havia sido atingido pela enchente e, por isso, recusou a oferta de cestas básicas.
“Aquilo me impactou, porque, diante da realidade dessas pessoas, falar isso foi de uma compaixão impressionante”, conta. A transparência e sinceridade, segundo ela, refletem como as pessoas mais necessitadas são também as que mais se doam aos outros.
Marielle conta também que, antes das enchentes, a associação trabalhava com uma média de 2.500 cestas básicas distribuídas ao ano. Só em janeiro de 2022, o número ou para mais de 17 mil cestas. “É como se fosse o trabalho de um ano em apenas um dia. É muito trabalho, e a gente não parou (…) E nós seguimos com essa ideia de que o mundo só é bom quando é bom para todos”, diz.
22/03/2022 @ 15:30
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