Guia de contabilidade auxilia profissionais do Terceiro Setor

Impacto das ONGs
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“Diante da escassez de recursos, a contabilidade assume um papel estratégico. Mais do que uma obrigação legal, ela é uma ferramenta de transparência e credibilidade”, disse Gabriel Filber Ribas. Ele é coordenador da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do Conselho Regional de Contabilidade do RS

Imagem: Freepik

Por Lucas Neves

O Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS) publicou um guia de orientação para o profissional da contabilidade do Terceiro Setor. “A proposta é auxiliar profissionais da contabilidade, dirigentes e demais interessados a compreenderem melhor os aspectos técnicos, normativos e operacionais que envolvem a atuação contábil no segmento do Terceiro Setor”, disse, Gabriel Filber Ribas, coordenador da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS.

Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor, Ribas falou das motivações que levaram à criação do material, publicado em dezembro de 2024, explicando a diferença entre trabalho de contabilidade para OSCs e empresas. Ele também exaltou a importância estratégica da contabilidade no cenário de falta de recursos financeiros.

“A criação do ‘Terceiro Setor — Guia de orientação para o profissional da Contabilidade’ surgiu da percepção da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS sobre a necessidade de reunir, de forma didática e ível, as principais orientações contábeis e legais voltadas às Organizações da Sociedade Civil”, disse Ribas. 

Segundo Ribas, o profissional contábil atua como um elo essencial para a realização das atividades das OSCs, garantindo a conformidade legal, a prestação de contas e o uso adequado dos recursos. Ele destacou que a importância de um contador se torna ainda mais evidente no contexto de escassez orçamentária.

Recentemente, a pesquisa “Desafio das Organizações da Sociedade Civil (OSCs)”, divulgada pela Phomenta, mostrou que a escassez financeira é a principal dificuldade enfrentada pelas organizações do terceiro setor. Segundo levantamento, 86% das OSCs participantes afirmaram sofrer com esse desafio.

“Diante da escassez de recursos, a contabilidade assume um papel estratégico. Mais do que uma obrigação legal, ela é uma ferramenta de transparência e credibilidade. E, nesse contexto, transparência é um fator determinante para a sustentabilidade das OSCs: quanto mais claras e bem estruturadas forem as demonstrações contábeis, mais confiança elas geram junto a doadores, parceiros e financiadores”, comentou o coordenador da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS.

Em relação às diferenças entre as OSCs e empresas, Ribas alertou que o Terceiro Setor apresenta particularidades fundamentais nos processos contábeis. Apesar de seguir os princípios da contabilidade privada, sobretudo em questões relacionadas à escrituração contábil, demonstrações financeiras e observância das normas brasileiras, o processo para as organizações também envolve elementos da contabilidade pública.

“Principalmente no que diz respeito à transparência, controle e prestação de contas dos recursos, especialmente quando envolvem verbas públicas”, salientou. Ribas afirmou ser necessário evidenciar a aplicação dos recursos, a segregação por projetos e a rastreabilidade das fontes de financiamento, sobretudo em convênios e parcerias com o poder público.

A seguir, confira a entrevista completa de Gabriel Filber Ribas, coordenador da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS, ao Observatório do Terceiro Setor:

1. Como surgiu a necessidade de criar um manual de contabilidade para o terceiro setor?

A partir da sua forma singular de atuação, o Terceiro Setor reúne exigências do setor privado e do setor público, vez que é composto por entidades privadas com finalidades públicas, em especial, nos campos da assistência social, educação e saúde, entre diversas outros.

A criação do “Terceiro Setor – Guia de orientação para o profissional da Contabilidade” surgiu da percepção da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS sobre a necessidade de reunir, de forma didática e ível, as principais orientações contábeis e legais voltadas às Organizações da Sociedade Civil (OSCs). O trabalho foi conduzido pela contadora Neusa Teresinha Ballardin Monser, então coordenadora da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do CRCRS (gestão 2010/2011), tendo o impulso e motivação da gestão de Zulmir Breda à frente do CRCRS. A proposta é auxiliar profissionais da contabilidade, dirigentes e demais interessados a compreenderem melhor os aspectos técnicos, normativos e operacionais que envolvem a atuação contábil no segmento do Terceiro Setor, estimulando a construção de uma cultura de integridade, transparência e sustentabilidade.

Com o apoio e incentivo do Presidente do CRCRS Márcio Schuch Silveira, o material está atualmente em sua 3ª edição (2024), e se encontra disponível gratuitamente no site do CRCRS. Ele apresenta conteúdos sobre princípios contábeis aplicáveis, obrigações legais, particularidades na escrituração, prestação de contas, aspectos tributários, além de exemplos práticos que facilitam a aplicação no dia a dia das instituições do Terceiro Setor.

Atualmente, de acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil (Mapa das OSCs), existem cerca de 59 mil OSCs ativas no Rio Grande do Sul, o que representa aproximadamente 7% do total nacional. No Brasil, são próximo de 900 mil OSCs ativas, conforme dados atualizados até 2024. Esses números reforçam a importância das entidades para o desenvolvimento social e econômico do país, bem como da contabilidade como ferramenta de transparência e sustentabilidade. O profissional contábil atua como um elo essencial para a realização das atividades das OSCs, assegurando a conformidade legal, a prestação de contas e o uso adequado dos recursos.

2. Quais são as principais diferenças entre a contabilidade de empresas e de organizações sociais?

A contabilidade das organizações do Terceiro Setor apresenta particularidades importantes em relação à contabilidade das empresas. Embora siga os princípios da contabilidade privada, especialmente no que se refere à escrituração contábil, demonstrações financeiras e observância das normas brasileiras de contabilidade, como contido na Resolução do Conselho Federal de Contabilidade – CFC n° 1.409/2012, ela também incorpora elementos da contabilidade pública, principalmente no que diz respeito à transparência, controle e prestação de contas dos recursos, especialmente quando envolvem verbas públicas.

O superávit, quando existente, deve ser reinvestido na atividade-fim. Isso exige uma contabilidade que, além de registrar os fatos istrativos, evidencie a correta aplicação dos recursos, a segregação por projetos e a rastreabilidade das fontes de financiamento, sobretudo em convênios e parcerias com o poder público.

Portanto, a contabilidade no Terceiro Setor exige um olhar mais voltado à ability, à segregação dos recursos por finalidade e ao cumprimento de exigências legais específicas, como a Lei nº 13.019/2014 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC), entre outras normas complementares.

3. Um estudo recente da Phomenta mostrou que a escassez financeira é o principal desafio enfrentado pelas ONGs. Nesse sentido, muito se fala sobre investir em captação de recursos. Além dessa estratégia, vocês acreditam que uma contabilidade bem estruturada pode auxiliar nesse desafio financeiro? Como?

Importante destacar, inicialmente, que o termo mais atual e abrangente para se referir às antigas ONGs é Organizações da Sociedade Civil (OSCs), conforme previsto no Marco Regulatório (Lei nº 13.019/2014). Essa atualização reflete uma evolução na forma como essas entidades são reconhecidas e regulamentadas no Brasil.

Diante da escassez de recursos, a contabilidade assume um papel estratégico. Mais do que uma obrigação legal, ela é uma ferramenta de transparência e credibilidade. E, nesse contexto, transparência é um fator determinante para a sustentabilidade das OSCs: quanto mais claras e bem estruturadas forem as demonstrações contábeis, mais confiança elas geram junto a doadores, parceiros e financiadores.

Além de apoiar os processos de captação de recursos, a contabilidade contribui para a organização financeira, o planejamento orçamentário e o desenvolvimento de fontes próprias de receita. Dessa forma, uma contabilidade bem estruturada fortalece a gestão, qualifica a prestação de contas e amplia as oportunidades de financiamento, seja público, privado ou por meio de iniciativas próprias da organização.

Destaca-se também o papel da contabilidade como agente de inovação, especialmente na estruturação de mecanismos como os fundos patrimoniais (endowments): esses instrumentos representam uma alternativa sustentável para o financiamento das atividades das OSCs a longo prazo, exigindo uma contabilidade capaz de garantir transparência, segregação de recursos, controle dos rendimentos e aderência às finalidades pactuadas. Sem uma base contábil bem estruturada, não é possível assegurar a confiança necessária de doadores e investidores institucionais, nem atender aos requisitos legais e de governança que esses fundos exigem. 

Portanto, a contabilidade não apenas responde às demandas atuais, mas também abre caminhos para soluções inovadoras e sustentáveis.

4. Atualmente, qual a principal dificuldade enfrentada no processo de contabilidade para organizações do terceiro setor?

A contabilidade no Terceiro Setor enfrenta desafios significativos, sobretudo pela complexidade das exigências aplicáveis a essas entidades. Um dos principais obstáculos está no volume de demandas que decorrem tanto da natureza privada quanto da interface com o setor público — ou seja, as OSCs precisam atender simultaneamente às normas contábeis aplicáveis às entidades privadas e às exigências legais e istrativas oriundas de parcerias com o poder público.

Além disso, há uma necessidade constante de controle rigoroso na aplicação dos recursos, especialmente para garantir o cumprimento das finalidades estatutárias e evitar desvios de finalidade. Isso é essencial não apenas para a integridade da organização, mas também para resguardar a imunidade e a isenção tributária previstas na Constituição Federal e regulamentadas pelo Código Tributário Nacional (CTN).

Nesse cenário, o papel da contabilidade é ainda mais estratégico: ela precisa ser capaz de atender a diversos requisitos legais, manter a rastreabilidade das receitas e despesas por projeto e assegurar a transparência exigida por financiadores e órgãos de controle. Portanto, a principal dificuldade está na necessidade de conciliar múltiplas obrigações técnicas, legais e operacionais, sem perder de vista o propósito social da entidade.

Nesse contexto, é importante destacar também as iniciativas da Comissão de Estudos do Terceiro Setor do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS) na promoção de webinars que abordam temas cruciais para as Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Recentemente, foram realizados eventos como “Gestão de Recursos no Terceiro Setor” e “Transparência e Boas Práticas Aplicadas ao Terceiro Setor”, disponíveis no canal da TV CRCRS no YouTube. Esses encontros evidenciam a amplitude da contabilidade no Terceiro Setor, ressaltando a importância da governança e da gestão eficiente de recursos em diversos segmentos. 

O próximo encontro por webinar, com o tema “Agro e Governança no Terceiro Setor”, será realizado no dia 16 de abril, promovido pela Comissão de Estudos do Terceiro Setor, contando com a participação do Coordenador contador Gabriel Filber Ribas, e Comissão de Estudos de Contabilidade do Setor do Agronegócio do CRCRS.


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