Guarani protestam por educação diferenciada na TI Tenondé Porã em SP

Direitos Humanos
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Indígenas guarani protestam em São Paulo por educação diferenciada e de qualidade nas aldeias, exigindo compromisso dos candidatos à Prefeitura e melhorias nos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIs).

Imagem ilustrativa/ Adobe Stock

 

No dia 04/10, por volta das 12h, cerca de 200 indígenas guarani que vivem na Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo (SP), realizam um protesto em frente à Prefeitura Municipal de São Paulo (SP) exigindo o atendimento escolar diferenciado e de qualidade nas aldeias de seu território. A expectativa é que os candidatos à Prefeitura de São Paulo, incluindo o atual prefeito Ricardo Nunes, assinem uma Carta de Intenções, comprometendo-se com a efetivação dos direitos indígenas e a garantia de uma educação diferenciada.

Segundo as lideranças, apesar de existirem desde 2004, os Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIs) não têm respeitado os direitos indígenas a uma educação verdadeiramente diferenciada – situação que vem sendo negligenciada há quase uma década pela Secretaria Municipal de Educação (SME).

Uma das reivindicações é a de que todas as crianças da TI Tenondé Porã tenham seu direito ao atendimento educacional em suas aldeias – já que das 11 aldeias da TI Tenondé Porã, localizadas no município de SP, apenas duas têm educação infantil garantida.

As comunidades lutam para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido da melhor forma, fortalecendo os modos de vida tradicionais e a ocupação territorial, desenvolvendo ações e atividades voltadas ao plantio, a pesca, a culinária, o artesanato, danças, brincadeiras e o manejo da mata em busca de uma educação diferenciada e de qualidade, como é assegurado pela Constituição Federal e pela legislação da Educação Escolar indígena.

Essas e outras demandas foram formalizadas pelas próprias comunidades guarani em um Plano de Trabalho, entregue à SME em 2021. Ao longo desses anos e seguindo as orientações da SME, várias versões deste documento foram elaboradas pelas comunidades. Entretanto, não houve resposta efetiva por parte da SME. Esses problemas resultaram na abertura de um Inquérito Civil (1.34.001.007800/2021-41) para apurar as violações.

Em 2023, a pedido das comunidades, foi instaurada uma mediação pré-processual, após tentativas extrajudiciais frustradas das comunidades de dialogarem com a Secretaria Municipal de Educação sobre a situação. Contudo, após mais de três anos de diálogos, as tratativas não tiveram êxito. As comunidades expressam tristeza e indignação pela falta de avanços concretos por parte da SME em relação aos problemas apontados. Em maio de 2024, a SME publicou a Instrução Normativa nº 16 que regulamenta o funcionamento dos CECIs/CECI, sem a devida consulta livre, prévia e informada às comunidades, conforme garante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

As comunidades da Terra Indígena Tenondé Porã permanecem mobilizadas na luta pela garantia de seus direitos educacionais e continuam pedindo a análise e a aprovação de seus planos de trabalho, ignorados até o momento pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME). Elas demandam que todas as aldeias do município de São Paulo recebam atendimento educacional adequado, conforme as diretrizes estabelecidas pelas próprias comunidades e de acordo com a legislação que rege a educação escolar indígena. Além disso, qualquer regulamentação dos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIs) deve ser conduzida com ampla consulta e participação, respeitando o princípio da consulta livre, prévia e informada.

Desafios na Gestão dos CECIs

No dia 18 de maio de 2023, realizou-se a primeira reunião da Mediação Pré-Processual (nº 5013393-12.2023.4.03.6100), instaurada a pedido das comunidades em decorrência dos graves desrespeitos ao direito a uma educação escolar indígena diferenciada, relacionados à gestão dos CECIs e à falta de atendimento às crianças que habitam parte das aldeias da Terra Indígena Tenondé Porã.

O requerimento para instauração da mediação foi realizado após tentativas extrajudiciais frustradas das comunidades de dialogarem com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo sobre a situação. Dois anos antes, em agosto de 2021, as comunidades já haviam solicitado à Diretoria de Ensino Capela do Socorro a substituição da organização conveniada responsável pela gestão dos CECIs, apontando graves desrespeitos aos modos de vida guarani e à educação diferenciada.

No dia 04 dezembro de 2023, foi expedida a Recomendação nº05/2023 pelo Ministério Público Federal exigindo a garantia da “continuidade do processo educacional das crianças da Terra Indígena Tenondé Porã, e assim, no prazo de 10 (dez) dias substitua a atual conveniada responsável pela gestão dos CECI’s Tenonde Porã e Krukutu e a formalize Termo de Colaboração com nova organização credenciada na forma da Instrução Normativa SME no 25/2023, com base nos Planos de Trabalho do CECI e do CEII, elaborados em colaboração com as respectivas comunidades, assegurando a alocação de recursos necessários para garantir o pleno funcionamento das atividades educacionais.” No entanto, a recomendação não foi cumprida.

No documento enviado pelas comunidades, foi reforçada a importância de que qualquer mudança na gestão dos CECIs deve respeitar os modos de vida guarani e os princípios de uma educação específica, intercultural, multilíngue e comunitária, conforme previsto na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (Parecer CNE/CEB no 13/2012 e Resolução CNE/CEB no 5/2012) entre outras normativas que tratam da educação escolar indígena, e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta livre, prévia e informada.

CECIs

Criados em 2004 pelo Decreto nº 44.389, os Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIs) de São Paulo têm um papel fundamental no fortalecimento do nhandereko, os modos de vida do povo Guarani.

Localizados na Terra Indígena Jaraguá, na região norte do município, e na TI Tenondé Porã, no extremo sul de São Paulo, os CEII/CECI estão diretamente vinculados às legislações que regem a educação escolar indígena, pautados pelos princípios da interculturalidade, especificidade e bilinguismo, e, em especial, pela autonomia dos povos indígenas em elaborar seus próprios Projetos Políticos Pedagógicos.

Em 2004, existiam apenas duas aldeias na região de Parelheiros (Tenondé Porã e Krukutu), que estavam localizadas em um território exíguo e insuficiente para a reprodução do nhandereko. Em 2016, após muita luta e intensa mobilização destas comunidades e longos anos de estudo para identificação e delimitação, foi reconhecido por parte do Governo Federal a Terra Indígena Tenondé Porã (Portaria Declaratória nº 548 de 5 de maio de 2016), com cerca de 16 mil hectares de terras tradicionais para o usufruto exclusivo de suas comunidades.

Tal marco no reconhecimento dos direitos territoriais, fortaleceu um processo de reocupação do território pelos Guarani, que reabriram antigas e novas aldeias, garantindo, assim, o o a recursos e espaços em áreas de mata. Mas, apesar dessa expansão, os CECIs não acompanharam a formação das aldeias novas.


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