Faltam “olheiros” na educação

Por Bartira Almeida
Viabilizar o futuro do país depende da educação. Não conheço forma melhor de progredir, com qualidade, equilíbrio e segurança. É e sempre será nosso principal ativo.
Quantos grandes talentos existem em favelas e periferias do nosso país? Uma legião de invisíveis, cuja alta capacidade intelectual as famílias ou mesmo os próprios professores não estão aptos a identificar, orientar e fazer evoluir de forma adequada. Diferentemente do que acontece com o futebol, ainda faltam “olheiros” na educação.
Os talentos se perdem, trabalham aquém de suas reais possibilidade e o futuro do país se esvazia um pouco mais. Abrimos mão de “neymares” o tempo todo. Já conquistamos cinco Copas do Mundo e nas últimas Olimpíadas, em Tóquio, nossos atletas garantiram o maior número de medalhas em todos os jogos. Mas Prêmio Nobel, nada. Estamos falhando em treinar os talentos que existem entre os 30 milhões de estudantes brasileiros das escolas públicas.
Estudo do Banco Mundial, publicado este ano, aponta que uma criança brasileira nascida em 2019, ao completar 18 anos, terá aproveitado, em média, somente 60% de seu capital humano potencial, que corresponde, de forma bem simplificada, ao conjunto de habilidades que os indivíduos acumulam ao longo da vida.
Ou seja, 40% de todo o talento brasileiro é deixado de lado pelo país já nos primeiros anos escolares. Como pensar o futuro, seriamente, nessas condições?
Nos rincões mais vulneráveis do Brasil, o desperdício de potencial superou 55% em 2019. Com a crise sanitária, a situação se agravou e, em apenas dois anos, o Brasil recuou dez anos de avanços no acúmulo de capital humano, voltando a índices anteriores a 2010. Na classificação geral, o país está abaixo de países desenvolvidos como Japão (0,81) e Estados Unidos (0,70) e de nações latino-americanas, como Chile (0,65) e México (0,61).
Ainda de acordo com o Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) do país poderia ser 2,5 vezes maior se os jovens desenvolvessem seu potencial ao máximo e se o país chegasse ao pleno emprego. Entre as conclusões, as de que aspectos raciais e de renda estão ligados à falta de oportunidades e que o desafio maior, atualmente, a não só por mais inclusão social, mas pelo aproveitamento efetivo dos talentos e a melhor qualidade na formação pedagógica.
Todos são responsáveis pelas mudanças
Durante o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, ficou ainda mais evidente o contraste entre a estrutura do ensino público e do privado. A defasagem quanto aos recursos digitais disponíveis nas instituições públicas prejudicou milhões de crianças, tanto em áreas urbanas, quanto de forma mais acentuada nas rurais.
O quanto a atual geração, ainda em formação, foi afetada em 2020/2021? É tudo muito recente e, provavelmente, só teremos a real noção do tamanho do aprofundamento das desigualdades daqui a alguns anos. Mas é certo que temos um grande desafio: tentar construir um caminho, que envolva e atenda a todos.
Não podemos ficar paralisados, à espera do poder público para a solução dos problemas. Se a busca é por mudança, temos que trabalhar para isso, juntos e agora.
É responsabilidade geral cuidar dos jovens, permitir que cresçam e desempenhem integralmente todas as suas vocações e habilidades. Precisamos do engajamento de sociedade, empresários, educadores, formadores de opinião, enfim, daqueles que queiram um Brasil mais justo e alinhado ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU).
A agenda mundial de boas práticas da ONU prevê, entre outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), educação inclusiva, equitativa e de qualidade até 2030. Até 2030! Portanto, já estamos bem atrasados.
Num primeiro momento, tudo do que os jovens talentos precisam é de uma chance, de apoio concreto e da criação de pontes que lhes permitam o à instituições adequadas de formação. Unir quem precisa às instituições corretas e àqueles que podem e estão dispostos a colaborar ajuda a multiplicar oportunidades.
Os exemplos são muitos e nos motivam a fazer ainda mais e melhor, como o hoje estagiário de um dos maiores bancos de investimento do mundo e estudante de ciências da computação em um instituto tech em São Paulo, inspirado em Stanford e no MIT, que até quatro anos atrás nunca tinha ultraado as fronteiras de um município de apenas 15 mil estudantes no interior do Espírito Santo. Não há limite para o potencial que teve a chance de ser estimulado e desenvolvido. Esse é o meu trabalho há oito anos, aquilo no que acredito e a que me dedico diariamente.
Há mais caminhos, outras pontes, depende da nossa vontade e da nossa troca de experiências.
A educação é a forma mais eficaz de tirar o adolescente da situação de vulnerabilidade e permitir que ele e sua família ascendam socialmente, um avanço que, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem ensino de qualidade, levaria nove gerações para se concretizar.
Pontes são criadas, justamente, para reduzir distâncias. É o nosso principal desafio.
Sobre a autora: Bartira Almeida é fundadora e presidente do Instituto Ponte
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.